Juiz Ricardo D´Avila, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Salvador, determina que Estado proceda o imediato procedimento de dermolipequitomia com hernerafia incisional e plicatura de retos abdominais

Publicado por: redação
03/05/2011 05:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

0022782-37.2010.805.0001 - Mandado de Segurança

Autor(s): Judite Maia De Cerqueira Rodrigues

Advogado(s): Fátima Maria Lopes Costa Pinto

Reu(s): Plano De Assistência À Saúde Dos Servidores Públicos Do Estado Da Bahia

Advogado(s): Mariana Matos de Oliveira

Sentença: Fls. 225/234: "JUDITE MAIA DE CERQUEIRA RODRIGUES, com qualificação nos autos, impetrou Mandado de Segurança com pedido de liminar contra ato do PLANSERV – PLANO DE ASSISTENCIA A SAÚDE DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS que, conforme alega, nega-lhe a realização de cirurgia bariátrica, bem como o tratamento em SPA especializado para pacientes com excesso de peso. Aduz a Impetrante que é servidora pública do Estado da Bahia, e que necessita de cuidados médicos cirúrgicos para tratar obesidade mórbida e outras doenças decorrentes do excesso de peso. Informa, ainda, que por recomendação de médicos, necessita de internação em SPA especializado para a redução de peso, para que seja realizada a cirurgia bariátrica com segurança. Alega que, em que pese suas solicitações, o PLANSERV nega ambos os procedimentos, tanto a internação como posterior cirurgia, sob o argumento da inexistência de previsão que obrigue o plano de assistência à “cobrir” o processo. Sustenta sua pretensão no direito constitucional à vida, a dignidade da pessoa humana. Por fim requer, através de liminar, a possibilidade de internar-se em SPA especializado, com fito de reduzir seu peso, e por sentença, a autorização para a realização da cirurgia bariátrica. Com a inicial, vieram os documentos de fls. 21/35. Este Juízo, através do ilustre juiz substituto, concedeu a liminar na forma requerida, determinando o imediato internamento da Impetrante no SPA especializado Salute, conforme decisum fundamentado de fls. 37/39. O Estado da Bahia, através da ilustre Procuradoria, requereu intervenção no feito e apresentou a defesa da Administração às fls.43/61. Primeiramente, sustenta a falta de indicação de autoridade coatora, bem como a falta de interesse de agir/adequação ao feito, posto que seria necessária produção de provas no feito, medida essa impossibilitada pela via mandamental. Alerta, ainda, que a liminar concedida esgotaria o objeto pretendido, sendo satisfativa, motivo pelo qual obsta-se sua concessão. Atenta que o Planserv, por ser plano de saúde restrito aos servidores públicos do Estado da Bahia, não poderia ser suscetível de liminar deferida com base no art. 196 da Constituição Federal. Quanto às questões de fundo, sustenta a impossibilidade da internação da Impetrante em SPA estético, posto que não estaria no rol de procedimentos autorizados por lei específica. Informa, ainda, que a Impetrante sempre esteve ciente da impossibilidade de hospedar-se no SPA, posto que todas as cláusulas contratuais estavam devidamente explicitadas e publicizadas. Por fim, afirma que os relatórios trazidos informam somente que a Impetrante deve perder peso, não informando a quantidade, bem como afirma que o SPA no qual pretende hospedar-se tem natureza eminentemente estética. Anexou documentos de fls. 62/83. Às fls. 86/111 o Estado da Bahia informou a interposição de agravo de instrumento contra a medida liminar ora concedida. O Egrégio Tribunal de Justiça, através do Ilustre Desembargador José Olegário Monção Caldas, negou efeito suspensivo ao agravo interposto. Às fls. 150/153 o Estado da Bahia informou que no cumprimento da medida liminar exarada nos autos, o SPA Salute enviou faturas que demonstram valores exorbitantes, vide documentos de fls. 154/184. Às fls. 185/186 a Impetrante informou a necessidade de troca do hospital onde seria realizado a cirurgia em questão. O Estado da Bahia, manifestando-se às fls.195/197, informou que a cirurgia pretendida não é objeto da presente demanda, bem como afirmou inexistir pedido administrativo quando ao procedimento, não havendo, assim, ato coator. Às fls. 198/208 a Impetrante informou a imprescindibilidade do procedimento, para a continuidade dos tratamentos médicos. Anexou documentos de fls. 209/212. Instado a se manifestar, o Ministério Público, em parecer exarado às fls. 214/223, opinou pela denegação da segurança. É o relatório, passo a decidir. Não merecem acolhimento as preliminares suscitadas pelo Impetrado. Primeiramente, rejeito a preliminar de ausência de direito liquido e certo da Impetrante e inépcia da inicial, como sustentado pela Impetrada. Conquanto tenha a procuradoria apresentado fundamentação, no sentido de que o pedido seria juridicamente impossível por existir previsão legal do ato administrativo ora atacado, importa salientar que tal questão refere-se ao mérito do presente writ o que, por si somente, impede a análise de tal argumentação em sede de preliminar. Por fim, recuso a preliminar de falta de interesse de agir, pois conforme reza a Lei Federal nº 12.016/09, em seu art. 1º: Art. 1o  Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. Assim, entendo ser totalmente cabível o presente remédio constitucional para apreciar a matéria em questão, repelindo a preliminar de falta de interesse/adequação exarada. Examinadas e rejeitadas as questões preliminares suscitadas, passo ao exame do mérito. Prima facie, conforme vislumbrado nos pedidos da Impetrante, observo que o presente mandamus repousa na necessidade da mesma em realizar cirurgia bariátrica, bem como recorrer a internamento em SPA com fito de não correr riscos durante a cirurgia. Adentrando ao mérito do presente writ, sirvo-me de notícia publicada pelo Supremo Tribunal Federal no dia 17 de Março de 2010 acerca do presente tema, in verbis: O Plenário do Supremo Tribunal Federal indeferiu nove recursos interpostos pelo Poder Público contra decisões judiciais que determinaram ao Sistema Único de Saúde (SUS) o fornecimento de remédios de alto custo ou tratamentos não oferecidos pelo sistema a pacientes de doenças graves que recorreram à Justiça. Com esse resultado, essas pessoas ganharam o direito de receber os medicamentos ou tratamentos pedidos pela via judicial. (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.aspidConteudo=122125) Dessa forma, por mais remansosa que seja tal matéria, seu entendimento já encontra-se sedimentado por toda a doutrina e Jurisprudencia pátria, no sentido garantir aqueles que necessitam a devida assistência custeada pelo Estado, com base no art. 196 da Constituição Federal. Veja-se, no mesmo sentido, a decisão exarada pelo Excelentissimo Doutor Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, quando relator do Agravo Regimental contra a decisão da Presidência do STF nos autos da Apelação Cível nº 408729/CE (2006.81.00.003148-1), in verbis: “A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação do artigo 196 da Constituição. Teses, muitas vezes antagônicas, proliferaram-se em todas as instâncias do Poder Judiciário e na seara acadêmica. Tais teses buscam definir se, como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via judicial. As divergências doutrinárias quanto ao efetivo âmbito de proteção da norma constitucional do direito à saúde decorrem, especialmente, da natureza prestacional desse direito e da necessidade de compatibilização do que se convencionou denominar “mínimo existencial” e “reserva do possível” (Vorbehalt des Möglichen). (…) A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender que as normas que consagram tais direitos assumem a feição de normas programáticas, dependentes, portanto, da formulação de políticas públicas para se tornarem exigíveis. Nesse sentido, também se defende que a intervenção do Poder Judiciário, ante a omissão estatal quanto à construção satisfatória dessas políticas, violaria o princípio da separação dos Poderes e o princípio da reserva do financeiramente possível. (…) Nessa linha de análise, argumenta-se que o Poder Judiciário, o qual estaria vocacionado a concretizar a justiça do caso concreto (microjustiça), muitas vezes não teria condições de, ao examinar determinada pretensão à prestação de um direito social, analisar as consequências globais da destinação de recursos públicos em benefício da parte, com invariável prejuízo para o todo (AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha. Renovar: Rio de Janeiro, 2001). Por outro lado, defensores da atuação do Poder Judiciário na concretização dos direitos sociais, em especial do direito à saúde, argumentam que tais direitos são indispensáveis para a realização da dignidade da pessoa humana. Assim, ao menos o “mínimo existencial” de cada um dos direitos – exigência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana – não poderia deixar de ser objeto de apreciação judicial. O fato é que o denominado problema da “judicialização do direito à saúde” ganhou tamanha importância teórica e prática, que envolve não apenas os operadores do direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo. Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania, por outro, as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão entre os elaboradores e os executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área de saúde e além das possibilidades orçamentárias. Após refletir sobre as informações colhidas na Audiência Pública - Saúde e sobre a jurisprudência recente deste Tribunal, é possível afirmar que, em matéria de saúde pública, a responsabilidade dos entes da Federação deve ser efetivamente solidária. No RE 195.192-3/RS, a 2ª Turma deste Supremo Tribunal consignou o entendimento segundo o qual a responsabilidade pelas ações e serviços de saúde é da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. Nesse sentido, o acórdão restou assim ementado: “SAÚDE – AQUISIÇÃO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – DOENÇA RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.” (RE 195.192-3/RS, 2ª Turma, Ministro Marco Aurélio, DJ 22.02.2000). Em sentido idêntico, no RE-AgR 255.627-1, o Ministro Nelson Jobim afastou a alegação do Município de Porto Alegre de que não seria responsável pelos serviços de saúde de alto custo. O Ministro Nelson Jobim, amparado no precedente do RE 280.642, no qual a 2ª Turma havia decidido questão idêntica, negou provimento ao Agravo Regimental do Município: “(...) A referência, contida no preceito, a “Estado” mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios. Tanto é assim que, relativamente ao Sistema Único de Saúde, diz-se do financiamento, nos termos do artigo n.º 195, com recursos do orçamento, da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Já o caput do artigo informa, como diretriz, a descentralização das ações e serviços públicos de saúde que devem integrar rede regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera degoverno. Não bastasse o parâmetro constitucional de eficácia imediata, considerada a natureza, em si, da atividade, afigura-se como fato incontroverso, porquanto registrada, no acórdão recorrido, a existência de lei no sentido da obrigatoriedade de fornecer-se os medicamentos excepcionais, como são os concernentes à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas carentes. O Município de Porto Alegre surge com responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no sentido da implantação do Sistema Único de Saúde, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. Por outro lado, como bem assinalado no acórdão, a falta de regulamentação municipal para o custeio da distribuição não impede fique assentada a responsabilidade do Município. (...)” (RE-AgR 255.627-1/RS, 2ª Turma, Ministro Nelson Jobim, DJ 21.11.2000) A responsabilidade dos entes da Federação foi muito enfatizada durante os debates na Audiência Pública -Saúde, oportunidade em que externei os seguintes entendimentos sobre o tema: O Poder Judiciário, acompanhado pela doutrina majoritária, tem entendido que a competência comum dos entes resulta na sua responsabilidade solidária para responder pelas demandas de saúde. Muitos dos pedidos de suspensão de tutela antecipada, suspensão de segurança e suspensão de liminar fundamentam a ocorrência de lesão à ordem pública na desconsideração, pela decisão judicial, dessa divisão de responsabilidades estabelecidas pela legislação do SUS, alegando que a ação deveria ter sido proposta contra outro ente da Federação. Não temos dúvida de que o Estado brasileiro é responsável pela prestação dos serviços de saúde. Importa aqui reforçar o entendimento de que cabe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios agirem em conjunto no cumprimento do mandamento constitucional. A Constituição incorpora o princípio da lealdade à Federação por parte da União, dos Estados e Municípios no cumprimento de suas tarefas comuns. De toda forma, parece certo que, quanto ao desenvolvimento prático desse tipo de responsabilidade solidária, deve ser construído um modelo de cooperação e decoordenação de ações conjuntas por parte dos entes federativos. Ressalto que o tema da responsabilidade solidária dos entes federativos em matéria de saúde também poderá ser apreciado pelo Tribunal no RE 566.471, Rel. Min. Marco Aurélio, o qual tem repercussão geral reconhecida, nos termos da seguinte ementa: SAÚDE – ASSISTÊNCIA – MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO – FORNECIMENTO. Possui repercussão geral controvérsia sobre a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamento de alto custo.” Diante de tais argumentos da Corte Máxima do Brasil, outro entendimento não pode prosperar se não a ratificação da medida liminar, para a cobertura de procedimento cirúrgico com todos os materiais necessários. Outrossim, em suas razões, sustentou a Administração que a relação firmada entre as partes exclui a cobertura de internamento em SPA de alto luxo para emagrecimento. Isso, no entanto, não corresponde à realidade, porquanto há farta prova nos autos de que a Impetrante não busca a internação com finalidade estética ou de lazer, não havendo como prosperar a tese do Estado de que o contrato exclui a referida cobertura, porquanto, tratando-se de questão relativa à saúde e vida, direitos fundamentais do cidadão, prevalece o entendimento de que qualquer tratamento está garantido quando busca preservar a integridade do segurado, exceto em caso de comprovada má-fé, inocorrente na espécie. De outra banda, em que pese ter a Impetrada suscitado a existência de outros métodos para emagrecimento, o estado de saúde da Impetrante demanda medidas mais ágeis e que tragam resultados mais concretos para a realização da cirurgia que por vez pode salvar-lhe a vida, bem mais precioso resguardado pela Constituição Federal de 1988. Ainda, conforme evidenciado dos relatórios médicos de fls. 27/28, a Impetrante é sim portadora de obesidade mórbida, devidamente comprovada por médico especialista, afastando as alegações do Ministério Público de que a Autora não estaria entre a faixa de obesidade mórbida. Nota-se que a obesidade deve ser compreendida como um conjunto de fatores depreendidos da análise especializada como demonstrado nos relatórios médicos acostados. Por fim, no petitório de fls. 195/197, o Estado da Bahia informa que a junta médica ainda encontra-se em análise do pedido de realização da cirurgia bariátrica. Ora, diante da urgência da situação, não pode a Impetrante ficar a mercê da morosidade tão conhecida da Administração. Ex positis, por verificar, neste caso em específico, a ilegalidade do ato administrativo praticado pelo impetrado, violando direito liquido e certo da impetrante, CONCEDO A SEGURANÇA, ratificando a liminar concedida, bem como determinando a imediata autorização para o procedimento de dermolipequitomia com hernerafia incisional e plicatura de retos abdominais no Hospital Português, conforme requerido. Sem custas e honorários, consoante sedimentado entendimento sumulado dos Tribunais Superiores, agora positivado no art. 25 da Lei Federal nº. 12.016/09. Após o transcurso do prazo de recurso voluntário, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça da Bahia, para apreciação do caso a título de Remessa Necessária. P.R.I. Salvador, 26 de Abril de 2011. Ricardo D’Ávila. Juiz Titular."