Juiza Marielza Brandão Franco, da 29ª Vara Cível de Salvador condenou Bradesco Saude

Publicado por: redação
17/05/2011 05:30 AM
Exibições: 154

Inteiro teor da decisão:

 

 

0085837-45.1999.805.0001 - INDENIZATORIA (REPARACAO DE DANOS)

Autor(s): Lailton Santos Costa

Advogado(s): Elmar Pinheiro Oliveira, Gelcio Cardoso da Silva, Leonardo Rodrigues Matos, Marcilio Santos Lopes

Agravado(s): Bradesco Saude
Reu(s): Saude Bradesco

Advogado(s): Ecles Teixeira de Andrade, Maria Antonieta Santos Lopes

Sentença: Vistos etc.,

LAILTON SANTOS COSTA, devidamente qualificado nos autos, por advogado legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO de INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS CONTRA BRADESCO SAÚDE, também já qualificada, aduzindo em síntese que celebrou contrato de seguro de saúde com a Ré em 13/01/1999 e, ao sentir um desconforto na região das cordas vocais, sendo as mesmas sua ferramenta de trabalho, já que é cantor, procurou um especialista que detectou cisto intra cordal (monocordite) sendo necessária intervenção cirúrgica para tratar a citada enfermidade, submetendo-se o acionante a realização de todos os exames pré-operatórios. Contudo, a menos de 24 (vinte e quatro) horas da realização da cirurgia, foi surpreendido pela ré ao ter seu pedido negado sob o argumento de que não há cobertura contratual para o procedimento solicitado. Aduz que realizou a operação, suportando o ônus do valor da mesma pelo preço que a ré pagaria, para não ter seu estado de saúde agravado. Pede o ressarcimento da quantia corrigida de R$ 1.350,00 (mil, trezentos e cinquenta reais) decorrente de despesas médicas hospitalares, gastos com tratamentos fisioterápicos, realizados em 10 (dez) sessões no valor de R$ 60,00 (sessenta reais) cada, despesas com sessões de fonoaudiologia, bem como indenização por dano moral, na quantia de 1000 (mil) salários mínimos. Juntou os documentos de fls. 14 a 23.
Deferido o pedido dos benefícios da assistência judiciária gratuita às fls. 25.
Citada, a ré apresentou contestação às fls. 30 a 55 e sustenta que a negativa ocorreu somente por falta de cobertura do contrato para o procedimento solicitado, alegando que a doença da autora seria preexistente à celebração do contrato, e que este foi assinado pela Demandante, que declarou ciência de todas as cláusulas. Pede a improcedência do pedido, juntando os documentos de fls. 56 a 83.
O autor em réplica às fls. 90 a 93, rebate as argumentações trazidas na contestação e reitera os pedidos formulados na exordial.
Em audiência às fls. 99, realizada no dia 07 de Dezembro de 2000, presente as partes, foi proposta a conciliação, porém não houve acordo. Pela MM. Juíza foi determinado a conclusão dos autos para despacho saneador. A advogada da suplicada reiterou todos os requerimentos referentes as provas contidas na contestação.
Em despacho saneador às fls. 107, foi verificado que o processo está em ordem, as partes são legítimas e estão devidamente representadas, não havendo irregularidade a ser sanada. Foi deferida a produção da prova pericial requerida pela ré.
Em petição de fls. 111/112 o autor indicou assistente técnico e ofereceu quesitos para o perito designado para produzir a perícia.
Em petição de fls. 113 a 114 a ré apresentou quesitos para o perito designado para realizar a perícia.
Outra audiência às fls. 129, realizada no dia 16 de outubro de 2002, presente as partes, tendo MM. Juiz oportunizado ao réu o prazo de 48 (quarenta e oito) horas para proceder ao depósito dos honorários do perito., sendo redesignada a audiência de instrução e julgamento.
Audiência de instrução e julgamento às fls. 133, realizada no dia 17 de fevereiro de 2003, presente as partes, aberta a audiência, esta deixou de se realizar em razão do cartório não haver juntado aos autos comprovante de depósito dos honorários do perito judicial, inviabilizando a realização da perícia médica requerida pela ré. Foi redesignada a audiência.
Audiência às fls. 168, realizada no dia 14 de setembro de 2009, presente as partes, foi proposta a conciliação, porém não foi possível qualquer acordo e, tendo em vista que o perito judicial designado requereu exclusão da perícia, foi acolhido seu pedido, substituindo-o por novo profissional.
Laudo pericial às fls. 176 a 184, onde consta a avaliação da patologia do autor e seu tratamento, bem como as respostas das questões formuladas pelo demandante e demandado.
No que tange o laudo pericial, o autor manifestou-se às fls. 188, aduzindo restar claro que sua lesão não foi preexistente, consoante afirmou o perito não ser possível afirmar positiva ou negativamente acerca da preexistência da lesão. Pugnou pela total procedência da ação, bem como pela condenação da requerida nos danos morais e materiais.

Relatado, decido.

A Demandante pretende ver reconhecido o seu direito de cobertura do procedimento que realizou (microcirurgia da laringe), pois o seu Plano de Saúde recusou-se a cobrir tal procedimento sob o argumento de que não existia cobertura contratual para o procedimento.
O CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como aquelas que regulem a autorização para procedimentos cirúrgicos.
Nota-se, que a empresa fornecedora, pretende, pelos argumentos insertos em sua contestação, justificar a injusta negativa da cirurgia a qual se submeteu o autor por falta de cobertura, uma vez que o contrato exclui expressamente a realização de cirurgia ou qualquer outro procedimento com vista a tratar doença preexistente à contratação do plano de saúde.
Contudo, a justificativa apresentada é pálida e desprovida de fundamento, porque a cláusula limitativa aludida pelo fornecedor para justificar a negativa de autorização para o procedimento é abusiva, o que por si só já demonstra a falta de clareza no contrato e restrinja tratamento necessário, frustrando a legítima expectativa do consumidor, pois existe justificativa clínica que demonstra que a doença principal do autor era um cisto intracordal e nódulo fibroso, conforme relatório médico de fls. 145, causadores dos demais malefícios que sofreu o demandante e indicando como o dia 06/04/1999 como data em que o autor procurou ajuda médico com queixa de rouquidão e após exames se constatou a existência de pequeno abaulamento, sugestivo do cisto intracordal.
Ainda assim, vale observar que é dever do fornecedor, nos termos do artigo 6º, III, da lei consumerista, transmitir as informações necessárias ao consumidor de forma clara e precisa, com base nos princípios da boa fé e da transparência e seus deveres anexos de informação, cooperação e cuidado.
Analisando a recusa da seguradora quanto à alegada pertinência do procedimento cirúrgico e não havendo qualquer indício de má-fé do autor/segurado, são nulas de pleno direito qualquer cláusula que contrarie os princípios supra mencionadas, principalmente o principio da lealdade nas relações contratuais que deve nortear qualquer contrato.
É sabido que o consumidor deve informar a existência de doença ou lesão preexistente na entrevista qualificada ou durante o preenchimento da declaração de saúde, quando da contratação do plano, e que o contrato pode inclusive ser suspenso ou rescindido se o consumidor omitir a preexistência de doença ou lesão.
Vale esclarecer que doença preexistente é aquela patologia que o consumidor ou seu responsável saiba ser portador ou sofredor à época de ingresso no plano, o que não ocorreu no caso, pois a doença que ensejou a presente demanda foi diagnosticada em período posterior ao pacto realizado pelas partes, conforme consta em relatório médico de fls. 145 e laudo pericial às fls. 184. Cabia a parte ré comprovar através de exame anterior a contratação que a autora já estava com a doença e tinha conhecimento dela.
Deve-se frisar, ainda, que quem tem a obrigação de aferir as reais necessidades do estado do consumidor e dos recursos necessários para preservação de sua saúde é o médico responsável pelo seu tratamento, que inclusive responde civilmente pelos danos causados ao seu paciente em caso de erro ou negligência médica e a seguradora não poderia ter negado a cobertura de procedimento urgente e necessário, como foi a do autor, em uma cirurgia desta natureza, uma vez que o consumidor é a parte hipossuficiente na relação de consumo.
A jurisprudência vem a favor do autor:
“SEGURO SAÚDE - DOENÇA PREEXISTENTE - A seguradora que recebe os prêmios, independentemente de examinar a saúde do seu associado, não pode depois escusar-se ao pagamento da cobertura alegando que a causa da internação decorreu de doença preexistente. No caso, inocorre sequer essa relação de causalidade. (Ac. da 5ª Câm. Civ. do TJRS - Ap. Civ. 589.041.169 - Rel. Des. Ruy Rosado Aguiar Júnior - j. 22.08.1989 - v.u. - In: Revista de Direito do Consumidor, v. 20, p. 169)”

Relator:ANTÔNIO SÉRVULO. Ap. Civ. TJMG.
Data do Julgamento: 02/09/2003
Data da Publicação: 04/10/2003
Ementa: CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE. CLÁUSULA DE NÃO-COBERTURA DE TRATAMENTO DE DOENÇAS DITAS CONGÊNITAS E PREEXISTENTES. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO DE VALIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E NAS LEIS DE MERCADO. PECULIARIDADES FÁTICAS E JURÍDICAS DO CASO. - A saúde, como bem intrinsecamente relevante à vida e à dignidade humana, foi elevada, pela atual Constituição Federal, à condição de direito fundamental do homem. Assim, ela não pode ser caracterizada como simples mercadoria e nem pode ser confundida com outras atividades econômicas. - O particular, que presta uma atividade econômica correlacionada com serviços médicos e de saúde, possui os mesmos deveres do Estado, ou seja, os de prestar assistência médica integral para os consumidores dos seus serviços. Esse entendimento não se sustenta somente no texto constitucional ou no Código de Defesa do Consumidor, mas, também e, principalmente, na lei de mercado, de que quanto maior é o lucro, maior também é o risco. - Em razão das peculiaridades fáticas e jurídicas do caso, deve o plano de saúde ressarcir o consumidor das despesas médico-hospitalares decorrentes da internação e cirurgia realizadas. O contrato adesivo, que coloca no mercado planos de saúde, avença regulada por um contrato de prestação de serviços médicos, na sua execução, está sujeito à aplicação do estatuto consumerista, uma vez evidenciada a condição de fornecedora de serviços da cooperativa contratada, tendo figurado como destinatária a consumidora final. - Preliminar rejeitada e apelação não provida.”

Em que pese seja a requerida uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que os contratos de planos de saúde é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está à integridade física e a vida do consumidor.
Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, prática que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual e põe em risco a vida e a saúde dos seus segurados, desnaturando o contrato de seguro saúde.
Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
Da mesma forma, constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança, visto que não se pode aceitar que práticas abusivas identificadas e condenadas na legislação consumerista continuem a ser exercitadas sem qualquer tipo de censura.
No tocante as despesas com tratamento fisioterápico, faz jus o autor, tendo em vista sua previsão de cobertura no contrato às fls. 66 dos autos, e comprovação do aludido tratamento às fls. 18. Também em relação as sessões de fonoaudiologia, embora não conste previsão expressa no contrato de seguro da sua cobertura, não há exclusão deste tipo de tratamento, cabendo o reembolso ao autor.
Em relação aos alegados danos morais, entendo que tem razão a parte autora, porque efetivamente causa transtornos e humilhações uma pessoa contratar um seguro e depois não receber a cobertura quando necessitou de tratamento médico, que se pago garantiria a cobertura do procedimento, cuja negativa se consubstancia em mera alegação sem qualquer prova para sustentá-las.
A negativa da cobertura do seguro, sob o argumento débil da demandada, sustentada na contestação, produz seguramente danos morais pelo desassossego e pelo risco de agravamento da doença, repercutindo em constrangimentos e humilhações a parte autora.
A lesão moral está configurada pela conduta da empresa seguradora ao justificar a negativa do seguro sem respaldo legal ou fático.
Tanto o artigo art. 5º, X da Constituição da República quanto o art. 6, VI da Lei 8.078/90, reconhecem com direito a indenização pelos danos morais.
O artigo 159 do Código Civil prescreve que aquele que por ação ou omissão voluntária violar direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano e a Constituição Federal no seu artigo 5º- incisos - V e X, também amparam a pretensão do requerente.

Embora certo que a indenização por danos morais não pode representar fator de enriquecimento sem causa e sim um desestimulador contra a prática de condutas ilegais e abusivas por parte das empresas fornecedoras de serviços. No caso em tela, a autora teve que arcar com o pagamento da cirurgia e tratamento, de maneira inesperada, sendo surpreendido, o que demonstra que merece guarida o autor da indenização pelos danos morais.
Da mesma forma, constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança, causando a autora o conseqüente constrangimento de ter o ônus de arcar com as despesas médicas, sem ser ressarcido.

Não se pode aceitar que práticas abusivas identificadas e condenadas na legislação consumerista continuem a ser exercitadas sem qualquer tipo de censura, o que vem ensejando os Tribunais a coibir tais atitudes com o reconhecimento do direito de indenização pelos danos morais suportados pelos usuários quanto aos serviços defeituosos fornecidos.

Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo PROCEDENTE a ação para reconhecer a injustiça da negativa de autorização da cirurgia da autora, determinando que a empresa ré arque com o valor do procedimento realizado, declarando abusiva qualquer cláusula que veda a utilização do procedimento cirúrgico utilizado, arque, ainda, com as despesas do tratamento fisioterápico, bem como condeno o réu pelos danos morais sofridos pela autora, no valor de 10 (dez) salários mínimos, acrescidos de correção monetária e de juros legais desde a ocorrência do fato até a data do efetivo pagamento.

Condeno, ainda, a ré nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 20% (vinte por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.

P.R.I.

Salvador, 02 de Maio de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza Titular da 29ª Vara de Relação de Consumo

 

Fonte: DJE BA

Vídeos da notícia

Imagens da notícia

Categorias:
Tags: