Desª. Maria do Socorro Barreto Santiago, do TJBA, anula decisão da 1ª Vara Civel de Salvador e condena CAMED

Publicado por: redação
06/06/2011 04:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

SEGUNDA CÂMARA CÍVEL – TJBA

AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 0006415-04.2011.805.0000-0 DE SALVADOR

AGRAVANTE: GLICÉLIA RAMOS DE AQUINO

ADVOGADA: INGRED PEREIRA DE SOUZA

AGRAVADA: CAMED - SAÚDE

RELATORA: DESA. MARIA DO SOCORRO BARRETO SANTIAGO

D E C I S Ã O

Trata-se de Agravo deInstrumento com pleito de antecipação dos efeitos da tutela final, interposto por Glicélia Ramos de Aquino, em face da decisão proferida pela MM Juíza da 1ª Vara de Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais de Salvador, que, nos autos da Ação de Ordinária de Obrigação de Fazer cumulada com pedido de Tutela Antecipada, registrada sob o n° 0041104-71.2011.805.0001, reservou-se para apreciar a pretensão antecipatória após a citação, conforme se pode verificar à fl. 34.

Inconformada, interpôs a autora o presente agravo de instrumento, alegando que ingressou com uma ação ordinária de obrigação de fazer, objetivando ordem judicial de internação em uma clínica especializada em tratamento de obesidade grau III, tendo a magistrada, equivocadamente, reservado-se para apreciar a liminar após a citação, sem atentar para a urgência da medida pleiteada, pois, conforme os documentos acostados aos autos, a demandada, ora agravante, é portadora de obesidade mórbida grau III, com comorbidades graves, tais como: hipertensão arterial (em uso de Micardis HCT 80/12,5), dislepdemia (em uso de Crestor 10 mg), diabetes mellitus, (em uso de Amaryl 4 mg e Janumet 50/850), Esteatoso Hepática, Roncopatia, Depressão (em uso Fluxene 20 mg), patologias ortopédicas: Hernia de disco lombar, coluna e osteoartrose de joelho. Sustentou, ainda, que o seu quadro clínico requer cuidados especiais por se tratar de uma pessoa idosa, sendo que o não atendimento, de logo, da prescrição médica de internação em clínica especializada em tratamento de obesidade, poderá colocá-la em situação de risco de morte, conforme relatório médico acostado às fl. 37/38.

Após colacionar precedentes desta Corte e de outros Tribunais e de reiterar a urgência da medida antecipatória, a qual encontra esteio em valores de extração constitucional e na legislação infraconstitucional relacionada ao tratamento de obesidade mórbida em regime de internação, pugna pela concessão da antecipação dos efeitos da tutela final, no sentido de que seja determinada a sua internação na Clínica de Obesidade LTDA, situada na Estrada do Coco, Km 08, Lote 2201, Catu de Abrantes, Camaçari, pelo período de 150 (cento e cinqüenta) dias. Pugnou, ainda, pelo deferimento, após o período de 150 dias, de 02 (dois) dias de internação por mês, a fim de evitar o reaparecimento da patologia

É o relatório.

Defiro a gratuidade pleiteada.

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do presente agravo de instrumento e conforme a sistemática do art. 527 do CPC, passo ao exame do mérito recursal, porque presente uma das hipóteses previstas no art. 557 do mesmo diploma legal.

Conforme noticiou o agravante em suas razões recursais, esta relatora, em tema idêntico ao que se discute nestes autos, alçado nos autos do agravo de instrumento nº 0016287-77.2010.805.0000-0, vislumbrou a possibilidade de internação para tratamento de obesidade mórbida, ainda que o plano de saúde não preveja tal benefício, com o seguinte fundamento.

“O tema discutido nestes autos, ao contrário do que aparentemente pode parecer, não é de fácil solução. Não pela aplicação das normas que concretizam o direito fundamental à saúde, frente às limitações de ordem legais e/ou regulamentares relativas a prestações estatais, destinadas a socorrer do infortúnio das patologias, aqueles que carecem de condições materiais mínimas à manutenção de sua própria existência. Nessa temática, o dever prestacional do Estado se evidencia, com nitidez, pela simples leitura do art. 196 do CF/88. O Pretório Excelso, em tema relacionado ao fornecimento de medicamento, de grande comunhão com o que se discute nestes autos, deixa a marca do irrecusável compromisso estatal, em qualquer esfera da federação, para com o direito à saúde, não podendo o poder público demitir-se desse encargo constitucional, sob pena de incidir em “gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (STF - AgReg em RE nº 393175, 2ª T, Rel. Min. Celso de Mello, Julgado em 12/12/2006 e Pedido de Suspensão nº 4229, Ministro César Peluso).

O tema deduzido nos autos, no entanto, é diverso. Relaciona-se com a intervenção judicial em relação de consumo, envolvendo pessoa física e entidade privada que oferece plano de saúde, cujo objeto litigioso é a pretensão de acesso do beneficiário do plano a determinado tratamento médico não coberto pelo correspondente Regulamento, ou mesmo a tratamento diverso daquele que o plano alberga. Não se desconhece a aplicação dos direitos fundamentais entre atores privados, conforme deixou assente o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 201819/RJ. Contudo, os direitos prestacionais, como o é o direito à saúde, sempre teve e continua tendo, primordialmente, o Estado como destinatário passivo da obrigação, porque implica no desfrute de serviços e bens que demandam aportes financeiros sem que, necessariamente, tenha o beneficiário a obrigação de contribuir com o sistema. Impensável essa situação nas relações travadas entre a saúde privada e os seus beneficiários, que estabelecem vínculos sinalagmáticos e comutativos e não puramente prestacionais. A par disso, que já é relevante, acresça a presença da autonomia da vontade que, no âmbito da aplicação dos direitos fundamentais entre particulares, exerce significativa influência no sopesamente dos valores em jogo.

De tudo o quanto acima dito em apertadíssima síntese, é de se observar que a aplicação dos direitos fundamentais prestacionais nas relações privadas encontra outros condicionamentos capazes de limitá-los em maior medida do que se tivessem de ser aplicados numa relação envolvendo o Estado, até porque a ordem econômica brasileira, assentada no primado do capital e da livre iniciativa privada, não suportaria substituir-se ao Estado em suas obrigações sociais, sem uma contrapartida financeira, pois não vive ela de tributos e sim de negócios lucrativamente legítimos.

Assim, a priori e abstratamente não se pode ter como prevalente a pretensão de o beneficiário do plano de saúde privada ter acesso a determinados tratamentos, quando a eles se opõem uma ordem normativa legítima, que, conjugada com os elementos fáticos do caso concreto, mostra-se capaz de obstar a concretização do pretenso direito, SEM, CONTUDO, ANIQUILAR O SEU NÚCLEO ESSENCIAL, que, na hipótese, é a garantia de proteção à saúde. Limitar é possível; o que não se admite em tema relacionado à saúde é o total afastamento de sua garantia.

A hipótese dos autos revela esse contraste: de um lado o direito fundamental à saúde e a proteção que a Constituição Federal vigente outorgou aos consumidores em suas relações jurídicas; do outro a ordem econômica, fundada na propriedade privada, no caráter normativo e regulador da intervenção estatal, no primado do capital e do lucro legítimo, assim como na livre iniciativa, esta, por sua vez, consagrada como princípio fundante da República Brasileira, nos termos dos arts. 170, 174 e 1º, IV da CF/88”.

In casu, os fatos aduzidos demonstram que a agravante é uma senhora de 79 (setenta e nove) anos, portadora de obesidade mórbida e que apresenta comorbidades, constituindo, segundo o relatório médico da Drª Isadora Vergne Alonso, CRM 11822-BA, “um conjunto de fatores de riscos cardiovascular, relacionados especialmente à deposição de gordura visceral denominado de síndrome metabólica”, fl. 37.

Não é possível, ainda, verificar se a agravada dispõe, em seu quadro de benefícios, do serviço de internamento para tratar obesos mórbidos, pois não houve tempo hábil para que ela apresentasse a sua defesa, juntamente com os documentos pertinentes. Contudo, diante dos valores que estão em disputa, a ausência de defesa da agravada não impede seja apreciada a pretensão, nos termos alçados nas razões recursais.

A médica endocrinologista, responsável, FRISE-SE, RESPONSÁVEL pelas informações e conclusões contidas no relatório médico acima mencionado, após constatar a existência de parâmetros clínicos que põe a vida da agravante em perigo, ressaltando a inocuidade de tratamentos anteriores, receitou o internamento “como única alternativa já que foram feitas outras tentativas sem êxito”, deixando ainda consignado que “devido as condições psicológicas e orgânicas (fator idade + cardiopatia) existentes, a paciente encontra-se impossibilitada de cirurgia bariátrica corretiva”, fls. 37/38.

Relevante, também, o Laudo Psicológico colacionado às fls. 46/47, onde ficou constatado que, após aplicação de exames específicos, foi percebido que a agravada tem “problemas nos âmbitos ocupacional e psicossocial relacionados ao quadro em questão. Notou-se sinais de sintomas depressivos, como reclusão, tristeza, desinteresse e emotividade alta, bem como alguns sintomas de transtorno da compulsão alimentar periódica”.

Quem conhece o paciente e sabe do que ele precisa é o seu médico. Eventuais ‘diagnóstico’ em abstrato não tem aptidão para direcionar um tratamento. Diagnóstico pressupõe conhecimento do paciente e dos seus males. Textos científicos ajudam em um bom diagnóstico, mas nada diagnosticam. Assim, o relatório elaborado pela médica da agravante, fls. 37/38, reconhece a internação como um tratamento imprescindível, o que deve ser levado em consideração para efeito de avaliação do direito pleiteado, até porque inexistem nos autos elementos que indique, com a segurança necessária, que a agravante pode ser tratada em regime ambulatorial.

Sendo a internação a única alternativa de tratamento para se evitar o perecimento da vida da agravante, certo é que não poderá a agravada furtar-se da cobertura do mencionado tratamento, superpondo à vida da agravante óbices de ordem patrimonial ou de conformação infraconstitucional, SALVO SE DEMONSTRAR QUE OFERECE TRATAMENTO DE INTERNAÇÃO EM ESTABELECIMENTO CREDENCIADO. A preservação da vida, em tempos de paz, é a maior das garantias em um Estado Constitucional Democrático; é um valor que antecede aos demais, sem o qual nenhum outro teria sentido.

A fim de preservar, o tanto quanto possível, a autonomia da vontade dos contratantes, evitando o esvaziamento total do seu núcleo essencial, que é o respeito às eventuais limitações legítimas que fizeram as partes no ato de contratar, deve a agravante, mensalmente, apresentar relatório médico circunstanciado do seu quadro e evolução clínicos, conjugados com a declaração de permanência ou não do risco de morte, ambos elaborados pela Clínica de Obesidade ltda, sob pena de se firmar a convicção da desnecessidade da permanência do internamento, fazendo por sucumbir, consequentemente, a eficácia do provimento objurgado.

Não tem juridicidade o pleito de internamento por 02 (dois) dias ao mês após o encerramento do período ininterrupto, haja vista não ser razoável supor o necessário retorno da patologia após tão elaborado tratamento. Se a doença persistir, ou mesmo retornar, tudo estará a indicar a intervenção cirúrgica, óbvio, com todos os cuidados que a medicina predispõe.

Desse modo, com fulcro no art. 557, § 1º, c/c o art. 527, III do CPC, DOU PROVIMENTO AO PRESENTE AGRAVO, para conceder a antecipação pleiteada e autorizar o internamento da agravante na clinica de Obesidade ltda, em Catu de Abrantes, Camaçari, À EXPENSAS DA AGRAVADA, ficando a eficácia deste provimento condicionada a apresentação mensal, por parte da agravante, de relatório médico circunstanciado do seu quadro e evolução clínicos, conjugados com a declaração de permanência ou não do risco de morte, ambos elaborados pela mencionada clínica, consoante fundamentação supra.

Publique-se.

Salvador, 02 de junho de 2011.

DESA. MARIA DO SOCORRO BARRETO SANTIAGO

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