Postagem de vídeo do Youtube na internet: como a Lei brasileira trata da matéria

Publicado por: redação
15/03/2012 09:53 AM
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O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição  ( ECAD) tem por atribuição a arrecadação de valores destinados ao pagamento dos direitos autorais relativos à  execução públicas das obras lítero-musicais de fonogramas transmitidas, inclusive, por radiodifusão ou transmissão de qualquer outra modalidade. Autorizado, está , ainda, a arrecadar recursos pela exibição de obras audiovisuais, conforme autorização disposto na lei que regulamenta os direitos autorais.

Uma notícia veiculada pelo jornal O Globo sobre a cobrança de direitos autorais ao blog Caligrafitti pelo ECAD deu margem a acirradas discussões na internet e nos mais diversos veículos de comunicação sobre as atribuições do ECAD e limites de sua atuação. O blog Caligraffiti, que não tem fins lucrativos, recebeu a cobrança de R$352,29 mensais pela exibição de vídeos  no Youtube em suas postagens.

O ECAD fundamenta a sua cobrança na legislação nacional pertinente aos direitos do autor, entendendo que o blog, na condição de retransmissor dos vídeos, deveria pagar pela respectivo compartilhamento, não obstante os valores recolhidos  pelo Youtube.

No entendimento do escritório arrecadador, o blog autuado se enquadraria na definição de retransmissor, devendo arcar com os custos dos direitos autorais, sem que tal procedimento configure cobrança em duplicidade.

O fundamento legal para a cobrança ao blog seria o artigo 5º, inciso II da Lei 9610/98 , o qual define a transmissão como sendo “a difusão de sons ou de sons e imagens, por meio de ondas radioelétricas; sinais de satélite; fio, cabo ou outro condutor; meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético”.

A arrecadação junto ao ao blog  vem sendo questionada porque em 2010 o ECAD e o Google ( proprietário do Youtube) assinaram uma carta de intenções para a previsão de pagamento dos direitos autorais de execução pública relativos às músicas veiculadas pelo portal de compartilhamento de vídeos Youtube no Brasil. Em face do acordo celebrado entre o Google e o Youtube, a arrecadação junto ao blogueiro que exibisse os vídeo em seu post poderia caracterizar duplicidade de pagamento, sendo controvertida a existência de fundamentação jurídica pela cobrança em discussão no Brasil.

O Procurador da República e mestre em direito pela UFMG, Edilson Vitorelli, manifestou-se contra a cobrança em sua página de internet , embora reconheça que a tese defendida pelo ECAD seja aparentemente convincente. O procurador argumenta que os blogs postam apenas o link do vídeo veiculado pelo Youtube,  não o vídeo propriamente dito. Não haveria apropriação do conteúdo por não se constatar download do vídeo para postagem ulterior (upload) nos blogs. Entende o procurador que o Youtube, por uma questão de conforto, criou uma ferramenta que admite a exibição direta em sua página sem a necessidade de um pop ut, ou do usuário abrir uma nova janela.

Na mesma linha de raciocínio, Ronaldo Lemos, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas discorda do escritório arrecadador, manifestando-se através de sua página no Facebook : “ A cobrança feita pelo Ecad dos blogs que incorporam vídeos  youtube é ilegal. “Quem faz o streaming é o Youtube e não o Blog que incorporou o vídeo. Isso não bastasse a lei brasileira NÃO autoriza o Ecad a fazer cobrança por webcasting. A questão está no judiciário ´há anos  e o Ecad sabe disso. Haja má fé”

O jurista Denis Barbosa, ao tratar sobre direito autoral e liberdade de Expressão, esclarece que a transmissão de fonogramas por meio da Internet, sem necessidade de fixação da obra no computador do usuário tem recebido o nome técnico de streaming.  Quanto aos sistemas de transmissão pela Internet através de streaming são denominados webcasting. O direito norte americano, esclarece Denis Barbosa, não autoriza a exploração de streaming na internet sem o devido pagamento dos direitos autorais. Segundo Denis Barbosa, a legislação brasileira confundiu os dois procedimentos, mas entende que a disponibilização de obra protegida através da internet é uma forma de comunicação ao público, assim como a audição da obra implica sua execução pública. Considera indiferente a fixação da obra utilizada na memória do computador do usuário para o pagamento dos direitos dos autores. A mera execução não autorizada traria o mesmo efeito, entende o Professor Denis Barbosa.

A legislação brasileira não trata com clareza sobre os direitos autorais através da internet, sequer fazendo referência a expressão “ internet” ao dispor sobre os direitos decorrentes da difusão de transmissão de sons e imagens. De igual sorte, a Lei de Software , não dispensa o adequado tratamento aos incidentes relacionados à internet, dando causa a  lacunas e obscuridades a serem sanadas quando da apreciação do caso concreto pelo Judiciário

O legislador brasileiro silencia, inclusive, sobre  webcasting e sreamming, como se tais operações, de fundamental importância na tratativa de questões relativas à internet, não merecessem previsão expressa e detalhada, dada a sua relevância no compartilhamento de informações pela rede mundial de computadores. O tratamento superficial que a lei  que regulamenta os direitos autorais confere à internet demonstra a sua incompatibilidade com o atual cenário de inovação tecnológica e cria una zona cinzenta quanto a legalidade dos atos praticados na websfera.

Ao dispor sobre direito tecnologia e cultura, Ronaldo Lemos faz referência ausência de regulamentação da internet, ressaltando que tal lacuna é resultante de um entendimento inicialmente adotado pela doutrina, no sentido de que a internet não precisaria ser regulada , pois o conjunto normativo existente seria suficiente para solucionar todos os problemas jurídicos porventura existentes.

Segundo Ronaldo  Lemos, diante da incerteza jurídica quanto aos parâmetros do que se pode ou não fazer no âmbito da rede, projetos inovadores ficam sempre prejudicados pela incerteza do que é ou não legal. Da mesma forma, incentivos para autores e criadores de obras intelectuais também acabam sendo vitimados por essa incerteza.

Diante das contradições resultantes da falta de regramento mais específico sobre o direito autoral na internet, caberá ao Judiciário recorrer às demais fontes do direito, a fim de solucionar os conflitos resultantes da incerteza jurídica, sempre levando em consideração a razoabilidade e as peculiaridades do caso concreto. Se por um lado o autor não deve ser preterido do direito de ser pago pelas suas obras, não se pode deixar de levar em consideração que o compartilhamento de informações é típico do mundo virtual, não sendo razoável a cobrança aos blogs simplesmente por possibilitarem o acesso ao Youtube, o qual já remunera os autores pela execução de suas obras.

Anna Virgínia de Oliveira Freitas. Advogada. Condutora e Membro da área de Propriedade Intelectual do MBAF Consultores e Advogados. p.intelectual@mbaf.com.br

Referências Bibliográficas:

VITORELLI,Edilson.http://www.edilsonvitorelli.com.br/2012/03/por-que-o-ecad-esta-errado-uma.html, acesso em 08/03/2012.

http://www.ecad.org.br/documentos/comunicados/Comunicado%20aos%20titulares%20YouTube.pdf ,acesso em 08/03/2012.

BARBOSA, Denis Broges. Direito Autoral e Liberdade de Expressão Estudos de Direito http://denisbarbosa.addr.com/geiger.pdf, acesso em 08/03/2012.

            Lemos, Ronaldo. Direito Tecnologia e Cultura,http://www.overmundo.com.br/banco/livro-direito-tecnologia-e-cultura-ronaldo-lemos,  acesso em 12/03/2012.

           Jornal O Globo http://oglobo.globo.com/cultura/ecad-cobra-taxa-mensal-de-blogs-que-utilizam-videos-do-youtube-4233380, acesso em 12/03/2012.

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