SUL AMÉRICA CONDENADA - Juíza Marielza Brandão Franco, da 29ª. Vara Cível de Salvador, condena Sul América Saúde por danos morais

Publicado por: redação
25/03/2011 04:30 AM
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Juíza Marielza Bradão Franco, da 29ª. Vara Cível de Salvador, condena Sul América Saúde por danos morais


Inteiro teor da decisão:

0146541-09.2008.805.0001 - ORDINARIA

Autor(s): Rubens Araujo

Advogado(s): Grasiene T. de Oliveira

Reu(s): Sul America Seguros

Advogado(s): Erika Valverde Pontes Kerckhof

Sentença: Vistos, etc.,

RUBENS ARAÚJO, já qualificado nos autos, através de advogados legalmente constituídos propôs AÇÃO ORDINÁRIA com pedido de TUTELA ANTECIPADA contra SUL AMÉRICA SEGUROS S/A, também já qualificada nos termos da inicial, alegando que injustamente teve seu plano de saúde cancelado pela demandada por ter deixado de pagar a parcela do mês de abril/2008, em virtude da falta de envio do boleto pela parte Ré. Afirma que apenas notou o ocorrido quando, em julho do mesmo ano, necessitou dos serviços oferecidos pelo plano de saúde e que entrou em contato com a Ré para pagar o referido boleto, mas obteve resposta negativa por parte da mesma.
Assevera pretensão de manutenção do contrato havido com a suplicada e argüi a violação das normas consumeristas, requerendo o restabelecimento do contrato para assistência médica que necessita e que pagou por muitos anos e requerendo tutela antecipada a continuidade da prestação do serviço bem como indenização pelos danos sofridos. Juntados documentos de fls. 12/20 .
Liminar deferida às fls. 26/28.
A ré ofereceu resposta às fls. 56/68, aduzindo que a acionante assinou um contrato de assistência à saúde cujas cláusulas e condições tomou conhecimento, anuiu com todas elas, que estão em consonância com a legislação pátria, sendo, pois, absolutamente legais e sem vícios. Ao final, requereu que fosse o pedido formulado pela parte autora julgado improcedente e que a mesma fosse condenada ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios a serem arbitrados pelo MM. Juízo. Juntou os documentos de fls. 69/92.
Réplica às fls.95/98.
Anuncio o julgamento antecipado da lide, uma vez que a matéria ventilada é eminentemente de direito. Tal entendimento não pode ser caracterizado como cerceamento de defesa, até mesmo por conta de que a prova objetiva munir o julgador de elementos necessários à formação de seu convencimento. Assim, dispensando o Magistrado a produção de novas provas, sinaliza o mesmo que as provas já constantes dos autos são suficientes ao seu convencimento.

É o Relatório.
Posto isso. Decido.

A Demandante pretende ver reconhecido o seu direito de manutenção do seguro saúde, pois o Plano de Saúde Demandado rescindiu o contrato unilateralmente, sob o argumento de que tinha respaldo contratual para tal.
Vale esclarecer, inicialmente, que a presente demanda deve ser analisada sobre a égide do CDC, instituído pela Lei nº 8.078/90, que em seu artigo 2º, estabeleceu como sendo consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, pois, na hipótese em discussão restou caracterizada a relação de consumo, uma vez que os contratos desta natureza se enquadram no conceito previsto na legislação especial e, porque é flagrante a relação de hipossuficiência do consumidor em relação a demandada.
No mérito, o CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se referem aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como as que regulem a rescisão do contrato.
Mesmo porque, os contratos de seguro saúde, caracterizados como cativos de longa duração, tem a sua continuidade como princípio fundamental de sua existência e, portanto, baseado na confiança que deposita no fornecedor e cria no consumidor a justa expectativa de renovação automática da avença, enquanto o beneficiário cumpra as cláusulas e condições pactuadas, devendo assegurar o tratamento de qualquer doença acometida pelo usuário dente aqueles relacionadas nos órgãos nacionais e internacionais - Rol de Procedimentos Médicos elaborado com base no CID-10 (Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde),

Ainda, porque o princípio da boa-fé objetiva deve respaldar as relações de consumo e o CDC manda interpretar às cláusulas limitadores de forma mais favorável ao aderente (art. 47 do CDC), uma vez que sua entrada em vigor trouxe inovação profunda nos contratos, permitindo, como direito básico do consumidor (art. 6º, V do CDC), a modificação das cláusulas contratuais que estabelecem prestações desproporcionais ou a sua revisão em razão de fatos supervenientes, principalmente quando se trata de contratos de adesão, onde se impõe ao aderente as cláusulas restritivas e limitadoras de seus direitos, muitas vezes de forma abusiva.
A jurisprudência vem se posicionando neste sentido conforme entendimento do Desembargador do Rio de Janeiro, Sérgio Cavalieri Filho que transcrevo abaixo:
“Rompendo com a clássica noção de contrato, o Código do Consumidor consagrou a concepção social do contrato, no qual o elemento nuclear não é a mais a autonomia da vontade, mas sim o interesse social. A eficácia jurídica do contrato não depende apenas da manifestação de vontade, mas também, e principalmente, dos seus efeitos sociais e das condições econômicas e sociais das partes que dele participam.” (TJRJ, AC n. 515/98, publicado na Revista de Direito n. 38, págs. 299/301)
E o mesmo jurista sustenta:
“Embora válida a cláusula limitadora de risco, não pode o segurador dar-lhe interpretação abusiva para fugir a sua obrigação.” (Saúde e Responsabilidade, RT, pág. 320)
Além disso, o CDC no seu artigo 39 relaciona e repudia determinadas práticas comerciais consideradas abusivas, precisamente aquelas contidas no inciso V (exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva), o que se enquadra na hipótese ora em discussão.
E, o artigo 51 do CDC estabelece que:
“São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade”

A matéria em discussão é singela, pois se percebe que o cancelamento do contrato foi feito de forma automática, sem que fosse oportunizada o autor a regularização do pagamento do mês que ficou sem a devida quitação, mesmo após a tentativa da parte autora em regularizá-la. Note-se que o animus do autor era de continuar a relação contratual, tanto que continuou a pagar as prestações subseqüentes. A atitude da parte ré, ao descumprir preceito legal, ao não notificar a parte autora antes de cancelar o contrato para oportunizar a regularização da prestação em atraso.
Portanto, caracterizada está a abusividade na prática comercial da ré, não só porque obstou o pagamento da mensalidade vencida no mês de abril de 2008, mas também porque claro está que o demandado restringiu na interpretação o alcance do dispositivo legal que indicou para justificar a rescisão contratual ora em análise.
A violação dos princípios de respeito, lealdade, cuidado e equilíbrio, representativo da boa fé que deve prevalecer como norma nas relações de consumo se constitui em prática comercial abusiva, porque causa prejuízo grave, concreto e objetivo ao consumidor, o que se verifica na hipótese ora em discussão.
Nas relações consumeristas se impõe que os contratantes ajam com lealdade e boa fé colaborando para que o contrato seja preservado, o que não ocorreu, pois, não se tem noticia de que houve a notificação sobre o cancelamento com base na falta de pagamento do mês de abril de 2008 .
O ordenamento jurídico pátrio, no que se refere às relações de consumo, visa amparar o cidadão para evitar injustiças e violação de princípios relevantes, principalmente, quando o contrato se caracteriza como de adesão, porque, nestes é flagrante a vulnerabilidade do consumidor, em vista da discrepância de conhecimentos técnicos e econômicos entre as partes.
Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
No caso em exame, não resta dúvida, que a requerente sofreu constrangimentos, desassossego, transtornos, aborrecimentos e desconforto, ao permanecer por um bom tempo tentando solucionar o problema do pagamento dos valores devidos pelo seu plano de saúde e com o serviço suspenso.
Da mesma forma, constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança, causando a autora o conseqüente constrangimento de não poder efetuar o pagamento dos valores em atraso com os encargos pertinentes e ficar privada de continuar utilizando os serviços contratados com a mesma, o que não ocorreria caso esta fosse mais diligente com os seus clientes.
Não se pode aceitar que práticas abusivas identificadas e condenadas na legislação consumerista continuem a ser exercitadas sem qualquer tipo de censura, o que vem ensejando os Tribunais a coibir tais atitudes com o reconhecimento do direito de indenização pelos danos morais suportados pelos usuários quanto aos serviços defeituosos fornecidos, conforme transcrevo abaixo:
“DANO MORAL. INDEVIDA COBRANÇA DE DÍVIDA JÁ QUITADA. EXISTÊNCIA. VALOR DA CONDENAÇÃO. QUANTUM CORRETO.
Multa para a hipótese de repetição da descabida cobrança. Decisão correta. Sentença mantida. 1) Empresa que faz a cliente seu reiteradas cobranças indevidas, o obrigando a se aborrecer e se envolver com a questão para a resolver, comete dano moral que tem que ser reparado. 2)Fixado valor para ressarcimento do dano moral em patamar que foi atento às circunstâncias do caso, razões não existem para ser ele modificado. 3) Demonstrando a parte condenada que, por mais de uma vez, fez cobrança indevida, legal se mostra a decisão que fixa multa diária para a hipótese de repetição da atitude. 4) Mantendo-se a sentença recorrida, deve a recorrente pagar as custas processuais e honorários advocatícios” (TJDF – ACJ 20010110818736 – DF – 2ª T.R.J.E. – Rel.-Des. Luciano Moreira Vasconcelos – DJU 04.04.2002 – p. 74).

“DANOS MATERIAIS E MORAIS. COBRANÇA INDEVIDA. DEVER DE INDENIZAR. 1. Tendo restado comprovado que a parte ré efetuou cobrança indevida, dando ensejo a prejuízos materiais e morais para o autor, patente é o seu dever de indenizar. 2. Recurso improvido. Sentença mantida” (TJDF – ACJ 103699 – 1ª T.R.J.E. – Rel.-Des. Arnoldo Camanho de Assis – DJU 25.03.2002 – p. 39).

Quanto ao montante a ser fixado a título de danos morais é certo afirmar que o quantum da indenização pelo dano moral é fixado por critérios subjetivos aferidos pelo juiz.
O princípio da razoabilidade apenas recomenda que se observem certos parâmetros com fins de se evitar o enriquecimento ilícito.
Nesse sentido:
“O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que a indenização a esse título deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. Ademais, deve procurar desestimular o ofensor a repetir o ato.” (STJ, Quarta Turma, RESP 24727/SE, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 05/06/2000, p 174).
Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo procedente a ação para reconhecer a prática comercial abusiva que obstou a parte autora de pagar às mensalidades do plano de saúde em atraso e confirmar a tutela antecipada para determinar o pleno restabelecimento do contrato nos moldes contratado mediante o pagamento mensal do prêmio e arbitrar a título de indenização por danos morais, em face da intensidade dos dissabores suportados pela autores a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigidos monetariamente a partir desta data em vista da súmula 362 do STJ e acrescida de juros moratórios de 1% a partir da citação.
Condeno, ainda, os réus ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.

P.R.I.

Salvador, 15 de Fevereiro de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza Titular da 29ª Vara de Relações de Consumo

Fonte: DPJ BA 21/03/2011

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