O Burocrata e o Presidente

Publicado por: redação
01/04/2011 08:00 AM
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Especialista em Políticas Públicas e titular de cargos de várias naturezas no governo Lula lança livro que retrata o surreal, o cômico do cotidiano do governo em Brasília

Em um estilo sucinto e elegante, Afonso Oliveira de Almeida nos deleita e diverte com seu O Burocrata e o Presidente – Crônicas do Governo Lula, composto de 50 narrativas curtas e ágeis (42 com título), que lançam um olhar bem-humorado e sagaz sobre o Brasil, sobre suas instituições e sobre algumas bizarrices no funcionamento do governo federal.

Todo brasileiro se pergunta: o que se passa em Brasília? Pois com a experiência adquirida ao longo de sua atividade no governo Lula, o autor sabe melhor que ninguém a resposta para essa pergunta, visto que conhece as figuras, as histórias, os absurdos e as contradições da capital federal, as quais retrata fielmente nas suas crônicas, com um olhar às vezes afetuoso e às vezes crítico, mas sempre atento para o insólito e o cômico.

Gênero de difícil conceituação, a crônica pode configurar-se como uma mescla de prosa e poesia, ficção e jornalismo, ou como cada um desses subtipos. Pois o autor domina tal gênero com uma maestria que faz lembrar a de outros grandes cronistas, de Ricardo Ramos a Luís Fernando Veríssimo.

Nem os grandes vultos da história são poupados da sua irreverência, pois, segundo o autor, “o enigma finalmente decifrado dos grandes homens é que não são grandes homens”.

Dom Pedro bradou “Independência ou Morte” e até hoje ninguém respondeu.
De Gaulle contou que este não é um país sério, mas a gente levou na brincadeira.
Getúlio Vargas saiu da vida para entrar na história, mas a recepção foi fria.

Na crônica “Bala de Prata”, o autor nos encanta com uma descrição do Brasil que surpreende tanto pela beleza da prosa quanto pela agudeza da análise:

Ao sul da linha do Equador, a oeste da África, curtido pelo sal abundante do Atlântico, a leste da América do Sul espanhola, eis o Brasil, paraíso selvagem infantil, gigante faminto adolescente, eterno passado velho presente, cada vez mais presente, com a cara lambida e a afoiteza dos penetras, aos grandes eventos do mundo.

O livro ainda nos presenteia com passagens de notável sutileza, como Dilma Rousseff pedindo emprestada a faixa presidencial a Lula e prometendo devolvê-la logo, na crônica “Ritmo de Passagem”.

Combate as falsas dicotomias:

Se a molecada se arriscar a dar um chutão nela, vira custeio.

Onera a cerimônia:

Depois, assuntaram que o Lula substituía as gravatas vermelhas por uma preta e branca após as vitórias do Corinthians; e as gravatas alvinegras se acabaram junto com as vitórias do Corinthians.

Envenena o clássico burocrata versus político:

É golpe baixo apelar para estoicismos de última hora e jogar na cara dos políticos que a democracia custa e que queremos discutir a relação apenas para efeito de reembolso.

As crônicas deste livro conseguem extrair da matéria cotidiana os substratos mais elevados, capazes de levar à reflexão sobre temas profundos ou, em sentido diverso, resgatar os elementos singelos contidos nos temas ditos “sublimes”.

Afonso Oliveira de Almeida é um escritor talentoso e refinado, que demonstra uma técnica apurada, um conhecimento formal profundo dos recursos literários, e uma narrativa de leveza frequentemente poética. O burocrata e o presidente reúne a síntese de qualidades necessárias para consolidar um grande nome das letras brasileiras.

Confira a entrevista com o autor:

Entrevista com Afonso Oliveira de Almeida

Em O burocrata e o presidente, o presidente é Lula, mas e o burocrata, o Avelar? Quem é ele? Ele existe também, como o Lula, ou é um personagem fictício, ou ainda um símbolo da burocracia federal?

O presidente é o Lula, mas nem sempre o Lula é o presidente. É um personagem na fronteira de suas situações críveis como autoridade e como símbolo. O que se imagina ser o Lula dentro ou fora do país aparece nas crônicas com o matiz do escritor. Já o Avelar é um personagem completamente ficcional, certo e errado, certo e torto, um macunaíma, um arrivista ou um bom burocrata. Não é Tia Zulmira ou o Analista de Bagé, é diferente em cada situação. O Avelar representa bem o papel de tecnocrata de país subdesenvolvido, construindo modelos para nos subdesenvolvermos cada vez mais, ou não, buscando o melhor. Não é um personagem linear, logo, não é símbolo ou síntese da burocracia federal.

Por que o senhor escolheu o gênero da crônica ficcional para retratar a realidade política de Brasília?

Não há realidade política. A ficção ganha horizontes de realidade aos olhos do leitor. Cada crônica terá sua paisagem, realidade para uns, para outros não. É possível se ler Borges e dizer “É isso!” ou colocar uma placa em Macondo, “Moro aqui!”. O leitor faz o que quer com a obra e explora seu próprio livro. Uns verão denúncia, outros idolatria ou crítica.

Escolhi a crônica porque, creio, domino bem suas técnicas e há uma riqueza material (ou imaterial, desculpe a insistência) nos textos que se oferece de graça para o gênero. Como crônica é tudo aquilo que chamamos de crônica, o leitor verá, foi uma boa escolha.

A sua prosa exibe uma notável elegância estilística; quais são as suas filiações literárias, ou autores que mais influenciaram o seu modo de escrever?

Procurei impor um estilo que pareceu apropriado a cada situação. Uma passagem na Amazônica, achei bacana me aproximar do lirismo do Rubem Braga; há textos limpos como os de Fernando Sabino ou Paulo Mendes Campos; ironias saborosas como as de Luis Fernando Veríssimo. Sempre como exigência dos assuntos. Como eu disse, cada leitor vai encontrar influência de A ou B, Cecília, Drummond, Novaes e outros. Cada texto, eu me perguntava: fulano assinaria isso? Se sim, foi pro livro; se não, pro lixo. Se é um jeito de responder, perguntei mais ao Veríssimo.

Em um esforço mais cuidadoso do leitor, vejam que não é minha obrigação, ele encontrará sintaxe ao longo dos textos das mais variadas escolas literárias. Há coisas próximas ao simbolismo, ao modernismo e a vários ismos, mas olhando para trás, não foram provocadas. No caso da crônica, o importante não é ser justo com as escolas, mas com as palavras. As figuras de linguagem ou pensamento devem ser apropriadas a cada texto. As aliterações, as metáforas, as ironias, as alegorias, são de quem? Do leitor, exclusivamente.

O senhor consideraria as suas histórias neste livro como caricaturas, ou talvez paródias, de acontecimentos reais que o senhor presenciou em Brasília ao longo de suas atividades ligadas ao governo federal?

Voltemos ao cronista: como começa uma crônica? De uma piscadela, um escorregão em casca de banana, um episódio interessante que serve a tantas tintas; ou uma vivência, uma reflexão. Quando envolve o Lula, eu diria que foi no campo na piscadela; o Avelar, no campo da vivência, da reflexão. Se o leitor me ajudar, crônicas inteiras, não todas, foram e serão alegorias, no sentido de uma metáfora contínua.

O senhor tem algum outro projeto literário em andamento?

Sim, mas não vou sacrificar a editora. Veremos como responde o leitor ao escritor, ao burocrata e ao presidente.

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