Juiza Marielza Brandão Franco, da 29ª Vara Cíve de Salvador, condena Banco Itaú a devolver em dobro cobranças indevidas

Publicado por: redação
04/05/2011 04:30 AM
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Inteiro Teor da Decisão:

 

 

0019637-56.1999.805.0001 - ORDINARIA

Apensos: 14001828069-7, 14002886213-8

Autor(s): Espolio De Jose Gomes
Representante(s): Maria Dos Reis Santos Gomes

Advogado(s): André Luiz Pinto Dantas

Reu(s): Banco Itau Sa Credito Imobiliario, Cia De Seguros Aliança Da Bahia

Advogado(s): Airton de Souza Lima, Marcelo Brazil Ferreira

Sentença: Vistos, etc.,
MARIA DOS REIS SANTOS GOMES, por si e representando o ESPÓLIO DE JOSÉ GOMES, qualificada nos autos em epígrafe, através de advogado legalmente constituído, propôs AÇÃO ORDINÁRIA contra BANCO ITAÚ S/A CRÉDITO IMOBILIÁRIO e CIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL, também já qualificada nos termos da exordial, alegando, em síntese, que celebrou com a Ré Contrato de Compra e Venda de Imóvel com Pacto Adjeto de Hipoteca e Outras Avenças, tendo por objeto um imóvel, cujo valor do financiamento foi dividido em 180 (cento e oitenta) parcelas mensais, de acordo com o Sistema Financeiro de Habitação (SFH).
Inicialmente, vale esclarecer que a Autora adquiriu o imóvel com seu cônjuge, ora falecido, tendo a mesma comprovado sua nomeação como inventariante do espólio do Sr. José Gomes, conforme certidão emitida pela 8ª Vara de Família e Sucessões desta Comarca (fls. 12).
A parte Autora aduz que o contrato pactuado não respeita o princípio do equilíbrio contratual, pois ignorou a relação prestação-salário estabelecida pelo Plano de Equivalência Sal por Categoria Profissional (PES/CP) e, considerando as cláusulas abusivas impostas, está nitidamente presente a vantagem excessiva da parte Ré.
Sustenta que, em decorrência do óbito de seu cônjuge, comunicou o fato ao agente financeiro e requereu o reconhecimento de quitação do imóvel. Contudo, o Banco Réu negou a cobertura da indenização pleiteada, sob alegação de que os mutuários já possuíam dois imóveis pelo SFH, e rescindiu unilateralmente o contrato de seguro mesmo após a Autora comprovar que um dos imóveis tratava-se apenas de uma sala comercial.
Aduz que a negativa foi ilegal e pleiteia, em sede liminar, que o o primeiro Réu suspenda a cobrança das parcelas vencidas e vincendas do financiamento, bem como se abstenha de inserir o nome da autora nos órgãos de restrição ao crédito.
Ao final, requer o julgamento procedente da ação para que seja revisado o contrato, desconstituindo as cláusulas que contenham onerosidade excessiva, para que seja declarado quitado o imóvel com a correspondente baixa da hipoteca, bem como que os valores pagos a maior sejam devolvidos em dobro. Pede, ainda, indenização por perdas e danos ante o enriquecimento ilícito da Segunda Ré. Apresentou documentos às fls. 11/61.
Liminar acolhida às fls. 63/64.
Devidamente citado, a Ré CIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL apresentou contestação às fls.75/92, aduzindo em preliminar prescrição e litisconsórcio necessário. No mérito, aduz que o pleito da parte autora não pode prosperar, visto que o falecido esposo da autora já possuía outro imóvel financiado pelo SFH quando da celebração do contrato sub judice, infingindo a Lei nº 4380/64. Afirma que o pedido de danos morais e perdas e danos é abusivo e carece de provas e requer a improcedência dos pedidos. Juntou os documentos de fls. 93/131.
Citada, a Ré BANCO ITAÚ S/A CRÉDITO IMOBILIÁRIO apresentou contestação às fls. 143/186, arguindo em preliminar incompetência do juízo e ilegitimidade passiva ad causam. No mérito, alega inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, pois a referida lei não se aplicaria às operações de empréstimos, e que o contrato foi firmado por livre manifestação da parte Autora. Pede que seja julgada improcedente a ação, juntando os documentos de fls. 187.
Réplica às fls. 190/209.
Em audiência de conciliação de fls. 217, com vista à possibilidade de acordo, foi concedido prazo de 30 dias para as partes decidirem sobre o mesmo. Em nova audiência de conciliação ( fls. 233), afirmaram as partes a impossibilidade de realização do acordo, requerendo o julgamento antecipado da lide.
Ressalte-se, ainda, que sendo necessária a elaboração de novos cálculos, serão estes determinados em liquidação de sentença, após este juízo fixar os parâmetros para a sua elaboração através de sentença. Assim, dispensando o Magistrado a produção de novas provas, sinaliza o mesmo que as provas já constantes dos autos são suficientes ao seu convencimento.

É o Relatório.
Posto isso. Decido.

A ação pretende a quitação do contrato por falecimento do contratante e alternativamente a revisão do contrato para determinar a aplicação do reajuste das prestações do contrato imobiliário para aquisição de casa própria e a forma de amortização do saldo devedor, bem como a compensação dos valores pagos a maior em conseqüência do reajuste mensal das prestações do contrato de compra e venda pactuado.
Inicialmente é bom esclarecer que o CDC, instituído pela Lei nº 8.078/90, contem matéria de ordem pública e interesse social e passa a regular todos os contratos consumeristas em curso a partir da sua vigência, inclusive em vista do contrato em discussão ser de trato sucessivo e por outro lado, em seu artigo 2º, estabeleceu como sendo consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Na hipótese em discussão restou caracterizada a relação de consumo, pois contratos desta natureza se enquadram no conceito previsto na legislação especial, pelo que resta prejudicada a preliminar de incompetência do juízo em razão da matéria, alegada pela Primeira Ré.
A preliminar de ilegitimidade passiva ad causam suscitada pela Primeira Ré não merece acolhimento. O contrato de seguro visa a garantir o pagamento integral do saldo devedor do financiamento do imóvel nos casos de incapacidade, invalidez ou morte do mutuário, bem como resguardar o imóvel de danos que possa sofrer durante a vigência do contrato de mútuo. Nesse sentido, o agente financeiro atua solidariamente como garantidor do aludido prêmio constante na apólice de seguro, pelo que seria inadequada sua exclusão do pólo passivo da demanda. Além disso, a parte autora cumulativamente discute o reajuste das prestações e a devolução de valores decorrentes da cobrança que alega abusiva antes e após o falecimento do contratante. Por isso rejeito esta preliminar.
Alega a Segunda Ré a obrigatoriedade de integrar o IRB - Brasil Resseguros do Brasil S/A, sucessor do Instituto de Resseguros do Brasil, no pólo passivo da demanda, a fim de garantir a importância segurada. Contudo, o art. 101, inciso II, do CDC é claro ao vedar a integração do referido instituto no contraditório, dispensando o litisconsórcio necessário, sendo, portanto, descabida a preliminar suscitada.
A preliminar em que a Segunda Ré alega a extinção do processo em decorrência de prescrição anual é matéria superada e não pode prosperar, pois tal prazo é previsto em relação ao segurado, não se aplicando aos beneficiários, como é a hipótese dos autos, e não o segurado direto, requer a indenização prevista na apólice de seguro aplica-se atualmente o prazo de dez anos disciplinado no art. 205 do atual Código Civil, afastando-se a prescrição ânua, como bem sinaliza o entendimento jurisprudencial, que pelo Código de 1916 era vintenária e a prescrição aplicável ao processo em estudo:

“PRESCRIÇÃO - Compromisso de compra e venda - Sistema Financeiro da Habitação - Seguro habitacional firmado entre a entidade financiadora e a ré- seguradora - Adoção dos mutuários que são beneficiários e não segurados Prescrição vintenária - Aplicação do artigo 177 (atual 205) e não o 178, § 6o, I, do Código Civil/l6 (atual 206, § 1°, I) - Extinção do processo afastada, determinado o prosseguimento do feito para julgamento do mérito - Recurso provido para esse fim. (Apelação Cível com Revisão n° 427.213- 4/0 - São Vicente - 5a Câmara de Direito Privado - 07.02.07 - Rei. Desembargador OLDEMAR AZEVEDO - v.u. - Voto 11288)” (grifo nosso)

No mérito, observa-se que os Réus, pelos argumentos insertos em suas respectivas contestações, afirmam que a declaração de quitação do imóvel sub judice e o pagamento do prêmio indenizatório foram negados porque os mutuários não tinham direito aos mesmos, tendo em vista a inaplicabilidade do CDC e da teoria da imprevisão ao caso. Ainda, aduzem que os contratantes faltaram com a verdade, prestando falsa declaração no ato da contratação, pois ocultaram a anterior aquisição de um imóvel, também pelo Sistema Financeiro de Habitação.

Nos contratos onde existe relação de consumo, como o objeto deste litígio, o CDC determina que a interpretação deve ser feita da maneira mais favorável ao consumidor, mesmo porque, a requerida traz a lume interpretação do contrato utilizando método flagrantemente prejudicial ao consumidor ao aplicar o reajuste no contrato de compra e venda de imóvel com garantia hipotecária, o que causaria excessiva onerosidade aos autores e vantagem excessiva ao réu.
Cumpre destacar que o CDC tem como princípios basilares e gerais a boa-fé e o equilíbrio nas relações de consumo, previstos no seu art. 4º que estabelece que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.
Tais normas promoveram verdadeira revolução nos contratos consumeristas e permitem ao Juiz a interpretação que transcende à literalidade das cláusulas contratuais, buscando uma visão interpretativa mais favorável ao consumidor contratante de boa-fé, que nem sempre é informado do real conteúdo e sentido dessas cláusulas.
A professora e estudiosa dos contratos à luz do CDC, CLÁUDIA LIMA MARQUES defende:

"O primeiro instrumento para assegurar a equidade, a justiça contratual, mesmo em face dos métodos unilaterais de contratação em massa, é a interpretação judicial do contrato em seu favor. Inspirado no art. 1.370 do Código Civil Italiano de 1942, o CDC, em seu art. 47, institui como princípio geral a interpretação pró-consumidor das cláusulas contratuais.” (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., pág.283).

Essa tendência interpretativa ocorre principalmente quando o vínculo de consumo se forma através da adesão do consumidor a um contrato padrão elaborado unilateralmente pelo fornecedor, como ocorre no caso ora em análise.
As novas normas que regem os contratos, que foram trazidas por concepção contida do CDC, optam por proteger não só a vontade das partes, mas principalmente os legítimos interesses e expectativas dos consumidores.
No caso em tela estamos diante de um contrato de cunho eminentemente social e que se estabeleceu através de uma política nacional de facilitação da aquisição da casa própria pela população, principalmente a parcela de cidadãos de menor poder aquisitivo, através da criação do Sistema Financeiro da Habitação, instituído pela Lei 4.380/64. De lá para cá, a intervenção estatal visando garantir o fim proposto sem causar desequilíbrio contratual de parte a parte, gerou uma gama interminável de leis, medidas provisórias, decretos, regulamentos e circulares, que não foram capazes de garantir o estancamento das distorções ainda existentes que colocam os mutuários em situação aflitiva.

Da análise do contrato objeto do litígio, acostado aos autos às fls. 27/30, se percebe, de logo, que o contrato cinge a compra e venda de imóvel em parcelas, caracterizando a relação como de natureza consumerista.

A alegada violação do preceito normativo previsto nos arts. 1443 e 1444 da Lei Civil de 1916, atuais 765 e 766 do Código Civil vigente, não procede, pois, o fato de os mutuários possuírem dois imóveis pelo SFH não dispensa a seguradora de cumprir com suas obrigações contratuais, inclusive de pagamento do seguro.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é claro:
Súmula 31: “A aquisição, pelo segurado, de mais de um imóvel financiado pelo Sistema Financeiro da Habitação, situados na mesma localidade, não exime a seguradora da obrigação de pagamento dos seguros”
Cito jurisprudência na íntegra:

Processo
REsp 166797 / SP
RECURSO ESPECIAL
1998/0016961-0
Relator(a)
Ministro FRANCISCO FALCÃO (1116)
Órgão Julgador
T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento
27/04/2004
Data da Publicação/Fonte
DJ 24/05/2004 p. 153
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE
FINANCIAMENTO DE IMÓVEL. SFH. ÓBITO DO MUTUÁRIO. QUITAÇÃO PARCELAS
VINCENDAS PELO SEGURO. SÚMULA Nº 31/STJ. APLICAÇÃO PELO TRIBUNAL DE
ORIGEM. POSSIBILIDADE. DECISÃO ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA.
PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS NºS 282 E 356/STF. INCIDÊNCIA.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CARACTERIZADO.
I - Embargos à execução acolhidos em sede de sentença e confirmados
em apelação com base no óbito do mutuário, passando, assim, a
responsabilidade pela quitação de parcelas remanescentes de
financiamento de imóvel à seguradora.
II - Visto que o acórdão recorrido perfilou-se nos argumentos da
sentença para ratificar a procedência dos embargos à execução, não
há que se falar em decisão ultra petita.
III - A menção pelo Colegiado a quo da incidência da Súmula nº 31,
deste STJ, ao presente caso deu-se com o fito de corroborar a tese
de que, independentemente do fato de ter havido financiamento de
dois imóveis na mesma localidade, remanesce a responsabilidade da
seguradora quanto à quitação de parcelas remanescentes de
financiamento, diante da morte do mutuário-varão.
IV - Inviável apreciar-se a violação de artigos de lei federal se
não foram ventilados pela decisão hostilizada. Ausência de
prequestionamento constatada. Incidência dos enunciados sumulares
nºs 282 e 356, do STF.
V - Dissídio jurisprudencial não demonstrado nos moldes do art. 255
e parágrafos do RI/STJ. Ademais, os acórdãos paradigma e recorrido
tratam de bases fácticas diversas.
VI - Recurso especial improvido.

Processo
REsp 195474 / SP
RECURSO ESPECIAL
1998/0085842-3
Relator(a)
Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR (1110)
Órgão Julgador
T4 - QUARTA TURMA
Data do Julgamento
04/11/1999
Data da Publicação/Fonte
DJ 06/12/1999 p. 97
Ementa
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. SEGURO.
S.F.H. ÓBITO DE SEGURADO. QUITAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. RECUSA DA
SEGURADORA. EXISTÊNCIA DE OUTRO IMÓVEL FINANCIADO EM MUNICÍPIO
DIVERSO. SÚMULAS NS. 5 E 31-STJ. INCIDÊNCIA. CC 1.092, 1.432, 1.454
E 1.460 E ART. 9º, PARÁGRAFO 1º, DA LEI N. 4.380/64.
I. Não se configura nulidade do acórdão se o mesmo enfrentou os
temas ventilados pela parte recorrente, apenas que com conclusão
desfavorável à mesma.
II. "A aquisição, pelo segurado, de mais de um imóvel financiado
pelo Sistema Financeiro da Habitação, situados na mesma localidade,
não exime a seguradora da obrigação de pagamento dos seguros"
(Súmula nº 31 do STJ).
III. Inexiste violação às normas legais ventiladas no recurso se
elas não contêm as cominações com base nas quais a seguradora se
opõe ao pagamento do seguro, sobressaindo, do acórdão a quo, a
interpretação de cláusulas contratuais e normas administrativas cujo
exame refoge à competência desta Corte, consoante o preceituado na
Súmula n. 5.
IV. Recurso especial não conhecido.

Além disso, se verifica pelo documento de fls. 37 que o imóvel aludido como segundo imóvel pertencente ao autor se tratava de uma sala n. 203 do Edificio Rafael Gordilho registrado no 3º Registro de Imoveis desta capital e não de imóvel residencial. As certidões de fls. 35/36 e 38/49 comprovam a inexistência de outros imóveis. Verifica-se, ainda, conforme documento juntado pela própria ré às fls. 109 que o mesmo cartório declarara a existência apenas do imóvel objeto desta ação em nome do falecido segurado e sua esposa.
Assim, não há justificativa plausível para manutenção da negativa da parte Ré, estando a Autora amparada por entendimento dominante, sendo matéria já superada pela doutrina e jurisprudência.
Quanto ao alegado dano moral, não resta dúvida, que a Requerente sofreu constrangimentos, desassossego, transtornos, aborrecimentos e desconforto, ao permanecer por muito tempo tentando solucionar o seu problema. Da mesma forma, constata-se que a Empresa Ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança.
Não se pode aceitar que práticas abusivas identificadas e condenadas na legislação consumerista continuem a ser exercitadas sem qualquer tipo de censura, o que vem ensejando os Tribunais a coibir tais atitudes com o reconhecimento do direito de indenização pelos danos morais suportados pelos usuários quanto aos serviços defeituosos fornecidos.
Quanto ao montante a ser fixado a título de danos morais é certo afirmar que o quantum da indenização pelo dano moral é fixado por critérios subjetivos aferidos pelo juiz. O princípio da razoabilidade apenas recomenda que se observem certos parâmetros com fins de se evitar o enriquecimento ilícito.
Neste sentido:
“O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que a indenização a esse título deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. Ademais, deve procurar desestimular o ofensor a repetir o ato.” (STJ, Quarta Turma, RESP 24727/SE, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 05/06/2000, p 174).
No que se refere ao pedido alternativo de observância do Plano de Equivalência Sal , inicialmente é importante salientar que a Lei 4380/64 e os Decretos – Lei 2164/84 (art.9º) e 2284/86 (art. 1º parágrafo 1º) visando a manutenção do equilíbrio entre a renda do mutuário e o valor das prestações da casa própria instituiu este mecanismo legal e qualquer distorção que impossibilite esta equação permitindo a aplicação de índices de reajustes que não estejam em consonância com a evolução sal do mutuário provocará desvio flagrante dos objetivos do sistema financeiro de habitação que é facilitar a aquisição de habitação a população, principalmente aqueles com menor poder aquisitivo e portanto, a aplicação do PES se impõe para não permitir que os reajustes das prestações sejam em proporção superior ao percentual de aumento sal obtido pela categoria profissional do mutuário ou sendo autônomo pelo índice fixado para o IPC, viabilizando o adimplemento do contrato ao garantir que o reajuste da prestação seja efetuado na mesma época do aumento sal e observando o limite máximo este reajuste para que se mantenha o percentual do comprometimento de renda pactuado no ato da celebração do contrato.
Note-se, ainda, que o Plano de Equivalência Sal deve garantir outro direito do mutuário, previsto no artigo 9º parágrafo 5º do Decreto-lei 2164/84 que prescreve:
“A prestação mensal não excederá a relação prestação/salário verificada na data da assinatura do contrato podendo ser solicitada a sua revisão a qualquer tempo.”
Assim, para que seja observado o cumprimento do contrato quanto ao comprometimento da renda pactuada e consequentemente possibilitar o adimplemento das prestações do mútuo, que é a finalidade precípua do Sistema Financeiro da Habitação, o comprometimento inicial da renda no momento da assinatura do contrato deve ser mantido durante toda a execução do contrato.
A discussão quanto à geração de saldo residual nos contratos de financiamento da casa própria é matéria antiga nos meios forenses e um grave problema a ser enfrentado, pois, acarreta para o mutuário uma dívida ao final do prazo do contrato, na maioria das vezes superior ao valor de mercado do imóvel financiado e, mais preocupante, ainda, é que este saldo residual remanescente após o término do prazo originário deve ser refinanciado em metade do prazo da primeira contratação, o que importa em uma prestação mensal tão elevada que inviabiliza a manutenção do pagamento por conta da desproporção entre tal prestação e a renda familiar exigida quando da contratação originária.
Em estudos realizados se verificou que tal distorção se deve a critérios diferentes de reajustes das prestações mensais e do saldo devedor. Enquanto o reajuste do primeiro é feito em observância dos índices de reajustes dos salários dos adquirentes – princípio da equivalência sal , a atualização do saldo devedor é feito levanto-se em conta a variação básica dos depósitos de poupança.
A primeira regra, portanto, a ser observada para resgatar tal distorção é estabelecer como princípio a ser seguido, a unificação dos critérios de reajuste das prestações e de atualização do saldo devedor, restabelecendo o equilíbrio contratual, aplicando em ambos os casos os mesmo índices e a mesma periodicidade.
Por outro lado, não se pode aceitar que ocorra a incidência da capitalização dos juros sobre o saldo devedor do financiamento imobiliário, pois, tal capitalização implica em incidência de juros sobre juros sobre o capital emprestado, o que quer significar que os juros calculados num mês vai ser base de cálculo para que se aplique os juros dos meses seguintes, isso porque toda vez que a atualização incidir sobre o capital emprestado mais o juros não amortizado do mês anterior, sobre esta parcela de juros incidirá novos juros. Somente quando a amortização é positiva, ou seja, o valor da prestação mensal é superior ao percentual de juros mensal sobre o empréstimo é que não ocorre a capitalização.
É pacífico o entendimento que veda a capitalização mensal dos juros, nos termos do quanto preceitua o art. 4º, do Decreto nº 22.626/33 que permanece vigente na parte que proíbe o anatocismo, ao estabelecer: "é proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.".

O Supremo Tribunal Federal, através da súmula nº 211, estabelece que:

“É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também é enfática ao vedar a capitalização de juros, in verbis:

"Somente nas hipóteses em que expressamente autorizada por lei específica, a capitalização de juros se mostra admissível. Nos demais casos é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sido revogado pela Lei n. 4.595, de 1964, o art. 4º do Decreto n. 22.626, de 1933. ". (4ª Turma do STJ, no REsp. 124.780-RS, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO)

"Recurso especial assentado em dissídio jurisprudencial. Contrato de abertura de crédito. Capitalização dos juros. Súmula nº 121/STF.
"1. No tocante à capitalização dos juros, permanece em vigor a vedação contida na Lei de Usura, exceto nos casos excepcionados em lei, o que não ocorre com o mútuo bancário comum, tratado nos presentes autos.
"2. Recurso especial não conhecido.".
Portanto, ilegal e abusiva a capitalização dos juros incidente no contrato ora em análise.

Por isso, também teria razão a autora quanto ao pedido alternativo, se não fosse procedente o pedido de quitação e nesta hipótese imprescindível seria a revisão do contrato de compra e venda para refazer os cálculos de todos os valores cobrados desde o início do contrato, observando o Plano de Equivalência Sal para o reajuste das prestações e do saldo devedor, aplicando como índice de correção monetária do saldo devedor o INPC - índice Nacional de Preços ao Consumidor, determinando, ainda, que a atualização do saldo devedor seja corrigida após a amortização mensal, com a compensação dos valores eventualmente pagos a maior, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 1% ao mês, na forma acima declarada, para, se fosse o caso, dar como quitado o imóvel em questão.
Em face do exposto, hei por bem julgar PROCEDENTE o pedido da parte Autora, para confirmar a tutela antecipada deferida para que a parte ré permaneça sem negativar o nome da autora em órgãos de proteção ao crédito, mantenha suspensa a cobrança das prestações a partir do óbito do segurado e abstenha-se de cobrar tais prestações por qualquer meio. Condenar a seguradora a proceder a quitação do saldo devedor do imóvel objeto da ação conforme previsto na apólice de seguro habitacional, devendo o quantum ser apurado em liquidação nos termos do art. 475-A e ss. e devolvido a autora os valores pagos a partir da data do falecimento do segurado em dobro por se caracterizar cobrança indevida, nos termos do artigo 42 do CDC e pelos danos morais sofridos no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescidos de correção monetária e de juros legais de 1% a contar da data da citação valida.
Condenar, ainda, a parte Ré ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.

P.R.I.

Salvador, 15 de Março de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza Titular da 29ª Vara de Relações de Consumo