Desª. Maria da Graça Osório Pimentel, do TJBA, anula decisão da 22ª Vara Civel de Salvador

Publicado por: redação
26/05/2011 04:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0006344-02.2011.805.0000-0 - SALVADOR

PROCESSO DE ORIGEM Nº 0019456-35.2011.805.0001

AGRAVANTE : PETROBRÁS – PETRÓLEO BRASILEIRO S/A

ADVOGADO : LUCAS VASCONCELOS PERRONE

AGRAVADA : INÊS LIRA MERCURI

ADVOGADA : ISABEL HELENA STROBEL BECKER PEREIRA

RELATORA : DESª. MARIA DA GRAÇA OSÓRIO PIMENTEL

LEAL

D E C I S Ã O

Trata-se de Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo em face de decisão proferida pela MM. Juíza de Direito da 22ª Vara dos Feitos de Relação de Consumo, Cível e Comerciais da comarca de Salvador, na Ação de Obrigação de Fazer nº 0019456-35.2011.805.0001, ajuizada por INÊS LIRA MERCURI, qualificada nos autos, em desfavor de PETROBRÁS – PETRÓLEO BRASILEIRO S/A, pessoa jurídica ora recorrente.

A aludida decisão determinou à AMS – Assistência Multidisciplinar de Saúde / PETROBRÁS “... que, o plano de saúde acionado autorize o internamento do/a suplicante na Clínica de Obesidade Ltda., com endereço declinado nesta decisão, pelo período de 120 dias.” Instituiu, ainda, multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), na hipótese de descumprimento da decisão e demais sanções penais cabíveis na espécie. (decisão reproduzida às fls. 68/69).

Na ação de origem, equivocadamente ajuizada contra a AMS – que não possui personalidade jurídica, tratando-se, na verdade, de programa assistencial mantido pela PETROBRÁS -, relata a Agravada que “... possui 75 anos e é atual portadora de obesidade mórbida sendo seu índice de Massa Corporal de 40kg/m². Ressalta, outrossim, apresenta diversas comorbidades, que afastam a possibilidade de ser submetida à cirurgia bariátrica, razão pela qual “requereu internação na Cínica de Obesidade”, sendo indeferida a postulação no plano administrativo (fls. 28/49). Socorreu-se, então do Judiciário, obtendo o provimento liminar nos moldes acima.

Acusa a Agravante o desacerto da decisão recorrida, erigindo, de início, preliminar de incompetência absoluta da Justiça comum, por ser a Assistência Multidisciplinar de Saúde (AMS) programa de saúde instituído pela própria empresa (PETROBRÁS), sob a espécie de autogestão, derivada de acordos coletivos firmados com o sindicato da categoria. Assim, não decorreria de relação de consumo, eis que disponibilizado aos beneficiários de forma gratuita em virtude do vínculo empregatício, cabendo o conhecimento do conflito à Justiça Laboral.

No mérito, argumenta, primeiramente, que não há, no sistema AMS, qualquer registro de solicitação da Agravada para internamento em clínica para tratamento de obesos, sendo inverídica a alegação de indeferimento de tal pedido, ressaltando que a Agravada não juntou aos autos qualquer prova neste sentido.

Por outro lado, “ainda que tivesse havido tal solicitação e negativa”, o que admite apenas para argumentar, sustenta que tal pretensão não poderia prosperar em razão da “Clínica de Obesidade” não ser credenciada na AMS.

Afirma que a PETROBRÁS possui programa próprio de tratamento e controle de obesidade, e que a internação em clínica de emagrecimento (SPA) não é procedimento abrangido entre os procedimentos adotados. Observa que a AMS não se confunde com plano-referência de assistência à saúde, disciplinado pela Lei Federal n. 9.656/98.

Daí que, juntando vários precedentes desta Corte, reclama a Agravante, em sede preliminar, o reconhecimento da incompetência absoluta do Juízo comum para o julgamento da demanda, e a consequente nulidade da decisão agravada com o envio dos autos à Justiça do Trabalho. Caso assim não entendido, requer seja suspensa a decisão de primeiro grau até que, ao final, seja provido o presente Agravo de Instrumento, cassando-se em definitivo a liminar objurgada.

É, no que interessa, o RELATÓRIO.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, cumpre enfrentar, de início, a preliminar de incompetência absoluta do Juízo Estadual para o conhecimento da matéria.

Baseia-se a objeção em que, tratando-se a Assistência Multidisciplinar de Saúde - AMS de programa instituído pela própria Agravante (através da norma interna nº 604-00-00, de 01/02/76) em favor de seus empregados, aposentados e respectivos dependentes, sendo decorrente de acordos coletivos firmados com os sindicatos das categorias profissionais envolvidas e não implicando contrapartida financeira dos beneficiados, não traduz relação de consumo, como acontece em relação aos planos de saúde em geral. Sequer constitui (a AMS) pessoa jurídica, sendo apenas um “programa de saúde” disponibilizado de forma gratuita em razão do vínculo empregatício.

Ora, sendo fato que o referido programa foi instituído mediante Acordo Coletivo de Trabalho com os sindicatos representantes das categorias de empregados da PETROBRÁS (confira-se documento de fls. 87/119), não menos correto é reconhecer que a competência para interpretação das regras de Acordos Coletivos, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.984/95, é da Justiça do Trabalho. Envergando tal natureza o vínculo jurídico estabelecido entre as partes, a solução dos conflitos daí decorrentes também insere-se na competência da Justiça Laboral.

A conclusão nesse sentido encontra respaldo na jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça, que, em situação por tudo semelhante (envolvendo a PETROBRÁS e seu programa AMS), assim se posicionou:

“DECISÃO

1.- JUÍZO DA 27ª VARA DO TRABALHO DO RIO DE JANEIRO - RJ suscita Conflito Negativo de Competência em relação ao JUÍZO DE DIREITO DA 7ª VARA CÍVEL DO RIO DE JANEIRO - RJ, a propósito do julgamento de ação de obrigação de fornecimento de serviço com pedido de antecipação de tutela com pedido de indenização por danos morais e materiais proposta por MAURÍCIO HELENO ARAÚJO SILVA contra PLANO DE SAÚDE AMS PETROBRÁS e CLÍNICA SÃO GONÇALO LTDA, visando a realização de procedimentos cirúrgicos emergenciais para reconstrução facial do autor, vítima de acidente de trânsito.

2.- Consta dos autos que a ação foi proposta perante o Juízo suscitado, que se declarou incompetente e remeteu os autos à Justiça Trabalhista, ao argumento de que a instituição e o regramento do plano de assistência médica sobre o qual discutem as partes, resulta de Acordo Coletivo de Trabalho firmado entre a Petrobrás e os sindicatos de seus empregados (fls. 211).

3.- O Juízo da 27ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro entendeu que o conflito não se enquadra no rol de competência material da Justiça Especializada, razão pela qual suscitou o conflito (fls. 224).

4.- O Subprocurador-Geral da República, Dr. FERNANDO H. O. DE MACEDO, manifestou-se pela declaração da competência do Juízo suscitante (fls. 230/232).

É o relatório.

5.- Como é cediço, a competência para o julgamento da causa se define em função da natureza jurídica da questão controvertida, demarcada pelo pedido e pela causa de pedir, e, no presente caso, verifica-se que a pretensão deduzida tem origem na conexão estabelecida entre o plano de Assistência Multidisciplinar de Saúde com o contrato de trabalho celebrado entre o autor e a Petrobrás.

Referido plano de saúde foi instituído mediante Acordo Coletivo com os Sindicatos representantes da categoria em favor dos empregados da Petrobrás.

E a competência para interpretação das regras de Acordos Coletivos, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.984/95, é da Justiça do Trabalho.

Nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte:

"Processo civil. Conflito de Competência. Juízo Cível e Justiça do Trabalho. Plano de saúde oferecido, em sistema de auto-gestão, por instituição bancária e regulado por acordo coletivo de trabalho. Viúva de ex-empregado que assume a condição de titular por disposição expressa desse instrumento normativo. Reajuste do prêmio pago disciplinado também por acordo coletivo. Competência da Justiça do Trabalho para dirimira a controvérsia.

- Não obstante a existência de precedentes no sentido de que as controvérsias entre os segurados de planos ou seguros-saúde empresarias e a entidade prestadora desses serviços devam ser promovidas perante o juízo cível, é de se observar que, na hipótese dos autos, todo o contrato, inclusive o índice de reajuste e a condição da autora de titular do plano, estão disciplinados em acordo coletivo de trabalho homologado pela Justiça do Trabalho.

A competência para a interpretação das regras de tais instrumentos, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.984/95, é da Justiça do Trabalho.

- Essa conclusão não se modifica pelos precedentes de que as ações que discutam benefícios complementares de previdência devam ser discutidas perante o juízo cível, porquanto tal fato decorre do que dispõe o art. 202, §2º, da CF.

- Também não influi nesta conclusão os precedentes desta Corte no sentido de que as ações por acidente de trabalho proposta pelos próprios empregados devam ser decididas pela justiça do trabalho e aquelas propostas por seu(ua) viúvo(a) ou filhos devam correr perante a justiça cível. É que, em tais hipóteses, 'a demanda tem natureza exclusivamente civil, e não há direitos pleiteados pelo trabalhador ou, tampouco, por pessoas na condição de herdeiros ou sucessores destes direitos. Os autores possuem direitos próprios, ausente relação de trabalho entre estes e o réu' (CC nº 54.210/RO, DJ de 12/12/2005). Conflito conhecido e estabelecida a competência da Justiça do Trabalho, ora suscitante." (CC 76.953/SP, Segunda Seção, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ 17.05.2007);

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÕES CONEXAS DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. TRABALHADOR APOSENTADO. MANUTENÇÃO DO PLANO DE SAÚDE. QUESTÃO INTIMAMENTE VINCULADA AO EXTINTO CONTRATO DE TRABALHO. COMPETÊNCIADA JUSTIÇA ESPECIALIZADA.

I. Sendo conexas as ações em que se discute sobre a manutenção de plano de saúde posto à disposição de trabalhador aposentado, porque, no caso em tela, que é peculiar, estreitamente relacionada ao extinto contrato de trabalho, a competência para dirimir o litígio pertence à Justiça do Trabalho.

II. Agravo regimental improvido. (AgRg no CC 38.650/SP, Segunda Seção, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJ 30.8.2004).

6.- Ante o exposto, nos termos do art. 120, parágrafo único, do Código de Processo Civil, conhece-se do Conflito e declara-se competente o JUÍZO DA 27ª VARA DO TRABALHO DO RIO DE JANEIRO - RJ, suscitante, encaminhando-se-lhe os autos.” (Conflito de competência nº 105.090/RJ, Min. Rel. SIDNEI BENETI do STJ, Data da Publicação 11/09/09). Destaques não originais.

Colhe-se ainda da Corte Jurisprudencial:

“Trata-se de agravo de instrumento interposto por PETRÓLEO BRASILEIRO S/A - PETROBRÁS, em face de decisão do 3º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, indeferitória do processamento de recurso especial fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão daquele Pretório, assim ementado, verbis:

"COMPETÊNCIA - Caso que deve ser solucionado pela Justiça Estadual - Seguro-saúde - A empresa Petróleo Brasileiro S.A. PETROBRÁS, exerce pelo Setor AMS - Programa de Assistência Multidisciplinar de Saúde a função de Plano de Saúde, havendo um desvio de finalidade da entidade que assume a feição de verdadeira administradora do referido plano - Ausência de relação trabalhista, no que diz respeito ao plano de saúde, eis que o recorrente não é mais empregado daquela, porque aposentado - Aplicação do Código de Defesa do Consumidor - Recurso provido."

Primeiramente, converto o presente agravo em recurso especial, presentes que se fazem os elementos necessários ao seu julgamento (art. 544, § 3º, do Código de Processo Civil). Insurge-se a recorrente contra as conclusões do acórdão, tendo por violados os arts. 17, 18, 301, §§ 1º e 3º, e 515, § 1º, do Código de Processo Civil; 611 e 625 da Consolidação das Leis do Trabalho, 3º do Código de Defesa do Consumidor, 1º, § 1º, I, da Lei 9.656/98 e 7º, XXVI, e 114 da Constituição Federal. Merece acolhida o recurso.

Inicialmente, no tocante ao artigo 7º, XXVI, e 114 da Constituição Federal, refoge à competência deste STJ, a quem a Carta Política (art. 105, III) confia a missão de unificação do direito federal, apreciar violação de dispositivo constitucional.

De outra parte, a Segunda Seção desta Corte firmou entendimento no sentido de que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar ação em que o ex-empregado aposentado requer benefícios assistenciais garantidos pela ex-empregadora em sucessivos acordos coletivos de trabalho decorrentes do pacto laboral mantido entre as partes (fl. 20).

A propósito:

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MOVIDA POR EX-EMPREGADO APOSENTADO, QUE PRETENDE A REINCLUSÃO EM PLANO DE ENTIDADE PREVIDENCIÁRIA MANTIDA EXCLUSIVAMENTE PELA EX-EMPREGADORA. INEXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE, DE CONTRATO DE NATUREZA CIVIL ENTRE AUTOR E RÉ. SUPOSTO DIREITO DIRETAMENTE DECORRENTE DA PRESTAÇÃO LABORAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA OBREIRA.

I. Não se configurando, na espécie dos autos, relação contratual de natureza civil entre o autor e a ré, porquanto o benefício postulado decorre diretamente do pacto laboral com a ex-empregadora, que mantém, às suas exclusivas expensas, o plano assistencial de saúde gerido pela fundação recorrente, a ação deve ser processada e julgada perante a Justiça Obreira, à qual ficam os autos remetidos.

II. Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (Resp 504.742/RS, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJU de 31.05.2004)

"PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA. PEDIDO PELO EMPREGADO APOSENTADO DE MANUTENÇÃO DE BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS GARANTIDOS PELA EMPREGADORA AOS SEUS EMPREGADOS. DIREITO PLEITEADO QUE TEM A SUA ORIGEM EM OBRIGAÇÕES ASSUMIDAS PELO EMPREGADOR NA VIGÊNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. DOUTRINA E PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO.

- Se o pedido formulado na inicial por ex-empregado aposentado se vincula a direito decorrente de obrigações assumidas pelo empregador durante o contrato de trabalho, e não de norma legal previdenciária ou de contrato voluntário por ele firmado com entidade de previdência privada, competente para julgar a causa é a Justiça do Trabalho, em razão da natureza jurídica da matéria controvertida." (Resp 130.512/SP, Rel. Min. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJU de 15.03.1999)

Ante o exposto, nos termos do art. 557 do CPC, conheço do recurso e lhe dou provimento para determinar a remessa dos autos principais à Justiça do Trabalho.” (Agravo de Instrumento nº 478.871/SP, Min. Rel. FERNANDO GONÇALVES, data de publicação no DJ 23/06/04). Grifos nossos.

A segurança dos precedentes trazidos à colação indica o rumo a ser seguido no caso em exame, símile àqueles ali contemplados, razão pela qual DOU PROVIMENTO ao Agravo de Instrumento, o fazendo com esteio no artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, RECONHECENDO A INCOMPETÊNCIA da Justiça Comum Estadual para processar e julgar a ação, do que decorre a NULIDADE DOS ATOS DECISÓRIOS até então praticados (inclusive a decisão recorrida - artigo 113, §2º, do mesmo diploma legal), determinando a baixa dos autos e o envio, em par com o feito de origem, à egrégia Justiça do Trabalho.

À Secretaria da Segunda Câmara Cível para adoção das providências de praxe.

Publique-se. Intime-se.

Salvador, 24 de Maio de 2011.

DESª.MARIA DA GRAÇA OSÓRIO PIMENTEL LEAL

RELATORA