Alegação de foro íntimo para abandonar casos vira rotina nos meios judiciais
O fato de se alegar foro íntimo para deixarem de julgar ou atuar numa causa ganha os noticiários. Apesar de previsto em lei e regimentos, ministros e ex-ministros do tribunal apresentaram posições variadas sobre o tema.
Uma ala diz que é válida a declaração de suspeição como instrumento para assegurar a imparcialidade em julgamentos. Outra alega que a possibilidade, se usada de maneira desvirtuada, pode servir de justificativa para fugir do julgamento de questões espinhosas.
A suspeição por "motivo íntimo", o termo legal, ocorre com freqüência e recentemente ganhou os tribunais. Foi o argumento usado pelos ministros do STF Eros Grau, para, depois de quase dois anos, deixar a relatoria de uma causa sobre o deputado Edmar Moreira (DEM-MG), e por Joaquim Barbosa, para não continuar a julgar o pedido de cassação do governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT).
Em outubro de 2007, Celso de Mello também declarou "motivo íntimo" para repassar a responsabilidade de apreciar o processo de extradição do ex-militante de esquerda italiano Cesare Battisti, depois de atuar na caso por oito meses.
Garantia legal
Segundo o artigo 135 do Código de Processo Civil, "reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando: amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes. Ainda de acordo com o código, "receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio; interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes" podem ser usadas para alegar foro íntimo.
No mesmo artigo, há um parágrafo único que diz: "Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo", sem especificar o que é isso.
Questionado sobre o assunto, Grau disse que entende a "suspeição" como uma ocorrência "corriqueira". Barbosa, informou que, no último final de semana, ao estudar o processo de Lago com mais profundidade, encontrou um fato novo, portanto "superveniente" ao início do julgamento, começado em dezembro."Na minha vida de 40 anos de magistratura, conheci casos em que esse instituto foi usado indevidamente, mas isso é uma minoria e o direito deve ser preservado", disse Velloso.
Transparência
Os ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski têm posições divergentes. O primeiro, que se diz posição vencida em meio à magistratura, defende o fim do "motivo íntimo" porque conflita com o princípio básico do Direito, segundo o qual toda decisão deve ser fundamentada. Lewandowski trata o instituto somente pelo prisma das garantias: "Existe para proteger as partes e terceiros de serem expostos".
O presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) diz que a lei não determina a manutenção do sigilo sobre o teor do seu "motivo íntimo" para se declarar suspeito. Para ele, a decisão cabe a cada um para haver maior transparência.
"Em meu Estado, Pernambuco, o Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça, determinou que os magistrados declarem o motivo da suspeição." Segundo ele, existiam muitas suspeições e suspeitou-se que o instituto poderia estar sendo usado pela "desídia ou preguiça de juízes para enfrentar questões mais complexas"
Fonte: Folha de S Paulo