Município de Salvador (BA) condenado em mais de 325 Mil por danos morais em sentença do Juiz Mario Soares Caymmi Gomes, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Salvador

Publicado por: redação
28/06/2011 05:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

0101185-25.2007.805.0001 - INDENIZATORIA (REPARACAO DE DANOS)

Autor(s): Emilia Christina Bomfim Da Silveira, Andre Bomfim Da Silveira, Henrique Bomfim Da Silveira e outros

Advogado(s): Bárbara Camardelli Loi, Tiana Camardelli Matos

Denunciado(s): Protector Segurança E Vigilância Ltda
Reu(s): Prefeitura Municipal De Salvador

Advogado(s): Marcelo Lessa Pinto Pitta, Marcelo Luis Abreu e Silva

Sentença: DECIDO.
Em primeiro lugar, urge decidir a respeito da necessidade ou não da presença nos autos do laudo cadavérico como prova essencial da alegação autoral.
Considero que o referido documento não se enquadra na hipótese do artigo 283 do CPC. É que, como bem salientaram os autores em sua réplica, o fato danoso ao seu marido e pai foi cabalmente demonstrado com a juntada aos autos da Certidão de Óbito e de várias notícias de jornal que demonstram as circunstâncias do crime, além do termo de ocorrência policial.
Ademais, devo frisar, o laudo cadavérico é um documento público visto que elaborado pelo IML e à disposição de quem quer que peça-lhe uma cópia. Se o Município reputava essa prova essencial, nada lhe obstava que trouxesse uma via do documento aos autos.
Preliminar rejeitada.
A alegação do réu de defeito de representação dos autores menores também não procede já que a procuração de fl. 20 deixa claro que o autor André da Silveira está sendo representado pela mãe e que Henrique da Silveira está sendo assistido.
Impugnação improcedente.
No que diz respeito à refutação do cabimento da denunciação pela empresa Protector Vigilância Ltda., isso também não ocorre.
De acordo com Vicente Greco Filho em seu Direito Processual Brasileiro, p. 138, a denunciação à lide consiste em ampliação objetiva e subjetiva do processo visto que, pelo primeiro aspecto, há a inserção de uma demanda implícita do denunciante em face do denunciado (de caráter indenizatório) e subjetiva porque o denunciado, aceitando a denunciação, passa a responder juntamente com o denunciante (litisconsórcio passivo) perante a parte ex adversa.
No caso em tela, a parte autora aponta como responsável pela morte do servidor Neylton o Município, invocando a responsabilidade do Estado pelo risco da administração. Esse acionado, por sua vez, aponta que o prédio onde fora cometido o crime era objeto de vigilância armada, contratada com a empresa Protector de modo que, caso condenada, teria direito de regresso contra essa, pelo dano patrimonial que lhe venha a ser cominado (artigo 37 §5º da CF/88).
O STJ tem jurisprudência escorreita admitindo a denunciação em casos de responsabilidade civil do Estado, sempre que a defesa indique falha de servidor ou terceiro responsável pelo dano. Veja-se, a título de exemplo, o seguinte julgado da Corte referida no Agravo Regimental no RESP 1149194, Rel. Min. Luiz Fux, publicado no DJe 23/09/2010:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. DENUNCIAÇÃO À LIDE DO AGENTE CAUSADOR DO SUPOSTO DANO. FACULTATIVO. AÇÃO DE REGRESSO RESGUARDADA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA.
1. A denunciação à lide na ação de indenização fundada na responsabilidade extracontratual do Estado é facultativa, haja vista o direito de regresso estatal restar resguardado ainda que seu preposto, causador do suposto dano, não seja chamado à integrar o feito.
2. Precedentes: REsp 891.998/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 01/12/2008; REsp 903.949/PI, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/05/2007, DJ 04/06/2007 p. 322; AgRg no Ag 731.148/AP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/08/2006, DJ
31/08/2006 p. 220; REsp 620.829/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/10/2004, DJ 22/11/2004 p. 279; EREsp
313886/RN, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2004, DJ 22/03/2004 p. 188.

Assim sendo, mostra-se plenamente cabível a denunciação, não sendo de todo certo que a demanda não discuta, como alegado pela parte na sua defesa, que a matéria discutida nesta ação nada tem a ver com o contrato firmado entre ela e o Município. Ora, se o contrato referia-se à “serviço de vigilância armada e desarmada”, como pode ser lido no documento de fl. 145, então o fato de haver sido praticado um crime dentro do prédio público que tocava à empresa guardar existe, sim, uma relação de causa e efeito entre o evento danoso e a esfera de atuação da litisdenunciada no local.
Ademais, no bojo da apuração policial acerca do delito, existe informação de que os seguranças da empresa denunciada, em serviço no local onde Neylton foi morto, teriam confessado a sua prática (vide notícia às fls. 88), o que faz com que existam elementos suficientes para demonstrar que, de fato, a empresa prestadora de serviço de segurança deve ser, sim, incluída no pólo passivo visto que a sua atuação e a de seus prepostos foi determinante para o desfecho delituoso cuja reparação é pedida nestes autos.
Por essas razões é que fica rechaçada a peroração do segundo acionado, mantendo-se o mesmo como litisconsorte do Município.
Superadas as questões prévias, passamos ao julgamento do mérito.
O cerne da questão diz respeito à legislação a ser aplicada ao caso.
Os autores, na invocação dos fundamentos jurídicos de seu pedido, alegam que o artigo 37, §6º teria adotado a teoria do risco administrativo, impondo a reparação de todo ato, seja ele comissivo ou omissivo, que tenha relação de causa de efeito com a esfera de atribuição do Poder Público.
Já os réus alegam a necessidade de se provar a culpa do ente público, uma vez que, amparado em doutrina e jurisprudência, essa seria a orientação jurídica predominante nos casos que envolvem a responsabilidade por omissão da Administração.
Ora, no caso em questão estamos tratando de um crime de homicídio, que ceifou a vida do servidor público antes referido, que foi torturado, despido, e mais tarde arremessado sobre a marquise do prédio da repartição pública para onde se deslocou, como de costume, segundo as testemunhas ouvidas em juízo, num dia de sábado, no interesse do serviço.
Não se trata, à evidência, de um agir do Poder Municipal que gerou a morte do mesmo – coisa que, alias, pelos documentos anexados aos autos, até hoje não foi bem esclarecida – mas de uma omissão, uma falha do serviço dado que é inegável que toca à Administração assegurar a incolumidade dos seus servidores no ambiente de trabalho dos mesmos.
E acerca da legislação aplicável, no caso de omissão estatal, existem, de fato, várias posições doutrinárias. É amplamente conhecida a postura de Celso A. Bandeira de Mello para quem o termo “causarem”, do §6º do artigo 37 da CF/88, indicaria que apenas as condutas comissivas seriam passivas de serem incluídas na teoria da responsabilidade objetiva, que dispensa a prova da culpa.
Por outro lado, não são poucos os doutrinadores que discordam desse mestre.
Odete Medauar, em seu Direito administrativo moderno, p. 430, entende que a responsabilidade do Estado, fundamentada na Teoria do Risco Administrativo, apresenta-se, hoje, na maioria dos ordenamentos jurídicos, regida pela Teoria da Responsabilidade Objetiva. Entende, ainda, que a adoção da responsabilidade objetiva do Estado traz, por conseguinte, o sentido de igualdade de todos ante os ônus e encargos deste e o próprio sentido de justiça [equidade]. Acrescenta que como nem sempre é possível identificar o agente causador do dano, nem demonstrar o dolo ou culpa, melhor se asseguram os direitos da vítima através da aplicação da responsabilidade objetiva ao Estado.
Quanto ao preceito da igualdade de todos ante os ônus e encargos públicos, também denominado "solidariedade", ensina: "Se, em tese, todos se beneficiam das atividades da Administração, todos [representados pelo Estado] devem compartilhar do ressarcimento dos danos que essas atividades causam a alguém" (p. 430).
Na mesma linha de raciocínio Celso Ribeiros Bastos no Curso de direito administrativo, 3 ed., analisa a responsabilidade do Estado, ensinando que tal entendimento já se encontra sedimentado atualmente e, não há, portanto, que se questionar sobre o elemento subjetivo da culpa entre o dano e o comportamento [ ou omissão] que o provocou.
Hely Lopes Meirelles, da mesma forma, defende a tese da responsabilidade objetiva, dispondo que esta se fundamenta no risco proveniente de sua ação ou omissão, que visam à consecução de seus fins (Direito Administrativo Brasileiro, 23ª ed).
Preleciona Weida Zancaner Brunini (Da responsabilidade extracontratual da administração pública) que a teoria objetiva é aplicada na responsabilidade do Estado. Porém, a teoria subjetiva ainda permanece na relação Estado-funcionário, quanto ao direito de regresso do Estado contra seu agente, pois condicionada está à culpabilidade deste.
Na jurisprudência, vários são os Acórdãos que tratam a conduta omissiva do Estado sob a ótica da teoria do risco administrativo:

“INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PODER PÚBLICO - TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO - PRESSUPOSTOS PRIMÁRIOS DE DETERMINAÇÃO DESSA RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO CAUSADO A ALUNO POR OUTRO ALUNO IGUALMENTE MATRICULADO NA REDE PÚBLICA DE ENSINO - PERDA DO GLOBO OCULAR DIREITO - FATO OCORRIDO NO RECINTO DE ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL - CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO MUNICÍPIO - INDENIZAÇÃO PATRIMONIAL DEVIDA - RE NÃO CONHECIDO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. - A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ 91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417). - O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50). RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO POR DANOS CAUSADOS A ALUNOS NO RECINTO DE ESTABELECIMENTO OFICIAL DE ENSINO. - O Poder Público, ao receber o estudante em qualquer dos estabelecimentos da rede oficial de ensino, assume o grave compromisso de velar pela preservação de sua integridade física, devendo empregar todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo jurídico, sob pena de incidir em responsabilidade civil pelos eventos lesivos ocasionados ao aluno. - A obrigação governamental de preservar a intangibilidade física dos alunos, enquanto estes se encontrarem no recinto do estabelecimento escolar, constitui encargo indissociável do dever que incumbe ao Estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do Poder Público nos estabelecimentos oficiais de ensino. Descumprida essa obrigação, e vulnerada a integridade corporal do aluno, emerge a responsabilidade civil do Poder Público pelos danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, vigilância e proteção das autoridades e dos funcionários escolares, ressalvadas as situações que descaracterizam o nexo de causalidade material entre o evento danoso e a atividade estatal imputável aos agentes públicos. (STF, Primeira Turma, RE 109615/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. em 28/05/1996, DJ de 02-08-96)
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - MORTE DE DETENTO. O ordenamento constitucional vigente assegura ao preso a integridade física (CF art. 5, XLIX) sendo dever do Estado garantir a vida de seus detentos, mantendo, para isso, vigilância constante e eficiente. Assassinado o preso por colega de cela quando cumpria pena por homicídio qualificado responde o estado civilmente pelo evento danoso, independentemente da culpa do agente público. Recurso improvido. Por unanimidade, negar provimento ao recurso. (STJ, RESP 5711, decisão 20.03.1991, Ministro Garcia Vieira).
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – MÁ EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS – RISCO ADMINISTRATIVO – DANO E NEXO DE CAUSALIDADE. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa (comissiva ou omissiva); c) do nexo causal entre o dano e a ação administrativa. – O Município tem, por obrigação, manter em condições de regular o uso e sem oferecer riscos, as vias públicas e logradouros abertos à comunidade (TJ – RJ – Ap. 7613/94 – 6ª C.Civ. – Rel. Dês. Pedro Ligiéro – apud COAD 75286).
Indenização – Acidente de Trânsito – Sinistro ocasionado pela falta de serviço na conservação de estrada – Ausência de prova de culpa do particular, bem como de evento tipificador de força maior – Comprovação do nexo de causalidade entre a lesão e o ato da Administração – Verba devida – Aplicação da teoria do risco administrativo, nos termos do art. 37, § 6º, da CF (TJMG, RT 777/365).

No caso concreto, quer sob a ótica objetiva, quer sob a subjetiva, consideramos que não há como escapar a conclusão de que o Município é responsável pela morte do pai/marido dos autores.
Isso porquê, para restar evidenciada a responsabilidade é mister aferir alguns elementos cruciais:
a)na teoria da responsabilidade objetiva é preciso provar o dano e o nexo de causalidade entre ele e o ato ou omissão Estatais;
b)na teoria da responsabilidade subjetiva, a esses elementos anteriores acresce-se a prova do dolo ou culpa.
Acerca desses requisitos, veja-se o que diz o aresto a seguir, da lavra do Min. Teoria Zavascki no RESP 843060:

1. A imputação de responsabilidade civil, objetiva ou subjetiva, supõe a presença de dois elementos de fato (a conduta do agente e o resultado danoso) e um elemento lógico-normativo, o nexo causal (que é lógico, porque consiste num elo referencial, numa relação de pertinencialidade, entre os elementos de fato; e é normativo, porque tem contornos e limites impostos pelo sistema de direito).
2. Nesse domínio jurídico, o sistema brasileiro, resultante do disposto no artigo 1.060 do Código Civil/16 e no art. 403 do CC/2002, consagra a teoria segundo a qual só existe o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa.

No caso em análise temos o caso de um servidor que apresentou-se ao trabalho na repartição onde servia e que, já em seu interior, foi barbaramente assassinado. Não interessa, para a órbita da imputação de responsabilidade, se saber quem, de fato, foi o mandante do crime. O que importa é aferir se o fato ilícito teve conexão com a atuação ou omissão Estatal.
Nesse sentido, é importante recordar, com Rui Stoco, o que pode ser considerado omissão para efeito de responsabilidade civil. Segundo ele (Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª ed., p. 133): “a omissão é um non facere relevante para o Direito, desde que atinja a um bem juridicamente tutelado.
É com base nesse argumento que entendo que a omissão na vigilância do local onde ocorreu o delito foi condição sine qua non para o desfecho danoso e, por isso, elemento determinante para a ocorrência do crime e do dano.
O servidor morto foi agredido num prédio público para o qual se deslocou num dia de sábado o que, repita-se, era algo corriqueiro, segundo o relato testemunhal colhido nos autos. Ou seja: ele estava aí a serviço do órgão ao qual servia, e não o fazia de modo clandestino.
Por outro lado, havia sido celebrado entre o Município e a empresa Protector Vigilância e Segurança Ltda. um contrato para execução de serviço de vigilância armada e desarmada. Após a leitura atenta do contrato de fls. 145/153 não conseguimos verificar, em nenhuma das cláusulas e alíneas do documento, a informação prestada pelo primeiro réu, dando conta de que, aos sábados, a empresa estaria dispensada de fazer vigilância da área interna do prédio público ou mesmo deixar de fazer o controle de entrada do prédio em relação às pessoas que nele chegavam, e que foi atitude determinante que contribuiu para o desfecho delituoso já que, se isso tivesse sido feito a contento, não teria havido a morte do servidor.
Repetimos: NÃO HÁ, EM NENHUMA CLÁUSULA DO CONTRATO, REFERÊNCIA À SUPOSTA DISPENSA DE VIGILÂNCIA DO INTERIOR DO PRÉDIO EM DIAS DE SÁBADOS, E NEM DISPENSA DO CONTROLE DE CHEGADA DE PESSOAS NO LOCAL.
Assim sendo, parece-nos lapidar que:
a)o servidor Neylton da Silveira foi assassinado dentro do prédio público onde estava desempenhando atividades rotineiras ligadas aos cargo que ocupava;
b)sendo assim, era obrigação do Estado prestar-lhe a segurança necessária e adequada para o desempenho de sua função, e para tanto contratara empresa para executar serviço de vigilância;
c)a morte do servidor, não interessando quem foi o ou os executores do crime, foi fruto de serviço prestado insatisfatoriamente pelo Estado, através da empresa de vigilância, que falhou no controle da segurança do local, o que pode ser caracterizado como negligência, além da suspeita da atitude dolosa, tendo em vista a confissão.

Destarte, quer sob a ótica da responsabilidade objetiva, quer levando-se em conta a subjetiva, o Município é responsável direto pela morte do agente público tendo direito de regresso contra a empresa por ele contratada para evitar que isso ocorresse.
Isso porquê:
a)na seara do nexo causal está demonstrado que o resultado ilícito está diretamente ligado a uma omissão do Estado de assegurar a incolumidade dos seus servidores quando estes estão no local de trabalho;
b)o dano é evidente, tendo em vista ser o morto arrimo de família, com filhos menores para sustentar, além da dor e sofrimento causados pelo seu passamento precoce, e tendo em vista a maneira bárbara como foi ceifada a sua vida;
c)no aspecto subjetivo, me parece evidente que o crime só poder ter ocorrido porquê houve culpa, na modalidade negligência, dos prepostos da empresa de vigilância contratada pelo primeiro réu, que deixaram de executar adequadamente o contrato de vigilância firmado e, com isso, deixaram de reprimir o resultado danoso, o que demonstra evidente NEGLIGÊNCIA.

Estabelecida, assim, a responsabilidade do Município pelo evento danoso, existe direito de regresso do mesmo à empresa de vigilância pelos valores que venham a ser desembolsados, cabe-nos, agora, estimar com exatidão esses valores.
Comecemos pela indenização por dano moral.
Este é garantido pela Constituição Federal nos incisos V e X do artigo 5º da CF/88.
Segundo Carlos Alberto Bittar “danos morais são lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem. São aqueles que atingem a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhes constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas.”
Maria Helena Diniz, por sua vez, chama a atenção para que “dano moral, ensina-nos Zanoni, não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois estes estados de espírito constituem conteúdo, ou melhor, a consequência do dano. [...] O direto não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridicamente” (Curso de Direito Civil Brasileiro, 17ªed., p. 84-86).
Do caso exposto, verifica-se que é inegável que a morte súbita do servidor Neylton, de maneira bárbara e com requintes de crueldade, trouxe para o seio da família dor e sofrimento incomuns, que merecem ser reparados.
A possibilidade do Estado ser responsabilizado por danos morais é um tema que já está assentado na jurisprudência do STJ, como se vê do aresto seguinte, RESP 1228224, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe10/05/2011:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DA ADMINISTRAÇÃO. INSS. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. CABIMENTO. QUANTUM DEBEATUR. REDUÇÃO. REEXAME DO CONJUNTO
FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Hipótese em que o Tribunal a quo, soberano no exame da prova, julgou que são ilegais os descontos nos proventos de aposentadoria
da autora, porquanto inexistente o acordo de empréstimo consignado, e que a autarquia previdenciária agiu com desídia ao averbar contrato falso.
2. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, caracterizada a responsabilidade subjetiva do Estado, mediante a conjugação concomitante de três elementos - dano, negligência administrativa e nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do Poder Público -, é inafastável o direito do autor à indenização ou reparação civil dos prejuízos suportados.
3. O valor dos danos morais, fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), não se mostra exorbitante ou irrisório. Portanto, modificar o quantum debeatur implicaria, in casu, reexame da matéria fático-probatória, obstado pela Súmula 7/STJ.

Sendo assim, entendo suficiente para reparar o sofrimento e a dor dos suplicantes, a título de dano moral, a quantia de R$ 90.000,00 para cada um dos autores.
Não é admitido pela Constituição Federal a fixação dessa condenação em salário mínimo, visto que é a própria Carta quem veda-o como parâmetro de indexação (vide artigo 7º, IV do texto constitucional).
No que tange aos danos materiais, considero que a morte prematura do servidor deve ser reparada à sua família, que deve manter o padrão de vida econômica de qual o mesmo esta vivo. Isso implica, portanto, a manutenção de gratificações eventualmente percebidas pelo mesmo, ainda que não tenha havido tempo de incorporá-las em seus vencimentos. Do contrário, haveria profunda injustiça com os familiares do servidor.
Isso porquê o dever de indenizar, segundo Carlos Roberto Gonçalves, significa “reparar o dano causado à vítima , integralmente. Se possível, restaurando o 'status quo ante', isto é, devolvendo-a ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito.” (Responsabilidade Civil, 4ª ed., p. 164).
Assim, deixar de considerar na reparação os adicionais e gratificações percebidos pela vítima seria o mesmo que reparar o dano apenas de maneira parcial, em discordância com a doutrina pátria e o disposto na Constituição Federal e no artigo 944 do atual Código Civil em vigor, aqui aplicado de maneira subsidiária.
Tecnicamente, poderiam essas parcelas serem caracterizadas como lucros cessantes (artigo 402/403 do CC) já que se reputam como integrantes daquilo que a família, por intermédio do trabalho do seu parente morto, deixou de lucrar em virtude do cessamento de sua existência.
Por isso, considero que estão corretos os cálculos apresentados pelos autores na inicial, que descontam o valor já percebido à título de pensão por morte e, ainda, ¼ referentes aos gastos da vítima, se viva fosse, observando a data em que completaria a maioridade o filhos menores Henrique e André, e observando a idade da autora-viúva em 80 anos, compatível com as estatística do IBGE, chegando ao valor de R$ 233.307,09, que deve ser acrescido de juros de mora desde a citação, em 0,5% ao mês, mais correção monetária, pelo IPCA, desde a data do ilícito. Esse pedido está corretamente adequado ao disposto no artigo 948 do CC.
Também é decorrência do ilícito o dano material correspondente aos custos com o enterro do servidor (art. 948, I do CC) que, segundo a inicial e os documentos anexados a ela, importaram numa despesa de R$ 2.118,00, que devem também ser pagos aos autores, com juros de 0,5% desde a citação e correção monetária a partir da data constante das notas fiscais do serviço.
Pelo exposto, julgo procedente em parte o pedido para condenar o réu, Município de Salvador, com direito de regresso à Protector Segurança e Vigilância Ltda, a pagar o valor de R$ 90.000,00 de danos morais a cada um dos autores, que será corrigido desde a data do arbitramento, e juros desde a citação, em 0,5% ao mês mais danos materiais de R$ 233.307,09 mais os custos do funeral, tudo corrigidos com 0,5% de juros ao mês, desde a citação, mais correção monetária, desde a data do ilícito e a data do pagamento das despesa funerária, respectivamente.
Tendo em vista que a parte autora decaiu de porção mínima de seu pedido, condeno o réu, ainda, a arcar com a despesa honorária, que é fixada no importe de 15% do valor total da condenação (art. 21, § único do CPC).
Caso não haja recurso voluntário, recorro de ofício desta decisão.
R.P.I.
SERVIRÁ CÓPIA DESTA COMO MANDADO.
Salvador, 27 de junho de 2011.

BEL. MÁRIO SOARES CAYMMI GOMES
JUIZ DE DIREITO TITULAR

 

Fonte: DJE BA

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