Decisão judicial obriga Cassi Saúde Família a internar paciente, sentença da Juiza Marielza Brandão Franco, da 29ª Vara Cível de Salvador

Publicado por: redação
08/07/2011 04:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

 

0201012-09.2007.805.0001 - Ação Civil Coletiva

Autor(s): Maria Vitoria Silva

Advogado(s): Wilker Campos Chagas

Reu(s): Cassi Saude Familia

Advogado(s): Mauricio Cunha Doria

Sentença: S E N T E N Ç A

Vistos, etc.,

MARIA VITÓRIA SILVA, devidamente qualificada nos autos em epígrafe, por advogado legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO ORDINÁRIA COM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (OBRIGAÇÃO DE FAZER E NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL), contra CASSI- SAÚDE FAMILIA, também já qualificado, aduzindo, em síntese, que é associada ao plano de saúde CASSI -Saúde Família nº. 110 110346130 00 90, e embora venha quitando todas as suas obrigações em dia, referentes ao plano, a Ré recusou-se injustificadamente de fornecer um tratamento de urgência a qual necessita a Autora, haja vista que a mesma é portadora da enfermidade Obesidade Mórbida Grau III, crescente, possuindo, atualmente um IMC superior a 40,0, e por conta disso, desenvolveu outras co-morbidades, como Fibromialgia, Depressão, Hérnias de disco, Roncopatia com dessaturação da oxihemoglobina, com risco aumentado de DAC, oriundos do seu índice de massa corpórea elevado.
Ressalta, que está em iminente risco de vida, e que já foi submetida a várias opções terapêuticas de tratamento da obesidade, não podendo mais ingerir medicamentos anti-obesidade, uma vez que não produzem qualquer efeito que viabilize a normalização de seu estado atual.
Ademais, alega, que vem sendo acompanhada por uma médica endocrinologista há 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, a qual sugeriu, em razão do agravamento da obesidade e das comorbidades, a imediata internação da demandante em clínica médica endocrinológica especializada “Clínica SPA”.
Requer, assim, em liminar, a autorização para determinar que a Ré interne a Autora na Clínica Endocrinológica Especializada (Salute Bahia), durante o tempo necessário, até a alta, bem como o custeio de exames, terapias e procedimentos médicos. E ao final, pleiteia a procedência da ação, tornando definitiva a liminar concedida, determinando a manutenção da internação da Autora até o restabelecimento da massa corpórea ideal, bem como que seja decretada a abusividade da cláusula que restringe a cobertura do tratamento a portadores de obesidade mórbida, tornando-a nula, em face de sua prejudicialidade ao consumidor, bem como condenação em custas e honorários. Juntou os documentos de fls. 15 a 91.
Deferido o pedido liminar às fls. 93 a 95.
Devidamente citada, a parte Ré apresentou contestação às fls. 133 a 150, argüindo em preliminar a incompetência do juízo para processar e julgar a demanda e, no mérito, que o local em que a Autora foi recomendada a realizar o seu tratamento, Salute Bahia, não reflete cunho de clínica especializada, e sim, é um local de internamento em SPA, que tem a finalidade exclusiva de lazer, estando, portanto, expressamente excluído no contrato do seguro. Alega, ainda, que o contrato foi assinado pela Demandante, tendo esta declarado a ciência de todas as cláusulas. Ao final, pleiteia a improcedência dos pedidos, para que se declare a total ausência de obrigação da empresa ré em arcar com o tratamento estético de internamento da autora no SPA, face à inconteste exclusão contratual para procedimentos dessa espécie, bem como condenação da autora ao pagamento de custas e honorários advocatícios. Juntou os documentos de fls. 98 a 131 e 151 a 167.
Da decisão liminar que concedeu a tutela de urgência, o réu interpôs o Recurso de Agravo de Instrumento, juntando cópia aos autos às fls. 168 a 187.
A autora às fls. 189 a 191 juntou relatório médico com o intuito de demonstrar a eficiência do tratamento, bem como comprovar a real necessidade da renovação do internamento, requerendo-o por um período aproximado de 60 (sessenta) dias.
A autora em réplica às fls. 197 a 211, rebate argumentações trazidas na contestação e reitera os pedidos formulados na exordial.
Audiência às fls. 201, realizada no dia 09 de Maio do ano de 2009, presente a parte autora e ausente a ré, impossibilitada restou a proposta de conciliação. O advogado da demandada requereu o julgamento antecipado da lide, por não possuir outras provas a serem produzidas. Pelo MM. Juiz foi dito haver registro nos autos de regularidade dos depósitos judiciais a cargo da parte autora.
A MM. Juíza, às fls. 214, autorizou a continuidade do tratamento da demandante por mais 30 (trinta) dias, em vista do relatório médico juntado aos autos de fls. 215 a 217.

Relatado, decido.

Anuncio o julgamento antecipado da lide, uma vez que a matéria ventilada é eminentemente de direito. Tal entendimento não pode ser caracterizado como cerceamento de defesa, até mesmo por conta de que a prova objetiva munir o julgador de elementos necessários à formação de seu convencimento. Assim, dispensando o Magistrado a produção de novas provas, sinaliza o mesmo que as provas já constantes dos autos são suficientes ao seu convencimento.
A demandante pretende ver reconhecido o seu direito ao procedimento solicitado de tratamento de enfermidade, qual seja Obesidade Mórbida, cujo caráter é emergencial, pois o seu Plano de Saúde recusou-se a autorizar o procedimento sob o argumento de que não tinha cobertura contratual.
A preliminar levantada pelo demandado, quanto a incompetência deste juízo para processar e julgar a presente demanda, não procede. Isso porque, existe um vínculo contratual de assistência a saúde da Autora junto a Ré e, os contratantes individualmente tem legitimidade para pleitear em juízo pretensões referentes ao plano de saúde que aderiram, tendo o CDC, instituído pela Lei nº 8.078/90, em seu artigo 2º, estabelecido como sendo consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Na hipótese em discussão, restou caracterizada a relação de consumo, pois, contratos desta natureza se enquadram no conceito previsto na legislação especial, e a Autora é consumidora final dos serviços médicos prestados pela empresa Ré.
O CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como aquelas que regulem a autorização para procedimentos cirúrgicos.
Nota-se, que a empresa fornecedora, pretende, pelos argumentos insertos em sua contestação, fazer crer que a autora não tinha direito a cobertura do tratamento, posto que além de alegar que a clínica indicada não tem cunho de clínica especializada, afirma que o aludido SPA Salute Bahia não pertence sequer a rede credenciada da Ré.
No entanto, verifica-se que a demandante trouxe aos autos provas contundentes do seu estado clínico, demonstrando através de relatórios médicos de fls. 19 a 24 e fotos às fls. 25, que precisa de tratamento de urgência. Dessa forma, não se trata de emagrecimento com a finalidade estética, e sim, trata-se de quadro emergencial ligado a saúde da autora.
Assim, não há justificativa apresentada para fundamentar a sua recusa em prestar os serviços requeridos pela autora, serviços esses previstos em contrato celebrado entre as partes. Portanto, entende-se que a negativa de autorização para tratamento de enfermidade é abusiva, o que por si só demonstra a falta de clareza no contrato, frustrando assim, a legítima expectativa do consumidor. Mesmo porque, é dever do fornecedor, nos termos do artigo 6º, III, da lei consumerista, transmitir as informações necessárias ao consumidor de forma clara e precisa, com base nos princípios da boa fé e da transparência e seus deveres anexos de informação, cooperação e cuidado.
Analisando a recusa da seguradora quanto à alegação de que o local proposto de tratamento é inadequado, e não havendo qualquer indício de má-fé da autora/segurada, são nulas de pleno direito qualquer cláusula que contrarie os princípios supra mencionadas, principalmente o principio da lealdade nas relações contratuais que deve nortear qualquer contrato.
É mister salientar, que o local em que a autora já começou o seu tratamento é adequado para o seu quadro médico, uma vez que é voltado para redução alimentar, emagrecimento, e a prática de exercícios físicos, necessário para a obtenção do resultado desejado, bem como de melhoria de qualidade de vida.
Também, é bom que se diga que quem tem a obrigação de aferir as reais necessidades do estado do consumidor e dos recursos necessários para preservação de sua saúde é o médico, responsável pelo tratamento do paciente, que inclusive responde civilmente pelos danos causados ao mesmo em caso de erro ou negligência médica e, se a seguradora tinha fontes científicas reais para negar a cobertura de procedimento urgente e necessário em um tratamento desta natureza, deveria provar o fato impeditivo do direito da autora, uma vez que a consumidora é a parte hipossuficiente na relação de consumo. Ao contrário, os relatórios médicos apontam a urgência do tratamento para deter a obesidade mórbida e tantas outras co-morbidades que acometem a autora, bem como que o procedimento foi o mais indicado.
A jurisprudência vem a favor da autora:

“SEGURO SAÚDE. OBESIDADE MORBIDA. CIRURGIA. RECUSA DE COBERTURA. DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO. Ação ordinária de obrigação de fazer c/c pedido de indenização. Recusa da empresa administradora do plano de saúde em autorizar cirurgia. Obesidade morbida. Decisão judicial determinando a prestação do serviço. A obesidade morbida esta catalogada desde 1996 na Associação Médica Brasileira, incorporando-se às enfermidades cobertas, obrigatoriamente, pelo seguro. Logo, a partir do momento em que a moléstia e, oficialmente, reconhecida pela entidade que congrega a sociedade médica, passa a ter regular cobertura, sem que se altere o contrato original. A recusa da Seguradora de Plano de Saúde a autorizar internação para procedimento cirúrgico a hospital a ela credenciado, de paciente que necessitava de intervenção cirúrgica, constitui descumprimento abusivo do contrato. A ser de outro modo, o Capítulo - Do Objeto e a cláusula 18.0, "18.0.9" do contrato, que permite cirurgias em geral, ficariam prejudicados, uma vez que não adiantaria o atendimento pelo profissional que não pudesse realizar o seu trabalho para salvar a vida. Inocorrência de defeito na prestação do serviço ou de ilícito a ensejar a reparação por dano moral. (TJRJ; AC 3620/2005; Rio de Janeiro; Décima Quarta Camara Cível; Rel. Des. Walter Felippe D''agostino; Julg. 21/06/2005)”
“TJBA - APELAÇÃO: APL 803312009 BA 8033-1/2009
Relator(a): MARIA DA PURIFICACAO DA SILVA
Julgamento: 25/11/2009
Órgão Julgador: PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Ementa

APELAÇAO CÍVEL. AÇAO DE OBRIGAÇAO DE FAZER. AUTORIZAÇAO PARA INTERNAMENTO EM CLÍNICA DE EMAGRECIMENTO, OU SPA. PRESCRIÇAO MÉDICA. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA QUE EXCLUI DA COBERTURA A POSSIBILIDADE DO TRATAMENTO EM SPA. APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. HAVENDO INDICAÇAO MÉDICA PARA TRATAMENTO DE OBESIDADE MÓRBIDA ATRAVÉS DE INTERNAMENTO EM CLÍNICA DE EMAGRECIMENTO, OU SPA, NAO CABE À SEGURADORA NEGAR A COBERTURA SOB O ARGUMENTO DE QUE O TRATAMENTO NAO SERIA ADEQUADO AO PACIENTE, POIS JÁ TERIA SE SUBMETIDO A CIRURGIAS DE SEPTAÇAO GÁSTRICA.”

Em que pese seja a requerida uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que os contratos de planos de saúde é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está à integridade física e a vida do consumidor.
Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, prática que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual e põe em risco a vida e a saúde dos seus segurados, desnaturando o contrato de seguro saúde.
Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
Da mesma forma, constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança.
Não se pode aceitar que práticas abusivas identificadas e condenadas na legislação consumerista continuem a ser exercitadas sem qualquer tipo de censura, o que vem ensejando os Tribunais a coibir tais atitudes com o reconhecimento do direito dos usuários quanto aos serviços defeituosos fornecidos.
A obesidade mórbida, diagnosticada na autora é doença catalogada na Associação Brasileira de Médicos (AMB) desde 1996, e doenças a essa associadas, não podendo a ré negar autorização para a realização de procedimento de internação para tratamento especializado, porque recomendado pelos médicos que a acompanham em seu tratamento e essencial à sua sobrevivência e bem estar.
Portanto, reconheço a obrigação da operadora de saúde de prestar a cobertura do tratamento reclamado que não deve ser limitada por previsão contratual contida em contrato de adesão, unilateralmente redigido e contendo cláusulas abusivas e restritivas e que se contrapõe a legislação que regula a atividade e o próprio CDC.
Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo procedente a ação para reconhecer a injustiça da negativa de autorização do tratamento da autora, e confirmar a tutela antecipada que determinou a internação da mesma até o restabelecimento da sua massa corpórea ideal, ou seja, até a sua alta definitiva, declarando abusiva qualquer cláusula que restrinja a cobertura do tratamento de obesidade mórbida no caso em tela.
Condeno, ainda, a ré nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 20% (vinte por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.
P.R.I.

Salvador, 27 de junho de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza de Direito

 

 

Fonte: DJE BA