Justiça obriga Golden Cross a arcar com valor total do procedimento cirúrgico

Publicado por: redação
13/07/2011 10:30 PM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

 

0138096-36.2007.805.0001 - OBRIGACAO DE FAZER

Autor(s): Maria Das Gracas Moreno Soledade Fontes

Advogado(s): Astolfo Santos Simoes de Carvalho

Reu(s): Golden Cross Assistencia Internacional Saude Ltda

Advogado(s): Leticia dos Santos Silva

Sentença: SENTENÇA

Vistos etc.,
MARIA DAS GRAÇAS MORENO SOLEDADE FONTES e MARCO AURÉLIO FONTES, devidamente qualificados nos autos, por advogado legalmente habilitado, ajuizaram a presente AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADO COM MEDIDA LIMINAR CONTRA GOLDEN CROSS ASSISTÊNCIA INTERNACIONAL DE SAÚDE LTDA., também já qualificada, aduzindo em síntese que celebraram contrato de seguro de saúde com a Ré em 06 de Novembro de 2006, sendo o segundo autor, marido da autora, beneficiário do plano, matriculado sob o nº. 7733491401, pagando sempre em dia suas mensalidades, quando no mês de Julho de 2007, o autor fora submetido a uma tomografia computadorizada do tórax, que revelou que o mesmo é portador de nódulos pulmonares bilaterais, associados a bolhas enfisemotosas igualmente bilaterais, conforme exame médico anexo às fls. 43, necessitando dessa forma, de uma cirurgia torácica, de acordo com receituário médico às fls. 39 dos autos. Contudo, não foi autorizada a cobertura do procedimento sob o fundamento de que a seguradora ré não dispunha de médico na especialidade indicada, qual seja, cirurgião torácico, indicando que o demandante pagasse a cirurgia e depois solicitasse o reembolso, entrementes, isso seria prejudicial ao mesmo, vez que os gastos com os honorários médicos seriam muito vultuosos e desproporcionais a capacidade financeira do requerente. Alega que a negativa do procedimento pode levar ao agravamento do estado de saúde do autor e pede a antecipação de tutela para obter autorização para o procedimento com o custeio de todas as despesas relacionadas a intervenção cirúrgica, sem qualquer ônus ao mesmo. E ao final, pleiteia a procedência da ação, tornando definitiva a liminar concedida, bem como que seja decretada a abusividade da cláusula que restringe a cobertura de procedimento em caso de urgência e emergência. Juntou os documentos de fls. 08 a 48.
Deferido o pedido liminar às fls. 50 a 51.
Citada, a ré apresentou contestação às fls. 58 a 66, e sustenta que o plano adquirido pelos autores confere cobertura para o procedimento médico cirúrgico solicitado, porém, o médico escolhido para realizar a cirurgia não é referenciado à demandada, motivo pelo qual o procedimento para o pagamento dos honorários médicos é através de reembolso direto ao segurado. Alega ainda que o contrato foi assinado pelos Demandantes, tendo estes declarado a ciência de todas as cláusulas. Pede a improcedência do pedido, bem como a condenação dos autores em custas e honorários advocatícios. Juntou os documentos de fls. 67 a 109.
A autora, em petição de fls. 119 a 121, afirmou que o réu até a data de 11 de setembro de 2007, não cuidou de promover o efetivo pagamento das despesas médico-hospitalares junto à cooperativa, restando iminente o risco da demandante ter contra si executado valor cuja responsabilidade fora imputado ao demandado. Destarte, requereu desse MM. Juízo a determinação do cumprimento da liminar outrora deferida.
Da decisão liminar que concedeu a tutela de urgência, o réu interpôs o Recurso de Agravo de Instrumento, juntando cópia aos autos às fls. 123 a 135. Decisão do Recurso de Agravo de Instrumento nº. 48878-7/2007 às fls. 161 a 165, negando provimento ao mesmo.
Os autores em réplica às fls. 137 a 148, rebatem as argumentações trazidas na contestação e reiteram os pedidos formulados na exordial.
A autora, em petição de fls. 150 a 151, aduziu não ter qualquer proposta de conciliação e não ter mais provas a serem produzidas. Instado a se manifestar, o réu ficou silente, consoante certidão de fls. 168 dos autos.
Relatado, decido.

O Demandante pretende ver reconhecido o seu direito de cobertura do procedimento solicitado para realização de cirurgia com médico da especialidade indicada, a saber, cirurgião torácico, pois, o seu Plano de Saúde recusou-se a cobrir tal procedimento sob o argumento de que não existia nenhum médico credenciado na especialidade apontada.
O CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como aquelas que regulem a autorização para procedimentos cirúrgicos.
Nota-se, que a empresa fornecedora, pretende, pelos argumentos insertos em sua contestação, justificar a injusta negativa do pagamento dos honorários médicos pela falta de referenciamento à seguradora demandada, uma vez que o contrato prevê que quando o segurado escolher a opção que lhe for mais conveniente em relação ao procedimento a ser realizado, posteriormente será reembolsado.
Ressalte-se que é dever do fornecedor, nos termos do artigo 6º, III, da lei consumerista, transmitir as informações necessárias ao consumidor de forma clara e precisa, com base nos princípios da boa fé e da transparência e seus deveres anexos de informação, cooperação e cuidado.
Analisando a recusa da seguradora quanto à alegada pertinência do pagamento dos honorários médicos para realização de intervenção cirúrgica no hospital Espanhol, nota-se que as cláusulas contratuais indicadas para a cobertura não se enquadram de forma clara no objeto do pedido, nem há qualquer indício de má-fé do autor/segurado, mesmo porque, ainda que o fosse, era da seguradora o ônus de provar o fato impeditivo do direito do autor e ter adotado todas as cautelas, podendo ter exigido outros exames médicos e elaborar laudo demonstrativo da inexistência da emergência ou urgência para o procedimento. Ao contrário, o receituário médico de fls. 34 e exame médico de fls. 43 apontam a urgência do internamento, tendo em vista a instabilidade do quadro apresentado pelo autor, sendo procedimento necessário à sua melhora.
Isso demonstra que quem tem a capacidade de aferir as reais necessidades do estado do consumidor e dos recursos necessários para preservação de sua saúde é o médico responsável pelo tratamento, que inclusive responde civilmente pelos danos causados ao seu paciente em caso de erro ou negligência médica e se a seguradora tinha fontes científicas reais para saber que não se tratava de emergência médica para negar autorização para a realização da cirurgia com o médico indicado deveria manter contato com o mesmo, para verificar a situação clínica e médica do autor uma vez que este é a parte hipossuficiente na relação de consumo.
No caso sub exame, verifica-se que o estado do autor impõe risco acentuado para sua saúde, tendo em vista a gravidade do prognóstico, o que pode ocasionar outros prejuízos à integridade física do autor ou mesmo resultar em sua morte.

A jurisprudência vem a favor do autor:
“TRF2 - APELAÇÃO CIVEL: AC 404839 RJ 2005.50.01.005882-0 Relator(a): Desembargador Federal FREDERICO GUEIROS Julgamento: 11/05/2009 Órgão Julgador: SEXTA TURMA ESPECIALIZADA Publicação: DJU - Data:21/05/2009 - Página:92/100
SEGURO SAÚDE. REEMBOLSO DE HONORÁRIOS MÉDICOS. PROFISSIONAL NÃO CREDENCIADO. URGÊNCIA, RARIDADE E COMPLEXIDADE DA PATOLOGIA. EXISTÊNCIA DE PROFISSIONAL CREDENCIADO NÃO DEMONSTRADA. AFASTADA A LIMITAÇÃO DO REEMBOLSO PARA GARANTIR O TRATAMENTO ADEQUADO AO SEGURADO. SENTENÇA MANTIDA.
1 - Conquanto não haja abusividade em cláusulas que determinam a realização de cirurgias em hospitais e por médicos credenciados, está demonstrado nos autos a urgência, a gravidade, a dificuldade e complexidade do tratamento, a justificar a necessidade do especialista, indicado pelo neurocirurgião credenciado que primeiro atendeu o segurado.
2 - A Ré limitou-se a apontar Hospitais e profissionais, sem demonstrar minimamente que estariam aptos a executar os diversos procedimentos cirúrgicos que se farão necessários ao longo da vida do segurado.
3 - A aplicação da cláusula contratual limitadora de reembolso "livre escolha" só pode ser admitida se a escolha for efetivamente livre, ou seja, a rede credenciada deve estar apta a fornecer serviço por profissional de mesmo gabarito. De fato, a apelada encontra-se limitada em sua escolha pela raridade da patologia que exige intervenções cirúrgicas para extirpar tumores que surgem com crescimento acelerado no oitavo nervo do crânio, procedimento bastante delicado que exige do profissional habilidade ímpar. 4 em cláusulas contratuais distintas, cujo conflito se resolve pela ponderação. 5 - A mens legis ao prever a limitação para reembolso, buscou, além de manter a saúde financeira das administradoras de planos de saúde, limitar abusos no uso dos serviços médicos. Tal limitação não pode, contudo, impor risco de vida ao segurado, que não pode ser alijado do tratamento considerado mais adequado e preciso. 6 - Não há duvidas que se deve priorizar a função social do contrato e o princípio da boa-fé, já que não há qualquer excludente ao tratamento da neurofibromatose tipo II e não há especialista credenciado apto a assumir o tratamento. 7 - Recurso de Apelação improvido. Agravo interno prejudicado.”- Se de um lado temos o princípio da força obrigatória dos contratos, de outro, temos a dignidade e vida da pessoa humana, expressos concretamente

Note-se que nas hipóteses de internamento, como é o caso em análise, o plano de saúde deve garantir a internação desde a admissão do paciente até a sua alta visando à preservação da vida, órgãos e funções do paciente não tem exceção, devendo abarcar os honorários do profissional habilitado para realizar o procedimento, no caso, o médico responsável pelo acompanhamento do estado clínico do autor, devendo seguir a condição especial estipulada porque não pode ser sacrificada uma vida diante da situação emergencial em que se encontrava, nem sido imposto ao autor, de maneira surpreendente, o ônus de suportar as despesas oriundas de tratamento de urgência.
Portanto, a utilização dos serviços nos casos de emergências não pode ser tratada da mesma forma param os demais casos, em que o segurado pode esperar por atendimento sem sofrer risco de lesão grave da sua saúde.
Injusto, como pretendido pelo réu, não autorizar o pagamento dos honorários médicos para realização do procedimento necessário à salvaguarda da saúde do autor que se encontrava em situação de emergência.
Isso porque em caso de urgência ou emergência, o art. 12, § 2o, inciso I, da Lei n. 9.656, de 03.06.98, que regulamenta os Planos de Saúde, dispõe que:
“ § 2º - É obrigatória cobertura do atendimento nos casos:
I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;
II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional.
§ 3º Nas hipóteses previstas no parágrafo anterior, é vedado o estabelecimento de carências superiores a três dias úteis.”
Em que pese seja a requerida uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que os contratos de planos de saúde é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está a integridade física e a vida do consumidor.
Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, pratica que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual.
Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
Constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança, causando ao autor o conseqüente constrangimento de ter negado o pagamento integral do das despesas realizadas com a cirurgia de emergência, o que não ocorreria caso esta fosse mais diligente com os seus clientes.
Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo procedente a ação para reconhecer a injustiça da negativa do pagamento dos honorários médicos do profissional solicitado e confirmar a tutela antecipada deferida e determinar que a empresa ré arque com o valor total do procedimento, acrescido de juros legais e correção monetária a contar do pagamento até o efetivo reembolso.
Condeno, ainda, os réus ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.

P.R.I.

Salvador, 29 de Junho de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza Titular da 29ª Vara de Relações de Consumo