Justiça determina que a Geap Fundacao de Seguridade Social arque com o valor total de procedimento médico

Publicado por: redação
14/07/2011 03:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

 

0001340-88.2005.805.0001 - ORDINARIA

Autor(s): Telomo Augusto De Oliveira Lago

Advogado(s): Cláudio Calmon da Silva Brasileiro

Reu(s): Geap Fundacao De Seguridade Social

Advogado(s): Wolmar Alcântara dos Santos

Sentença: SENTENÇA

Vistos etc.,
TELMO AUGUSTO DE OLIVEIRA LAGO, devidamente qualificado nos autos, por advogado legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO LIMINAR DE TUTELA ESPECÍFICA CONTRA GEAP - FUNDAÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL, também já qualificada, aduzindo em síntese que celebrou contrato de seguro de saúde com a Ré, pagando o benefício há muitos anos, sendo internado na Clínica Holos em 24 de Dezembro do ano de 2004 em caráter de urgência por apresentar quadro de agitação psicomotora grave com risco de vida, necessitando de tratamento psiquiátrico, consoante relatório médico de fls. 08 a 10 dos autos. Contudo, não foi autorizado o procedimento solicitado sob o fundamento de que o mesmo não tem cobertura contratual. Ao final, pede a antecipação de tutela para obter autorização para o tratamento com o custeio de todas as despesas relacionadas ao procedimento, sem qualquer ônus ao mesmo, até o restabelecimento de sua saúde, pleiteando a procedência da ação, tornando definitiva a liminar concedida, bem como condenação em custas e honorários advocatícios. Juntou os documentos de fls. 07 a 14.
Deferido o pedido liminar às fls. 16 a 17.
Citada, a ré apresentou contestação às fls. 22 a 43, aduzindo no mérito que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor a presente lide por não se tratar a ré de fornecedora ou empresa que vise lucro, sendo uma operadora de saúde na modalidade de autogestão, arguindo ainda que se negou a autorizar a realização do procedimento médico porque não mantém convênio com o profissional apontado para o tratamento do autor, indicando que este pagasse as despesas com o procedimento e, posteriormente solicitasse o reembolso conforme tabelas da seguradora ré vigentes para o Estado da Bahia. Alega, ainda, que o contrato foi assinado pelo demandante, tendo este declarado a ciência de todas as cláusulas. Outrossim, suscitou previamente violação de dispositivos da Constituição Federal para fins de prequestionamento. Pede a improcedência do pedido, e autorização para depósito em juízo do valor de R$ 32.340,37 (trinta e dois mil, trezentos e quarenta reais e trinta e sete centavos), entretanto, sem o seu levantamento por qualquer das partes até o trânsito em julgado da sentença. Juntou os documentos de fls. 44 a 122.
O autor em réplica às fls. 124 a 130, rebateu as argumentações trazidas na contestação e reiterou os pedidos formulados na exordial.
Em petição de fls. 132 a 133, a ré manifestou-se sobre a impossibilidade de conciliação e a desnecessidade da produção de provas.
A parte autora não se manifestou dentro do prazo concedido pelo MM. Juiz para informar se tinha proposta de conciliação ou mais provas a serem produzidas, conforme certidão de fls. 135.
Relatado, decido.

O Demandante pretende ver reconhecido o seu direito de cobertura do procedimento solicitado para realização de tratamento psiquiátrico, ministrado na clínica Holos Saúde Desenvolvimento Pessoal, pois, o seu Plano de Saúde recusou-se a cobrir tal procedimento sob o argumento de que não tem profissional credenciado para o tratamento na especialidade apontada.
O CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como aquelas que regulem a autorização para procedimentos cirúrgicos.
Insta salientar que, existe um vínculo contratual de assistência a saúde do Autor junto a Ré, visto que, os contratantes individualmente tem legitimidade para pleitear em juízo pretensões referentes ao plano de saúde que aderiram. Além disso o CDC, instituído pela Lei nº 8.078/90, em seu artigo 2º, estabeleceu como sendo consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Na hipótese em discussão, restou caracterizada a relação de consumo, pois, contratos desta natureza se enquadram no conceito previsto na legislação especial, e o Autor é consumidor final dos serviços médicos prestados pela empresa Ré.
Nota-se, que a empresa fornecedora, pretende, pelos argumentos insertos em sua contestação, justificar a injusta negativa do tratamento solicitado na Clínica Holos pela falta de referenciamento à seguradora demandada, uma vez que o contrato prevê que quando ao segurado, em casos de urgência ou emergência, não for possível a utilização dos serviços próprios, posteriormente será reembolsado das despesas efetuadas.
No entanto, a seguradora não impugnou os documentos apresentados pelo autor de que o tratamento a que necessita ser submetido é necessário devido ao seu quadro clínico e que não teve oportunidade de escolher outro tratamento médico porque já se submeteu aqueles convencionais e não obteve êxito, em decorrência do procedimento prescrito para o mesmo só ser ministrado na clínica Holos. Também não trouxe aos autos qualquer documento e outro meio que provasse que existem outros tratamentos mais eficazes para conter a doença sofrida pelo autor. Mesmo porque, é dever do fornecedor, nos termos do artigo 6º, III, da lei consumerista, transmitir as informações necessárias ao consumidor de forma clara e precisa, com base nos princípios da boa fé e da transparência e seus deveres anexos de informação, cooperação e cuidado.
Analisando a recusa da seguradora quanto à alegada pertinência da negativa de internação hospital prescrito pelo médico que assiste o autor, nota-se que as cláusulas contratuais indicadas para a cobertura não se enquadram de forma clara no objeto do pedido, nem há qualquer indício de má-fé do autor/segurado, mesmo porque, ainda que o fosse, era da seguradora o ônus de provar o fato impeditivo do direito do autor e ter adotado todas as cautelas, podendo ter exigido outros exames médicos e elaborar laudo demonstrativo da inexistência da necessidade do procedimento, sem que lhe fosse causado risco de morte. Ao contrário, o relatório médico de fls. 08 a 10, aponta a necessidade do tratamento solicitado e que o procedimento foi o mais indicado devido a gravidade do quadro clínico do paciente.
Isso demonstra que quem tem a capacidade de aferir as reais necessidades do estado do consumidor e dos recursos necessários para preservação de sua saúde é o médico responsável pelo tratamento, que inclusive responde civilmente pelos danos causados ao seu paciente em caso de erro ou negligência médica e se a seguradora tinha fontes científicas reais para negar a existência da emergência médica para cobertura integral do valor pago pelo procedimento deveria manter contato com o médico responsável para verificar a situação clínica e médica do consumidor, uma vez que este é a parte hipossuficiente na relação de consumo.
No caso sub exame, diante da análise dos documentos carreados pelo Réu pode se inferir a existência de situação de gravidade da enfermidade do autor que autoriza a realização dos procedimentos solicitados pelo médico que acompanha seu tratamento.
Isso porque as situações de doenças graves são tratadas de forma diferenciada como vem entendendo a jurisprudência pátria:
Processo:
AC 5900694800 SP
Relator(a):
Francisco Loureiro
Julgamento:
18/12/2008
Órgão Julgador:
4ª Câmara de Direito Privado
Publicação:
12/01/2009
Ementa
PLANO DE SAÚDE:
Tratamento decorrente de distúrbios psiquiátricos - Negativa de cobrir o tratamento da co-autora, sob o fundamento de que o hospital escolhido não é credenciado da seguradora e o referido tratamento não é coberto pela ré - Preliminares afastadas - Típica relação de consumo - Atividade regida pelo Código de Defesa do Consumidor - Irrelevância da natureza jurídica pela qual se constituiu a prestadora de serviços - Autora se valeu de inúmeros tratamento, sem nenhum resultado positivo - Chance do tratamento ser eficaz - Negativa de cobertura manifestadamente ilegal - Cobertura de moléstia que obriga a operadora a manter a devida terapia, ou a proporcionar o tratamento em estabelecimentos não conveniados - Descumprimento da tutela antecipada não verificado - Verba honorária fixada sobre o valor da condenação - Recursos improvidos.

“TRF2 - APELAÇÃO CIVEL: AC 404839 RJ 2005.50.01.005882-0 Relator(a): Desembargador Federal FREDERICO GUEIROS Julgamento: 11/05/2009 Órgão Julgador: SEXTA TURMA ESPECIALIZADA Publicação: DJU - Data:21/05/2009 - Página:92/100
SEGURO SAÚDE. REEMBOLSO DE HONORÁRIOS MÉDICOS. PROFISSIONAL NÃO CREDENCIADO. URGÊNCIA, RARIDADE E COMPLEXIDADE DA PATOLOGIA. EXISTÊNCIA DE PROFISSIONAL CREDENCIADO NÃO DEMONSTRADA. AFASTADA A LIMITAÇÃO DO REEMBOLSO PARA GARANTIR O TRATAMENTO ADEQUADO AO SEGURADO. SENTENÇA MANTIDA.
1 - Conquanto não haja abusividade em cláusulas que determinam a realização de cirurgias em hospitais e por médicos credenciados, está demonstrado nos autos a urgência, a gravidade, a dificuldade e complexidade do tratamento, a justificar a necessidade do especialista, indicado pelo neurocirurgião credenciado que primeiro atendeu o segurado.
2 - A Ré limitou-se a apontar Hospitais e profissionais, sem demonstrar minimamente que estariam aptos a executar os diversos procedimentos cirúrgicos que se farão necessários ao longo da vida do segurado.
3 - A aplicação da cláusula contratual limitadora de reembolso "livre escolha" só pode ser admitida se a escolha for efetivamente livre, ou seja, a rede credenciada deve estar apta a fornecer serviço por profissional de mesmo gabarito. De fato, a apelada encontra-se limitada em sua escolha pela raridade da patologia que exige intervenções cirúrgicas para extirpar tumores que surgem com crescimento acelerado no oitavo nervo do crânio, procedimento bastante delicado que exige do profissional habilidade ímpar. 4 em cláusulas contratuais distintas, cujo conflito se resolve pela ponderação. 5 - A mens legis ao prever a limitação para reembolso, buscou, além de manter a saúde financeira das administradoras de planos de saúde, limitar abusos no uso dos serviços médicos. Tal limitação não pode, contudo, impor risco de vida ao segurado, que não pode ser alijado do tratamento considerado mais adequado e preciso. 6 - Não há duvidas que se deve priorizar a função social do contrato e o princípio da boa-fé, já que não há qualquer excludente ao tratamento da neurofibromatose tipo II e não há especialista credenciado apto a assumir o tratamento. 7 - Recurso de Apelação improvido. Agravo interno prejudicado.”- Se de um lado temos o princípio da força obrigatória dos contratos, de outro, temos a dignidade e vida da pessoa humana, expressos concretamente

Note-se que nas hipóteses de internamento, como é o caso em análise, o plano de saúde deve garantir a internação desde a admissão do paciente até a sua alta visando à preservação da vida, órgãos e funções do paciente não tem exceção, devendo abarcar os honorários do profissional habilitado para realizar o procedimento, no caso, o médico responsável pelo acompanhamento do estado clínico do autor, devendo seguir a condição especial estipulada porque não pode ser sacrificada uma vida diante da situação emergencial em que se encontrava, nem sido imposto ao autor, de maneira surpreendente, o ônus de suportar as despesas oriundas de tratamento de urgência.
Portanto, a utilização dos serviços nos casos de emergências não pode ser tratada da mesma forma param os demais casos, em que o segurado pode esperar por atendimento sem sofrer risco de lesão grave da sua saúde.
Injusto, como pretendido pelo réu, não autorizar a realização dos procedimentos necessários à preservação da saúde do autor.
Em que pese seja a requerida uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que os contratos de planos de saúde é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está a integridade física e a vida do consumidor.
Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, pratica que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual.
Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
Constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança, causando ao autor o conseqüente constrangimento de ter negada autorização para a realização do tratamento médico, o que não ocorreria caso esta fosse mais diligente com os seus clientes.
Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo procedente a ação para reconhecer a injustiça da negativa de autorização, e confirmar a tutela antecipada deferida e determinar que a empresa ré arque com o valor total do procedimento, acrescido de juros legais e correção monetária a contar do pagamento até o efetivo reembolso.

P.R.I.

Salvador, 27 de Junho de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza Titular da 29ª Vara de Relações de Consumo