Decisão judicial obriga Golden Cross a internamento de paciente com o custeio de todos os procedimentos necessários

Publicado por: redação
14/07/2011 05:30 AM
Exibições: 50

Inteiro teor da decisão:

 

 

0106032-36.2008.805.0001 - OBRIGACAO DE FAZER

Apensos: 2455907-5/2009

Autor(s): Lucas Figueiredo Oliveira, Gilvan Nunes Oliveira

Advogado(s): Ivanildo Morais Assis

Reu(s): Golden Cross Assistencia Internacional De Saude

Advogado(s): André Magno Silva Bezerra

Sentença: Vistos etc,
LUCAS FIGUEIREDO OLIVEIRA representado por seu genitor GILVAN NUNES OLIVEIRA, devidamente qualificado nos autos, por advogado legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA INAUDITA ALTERA PARS, CONTRA GOLDEN CROSS - ASSISTÊNCIA INTERNACIONAL DE SAÚDE LTDA., também já qualificada, aduzindo em síntese que celebrou contrato de seguro de saúde com a Ré, sendo beneficiário da mesma sob matrícula nº. 78708516-00, estando regularmente em dia com o pagamento de suas mensalidades. Aduz que, no dia 16.07.2008, o autor menor impúbere, nascido em 05.03.2008, foi internado com urgência no Hospital Salvador, após ser socorrido pela ambulância Vital Med, acometido de intoxicação severa, sendo mantido na emergência durante doze horas, necessitando permanecer internado com o uso de medicação e hidratação venosa, consoante receituário médico às fls. 14 dos autos, o que foi negado pelo réu. Alega que a negativa do procedimento é ilegal e pede a antecipação de tutela para obter autorização para o internamento, com o custeio de todos os procedimentos decorrentes deste, bem como a condenação em custas e honorários. Ainda, requereu a indenização por danos morais em valor não inferior a 50 (cinquenta) salários mínimos. Juntou os documentos de fls. 12 a 21.
Deferido o pedido liminar às fls. 23 a 24.
Citada, a ré apresentou contestação às fls. 32 a 42, argüindo que não há cobertura para permanência da autora na emergência por período superior a doze horas, tendo em vista que a contratante não cumpriu o período de carência de 180 (cento e oitenta dias), já que firmou o contrato em 27/03/2008 e requereu a prestação do serviço hospitalar em 16/07/2008. Alega, ainda, que o contrato foi assinado pela Demandante, tendo esta declarado a ciência de todas as cláusulas. Pede a improcedência do pedido, com a condenação em custas e honorários advocatícios, juntando os documentos de fls. 43 a 99.
O autor em réplica às fls. 102 a 107, rebate as argumentações trazidas na contestação e reitera os pedidos formulados na exordial.
O Ministério Público do Estado da Bahia manifestou-se nos autos às fls. 112 a 113, aduzindo ser legítima a intervenção da Promotoria da Justiça, nos termos do art. 82 , I, do Código de Processo Civil, reservando-se o pronunciamento sobre o mérito da causa para momento oportuno.
Audiência às fls. 123, realizada no dia 15 de Fevereiro de 2011, presente as partes e o Ilustre representante do Ministério Público, foi proposta a conciliação, tendo a parte autora recusado a proposta da parte ré. As partes declararam não terem mais provas a serem produzidas. O representante do Ministério Público disse que do exame dos autos não há negar caráter satisfativo da medida liminar concedida, o que há de ser confirmada tendo em vista que a situação era de urgência, o que faz sucumbir a tese defendida pela parte ré com relação ao período de apenas doze horas de internamento previsto no contrato. Por outro lado, não vislumbrou os danos morais alegados, a uma, porque mera discussão de cláusula contratual não enseja condenação por danos morais, a duas, porque o sofrimento psicológico alegado na exordial restringe-se aos representantes do autor menor, não a este, mormente considerando a ausência de discernimento de uma criança de apenas 4 (quatro) meses de idade, sobremaneira porque não houve solução de continuidade do internamento a causar lesão à integridade física do paciente, ao revés, com o deferimento da liminar, a saúde foi totalmente salvaguardada, manifestando-se o Ministério Público pela procedência parcial dos pedidos.
Anuncio o julgamento antecipado da lide uma vez que a matéria é eminentemente de direito.

Relatado, decido.

O Demandante pretende ver reconhecido o seu direito de cobertura do procedimento solicitado a fim de manter a internação do autor, que padece de intoxicação severa, pois o Plano de Saúde Demandado recusou-se a cobrir tal procedimento sob o argumento de que se tratava de procedimento expressamente excluído da cobertura contratual.
O CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como aquelas que regulem a autorização para procedimentos cirúrgicos.
Nota-se, que a empresa fornecedora, pretende, pelos argumentos insertos em sua contestação, fazer crer que o autor não tinha direito a cobertura porque estava no período de carência do seu contrato. No entanto, a seguradora não impugnou os documentos apresentados pelo autor de que o internamento solicitado era de emergência devido ao seu quadro clínico.
Ressalte-se que é dever do fornecedor, nos termos do artigo 6º, III, da lei consumerista, transmitir as informações necessárias ao consumidor de forma clara e precisa, com base nos princípios da boa fé e da transparência e seus deveres anexos de informação, cooperação e cuidado.
Analisando a recusa da seguradora quanto à alegada pertinência do internamento hospital de urgência do autor, nota-se que as cláusulas contratuais indicadas para a cobertura não se enquadram de forma clara no objeto do pedido, nem há qualquer indício de má-fé do autor/segurado, mesmo porque, ainda que o fosse, era da seguradora o ônus de provar o fato impeditivo do direito do autor e ter adotado todas as cautelas, podendo ter exigido outros exames médicos e elaborar laudo demonstrativo da inexistência da emergência ou urgência para o procedimento. Ao contrário, o receituário médico de fls. 14 aponta a urgência do internamento, tendo em vista a instabilidade e a complicação do quadro apresentado pelo autor, que teve de ser novamente internado, sendo procedimento necessário à sua melhora.
Isso demonstra que quem tem a capacidade de aferir as reais necessidades do estado do consumidor e dos recursos necessários para preservação de sua saúde é o médico responsável pelo tratamento, que inclusive responde civilmente pelos danos causados ao seu paciente em caso de erro ou negligência médica e se a seguradora tinha fontes científicas reais para saber que não se tratava de emergência médica para negar autorização para o internamento deveria manter contato com o médico responsável para verificar a situação clínica e médica do autor uma vez que este é a parte hipossuficiente na relação de consumo.
No caso sub exame, verifica-se que o estado do autor impõe risco acentuado para sua saúde, tendo em vista a gravidade da intoxicação apresentada pelo mesmo e sua faixa etária de vida, a saber, 4 (quatro) meses, o que pode ocasionar outros prejuízos à integridade física do autor ou mesmo resultar em sua morte.
Note-se que as situações de emergências e urgências são tratadas de forma diferenciada, inclusive quanto ao prazo de carência, pois, nestas situações, como ocorreu com o Autor, não se discute a existência dos prazos de carências contratualmente estabelecidos.
Veja jurisprudência neste sentido:
"PLANO DE SAÚDE. PRAZO DE CARÊNCIA. INTERNAÇÃO DE URGÊNCIA. O prazo de carência não prevalece quando se trata de internação de urgência, provocada por fato imprevisível causado por acidente de trânsito. Recurso conhecido e provido." (STJ - RESP 222339 - 28/06/2001 - fonte: Informa Jurídico 27a ed.).
Nota-se que está previsto no contrato que a situação de emergência definida nas condições gerais do contrato como evento em que há necessidade de atuação médica imediata e somente há limitação de 12 horas para os casos de cobertura ambulatorial. Nas hipóteses de internamento, como é o caso em análise, o plano de saúde deve garantir a internação desde a admissão do paciente até a sua alta visando à preservação da vida, órgãos e funções do paciente não tem exceção quanto a carência, devendo seguir a condição especial estipulada porque não pode ser sacrificada uma vida diante da situação emergencial em que se encontrava.
Portanto, a utilização dos serviços nos casos de emergências não pode ser tratada da mesma forma param os demais casos, em que o segurado pode esperar por atendimento sem sofrer risco de lesão grave da sua saúde.
Injusto, como pretendido pelo réu, não autorizar o internamento do autor que se encontrava em situação de emergência.
Isso porque em caso de urgência ou emergência, há um afastamento da incidência da cláusula que prevê a carência, em face ao disposto no art. 12, § 2o, inciso I, da Lei n. 9.656, de 03.06.98, que regulamenta os Planos de Saúde, conforme transcrevo abaixo:
“ § 2º - É obrigatória cobertura do atendimento nos casos:
I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;
II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional.
§ 3º Nas hipóteses previstas no parágrafo anterior, é vedado o estabelecimento de carências superiores a três dias úteis.”
A jurisprudência vem se posicionando neste sentido, conforme transcrevo abaixo decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

RELATOR: Paulo Sérgio Scarparo
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. HÉRNIA INGUINAL ENCARCERADA. PLANO HOSPITALAR. PERÍODO DE CARÊNCIA. TRATAMENTO DE EMERGÊNCIA. COBERTURA DEVIDA. 1. A carência máxima admitida para tratamentos de casos de emergência - que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente é de vinte e quatro horas (art. 12, V, c, da Lei n. 9.656/1998). 2. Nos planos hospitalares, a restrição do atendimento de emergência limita-se ao âmbito ambulatorial.
DATA DE JULGAMENTO: 02/04/2008
PUBLICAÇÃO: Diário de Justiça do dia 09/04/2008

Em que pese seja a requerida uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que os contratos de planos de saúde é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está a integridade física e a vida do consumidor.
Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, pratica que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual.
Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
Constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança, causando ao autor o conseqüente constrangimento de ter negado o pagamento integral do das despesas realizadas com a cirurgia de emergência, o que não ocorreria caso esta fosse mais diligente com os seus clientes.
Quanto ao pedido de danos morais, podemos constatar que o ordenamento jurídico aplicável ao consumidor, visa amparar o cidadão para evitar injustiças e violação de princípios relevantes, principalmente quando o contrato se caracteriza como de adesão, porque, nestes é flagrante a vulnerabilidade do consumidor, em vista da discrepância de conhecimentos técnicos e econômicos entre as partes.
Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
No caso em exame, não resta dúvida, que o requerente não sofreu constrangimentos, desassossego, transtornos, aborrecimentos e desconforto, visto que à época da ocorrência da negativa de cobertura contratual de internação de urgência solicitada, o demandante tinha 4 (quatro) meses de vida, sendo menor impúbere, restringindo-se a dor moral aos seus representantes legais, pelo que resta incabível o pedido de indenização por danos morais.
Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo procedente a ação para reconhecer a injustiça da negativa do internamento solicitado e confirmar a tutela antecipada deferida e determinar que a empresa ré arque com o valor total do procedimento, acrescido de juros legais e correção monetária a contar do pagamento até o efetivo reembolso.
Condeno, ainda, os réus ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.

P.R.I.

Salvador, 27 de Junho de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza Titular da 29ª Vara de Relações de Consumo