Decisão judicial condena Sul América a autorizar e custear tratamento em paciente com obesidade mórbida

Publicado por: redação
14/07/2011 08:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

 

0158623-48.2003.805.0001 - Ação Civil Coletiva

Apensos: 486669-5/2004

Autor(s): Stelita Britto De Oliveira

Advogado(s): Maria de Fátima Fraga Silva

Reu(s): Sul America Seguro Saude

Advogado(s): Maria Auxiliadora Garcia Durán Alvarez

Sentença: S E N T E N Ç A

Vistos, etc.,

STELITA BRITTO DE OLIVEIRA, devidamente qualificada nos autos em epígrafe, por advogado legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE LIMINAR EM CARÁTER DE URGÊNCIA URGENTÍSSIMA INALDITA ALTERA PARS, contra SUL AMÉRICA SEGURO SAÚDE S/A, também já qualificado, aduzindo, em síntese, que é associada ao plano de saúde da parte ré, e embora venha quitando todas as suas obrigações em dia, referentes ao plano, a Ré recusou-se injustificadamente de fornecer um tratamento de urgência a qual necessita a Autora, haja vista que a mesma é portadora da enfermidade Obesidade Mórbida Grau III, possuindo, atualmente um IMC de 42,3 e 113 kg, e por conta disso, desenvolveu outras comorbidades, como Hipertensão arterial sistêmica severa e Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAC), oriundas do seu índice de massa corpórea elevado.
Ressalta, que está em iminente risco de vida, e que já foi submetida a várias opções terapêuticas de tratamento da obesidade, não podendo mais ingerir medicamentos anti-obesidade, por ter apresentado efeitos colaterais com o uso dos mesmos, consoante relatório médico às fls. 14, além de que, não produzem qualquer efeito que viabilize a normalização de seu estado atual.
Ademais, alega, que vem sendo acompanhada por um médico endocrinologista, o qual sugeriu, em razão do agravamento da obesidade e das comorbidades, a imediata internação do demandante em clínica médica endocrinológica especializada “Clínica SPA”.
Requer, assim, em liminar, a autorização para determinar que a Ré interne a Autora na Clínica Endocrinológica Especializada (Salute Bahia), durante o tempo necessário, até a alta, bem como o custeio de exames, terapias e procedimentos médicos. E ao final, pleiteia a procedência da ação, tornando definitiva a liminar concedida, determinando a manutenção da internação da Autora até o restabelecimento da massa corpórea ideal, bem como condenação em custas e honorários. Juntou os documentos de fls. 12 a 26; 33 a 37; 42 a 50; 51 a 65.
Indeferido o pedido dos benefícios da assistência judiciária gratuita às fls. 28.
A autora, em petição de fls. 30 a 31, retificou a exordial em relação ao valor da causa, atribuindo à mesma o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), tendo o MM. Juiz deferido o pedido.
Devidamente citada, a parte Ré apresentou contestação às fls. 68 a 81, argüindo no mérito, que o local em que a Autora foi recomendada a realizar o seu tratamento, Salute Bahia, não reflete cunho de clínica especializada, e sim, é um local de internamento em SPA, que tem a finalidade exclusiva de lazer, estando, portanto, expressamente excluído no contrato do seguro. Ao final, pleiteia a improcedência dos pedidos, para que se declare a total ausência de obrigação da empresa ré em arcar com o tratamento estético de internamento da autora no SPA, face à inconteste exclusão contratual para procedimentos dessa espécie, bem como condenação da autora ao pagamento dos honorários advocatícios. Juntou os documentos de fls. 82 a 126.
A autora em réplica às fls. 131 a 138, rebate argumentações trazidas na contestação e reitera os pedidos formulados na exordial.
A parte ré, às fls. 149, informou que não há possibilidade de acordo, dispensando a realização de audiência de conciliação, aduzindo, ainda, que não há outras provas a produzir. Juntou documentos de fls. 150 a 171.
Audiência às fls. 176, realizada no dia 09 de Maio do ano de 2009, ausente a parte autora, bem como seu advogado, presente a parte ré, através de seu preposto e advogado, restando impossibilitada a conciliação.
Outra audiência realizada às fls. 180, no dia 12 de novembro de 2009, ausente a parte autora, bem como seu advogado, presente a parte ré, através de seu advogado, foi proposta a conciliação, porém não foi possível qualquer acordo. A ré expôs não ter mais provas a serem produzidas.

Relatado, decido.

Anuncio o julgamento antecipado da lide, uma vez que a matéria ventilada é eminentemente de direito. Tal entendimento não pode ser caracterizado como cerceamento de defesa, até mesmo por conta de que a prova objetiva munir o julgador de elementos necessários à formação de seu convencimento. Assim, dispensando o Magistrado a produção de novas provas, sinaliza o mesmo que as provas já constantes dos autos são suficientes ao seu convencimento.
A demandante pretende ver reconhecido o seu direito ao procedimento solicitado de tratamento de enfermidade, qual seja, Obesidade Mórbida, cujo caráter é emergencial, pois o seu Plano de Saúde recusou-se a autorizar o procedimento sob o argumento de que não tinha cobertura contratual.
Primeiramente, insta salientar que existe um vínculo contratual de assistência a saúde da Autora junto a Ré, sendo que os contratantes individualmente tem legitimidade para pleitear em juízo pretensões referentes ao plano de saúde que aderiram. Além disso o CDC, instituído pela Lei nº 8.078/90, em seu artigo 2º, estabeleceu como sendo consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Na hipótese em discussão, restou caracterizada a relação de consumo, pois, contratos desta natureza se enquadram no conceito previsto na legislação especial, e a Autora é consumidora final dos serviços médicos prestados pela empresa Ré.
O CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como aquelas que regulem a autorização para procedimentos cirúrgicos.
Nota-se, que a empresa fornecedora, pretende, pelos argumentos insertos em sua contestação, fazer crer que a autora não tem direito a cobertura do tratamento, posto que além de alegar que a clínica indicada não tem cunho de clínica especializada, afirma que o aludido SPA Salute Bahia não pertence sequer a rede credenciada da Ré.
No entanto, verifica-se que a demandante trouxe aos autos provas contundentes do seu estado clínico, demonstrando através de relatórios médicos de fls. 14, 37 e 64, e fotos às fls. 58, que precisa de tratamento de urgência. Dessa forma, não se trata de emagrecimento com a finalidade estética, e sim, trata-se de quadro emergencial ligado a saúde da autora.
Assim, não há justificativa apresentada para fundamentar a sua recusa em prestar os serviços requeridos pela autora, serviços esses previstos em contrato celebrado entre as partes. Portanto, entende-se que a negativa de autorização para tratamento de enfermidade é abusiva, o que por si só demonstra a falta de clareza no contrato, frustrando assim, a legítima expectativa do consumidor. Mesmo porque, é dever do fornecedor, nos termos do artigo 6º, III, da lei consumerista, transmitir as informações necessárias ao consumidor de forma clara e precisa, com base nos princípios da boa fé e da transparência e seus deveres anexos de informação, cooperação e cuidado.
Analisando a recusa da seguradora quanto à alegação de que o local proposto de tratamento é inadequado, e não havendo qualquer indício de má-fé da autora/segurada, são nulas de pleno direito qualquer cláusula que contrarie os princípios supra mencionadas, principalmente o princípio da lealdade nas relações contratuais que deve nortear qualquer contrato.
É mister salientar, que o local em que a autora pretende iniciar o seu tratamento é adequado para o seu quadro médico, uma vez que é voltado para redução alimentar, emagrecimento, e a prática de exercícios físicos, necessário para a obtenção do resultado desejado, bem como de melhoria de qualidade de vida.
Também, é bom que se diga que quem tem a obrigação de aferir as reais necessidades do estado do consumidor e dos recursos necessários para preservação de sua saúde é o médico, responsável pelo tratamento do paciente, que inclusive responde civilmente pelos danos causados ao mesmo em caso de erro ou negligência médica e, se a seguradora tinha fontes científicas reais para negar a cobertura de procedimento urgente e necessário em um tratamento desta natureza, deveria provar o fato impeditivo do direito da autora, uma vez que a consumidora é a parte hipossuficiente na relação de consumo. Ao contrário, os relatórios médicos apontam a urgência do tratamento para deter a obesidade mórbida e tantas outras co-morbidades que acometem a autora, bem como que o procedimento foi o mais indicado.
A jurisprudência vem a favor da autora:

“SEGURO SAÚDE. OBESIDADE MORBIDA. CIRURGIA. RECUSA DE COBERTURA. DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO. Ação ordinária de obrigação de fazer c/c pedido de indenização. Recusa da empresa administradora do plano de saúde em autorizar cirurgia. Obesidade morbida. Decisão judicial determinando a prestação do serviço. A obesidade morbida esta catalogada desde 1996 na Associação Médica Brasileira, incorporando-se às enfermidades cobertas, obrigatoriamente, pelo seguro. Logo, a partir do momento em que a moléstia e, oficialmente, reconhecida pela entidade que congrega a sociedade médica, passa a ter regular cobertura, sem que se altere o contrato original. A recusa da Seguradora de Plano de Saúde a autorizar internação para procedimento cirúrgico a hospital a ela credenciado, de paciente que necessitava de intervenção cirúrgica, constitui descumprimento abusivo do contrato. A ser de outro modo, o Capítulo - Do Objeto e a cláusula 18.0, "18.0.9" do contrato, que permite cirurgias em geral, ficariam prejudicados, uma vez que não adiantaria o atendimento pelo profissional que não pudesse realizar o seu trabalho para salvar a vida. Inocorrência de defeito na prestação do serviço ou de ilícito a ensejar a reparação por dano moral. (TJRJ; AC 3620/2005; Rio de Janeiro; Décima Quarta Camara Cível; Rel. Des. Walter Felippe D''agostino; Julg. 21/06/2005)”
“TJBA - APELAÇÃO: APL 803312009 BA 8033-1/2009
Relator(a): MARIA DA PURIFICACAO DA SILVA
Julgamento: 25/11/2009
Órgão Julgador: PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Ementa

APELAÇAO CÍVEL. AÇAO DE OBRIGAÇAO DE FAZER. AUTORIZAÇAO PARA INTERNAMENTO EM CLÍNICA DE EMAGRECIMENTO, OU SPA. PRESCRIÇAO MÉDICA. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA QUE EXCLUI DA COBERTURA A POSSIBILIDADE DO TRATAMENTO EM SPA. APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. HAVENDO INDICAÇAO MÉDICA PARA TRATAMENTO DE OBESIDADE MÓRBIDA ATRAVÉS DE INTERNAMENTO EM CLÍNICA DE EMAGRECIMENTO, OU SPA, NAO CABE À SEGURADORA NEGAR A COBERTURA SOB O ARGUMENTO DE QUE O TRATAMENTO NAO SERIA ADEQUADO AO PACIENTE, POIS JÁ TERIA SE SUBMETIDO A CIRURGIAS DE SEPTAÇAO GÁSTRICA.”

Em que pese seja a requerida uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que os contratos de planos de saúde é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está à integridade física e a vida do consumidor.
Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, prática que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual e põe em risco a vida e a saúde dos seus segurados, desnaturando o contrato de seguro saúde.
Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
Da mesma forma, constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança.
Não se pode aceitar que práticas abusivas identificadas e condenadas na legislação consumerista continuem a ser exercitadas sem qualquer tipo de censura, o que vem ensejando os Tribunais a coibir tais atitudes com o reconhecimento do direito dos usuários quanto aos serviços defeituosos fornecidos.
A obesidade mórbida, diagnosticada na autora é doença catalogada na Associação Brasileira de Médicos (AMB) desde 1996, e doenças a essa associadas, não podendo a ré negar autorização para a realização de procedimento de internação para tratamento especializado, porque recomendado pelos médicos que a acompanham em seu tratamento e essencial à sua sobrevivência e bem estar.
Portanto, reconheço a obrigação da operadora de saúde de prestar a cobertura do tratamento reclamado que não deve ser limitada por previsão contratual contida em contrato de adesão, unilateralmente redigido e contendo cláusulas abusivas e restritivas e que se contrapõe a legislação que regula a atividade e o próprio CDC.
Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo procedente a ação para reconhecer a injustiça da negativa de autorização do tratamento da autora, e determinar a internação da mesma até o restabelecimento da sua massa corpórea ideal, ou seja, até a sua alta definitiva, declarando abusiva qualquer cláusula que restrinja a cobertura do tratamento de obesidade mórbida no caso em tela.
Condeno, ainda, a ré nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 20% (vinte por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.
P.R.I.

Salvador, 27 de Junho de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza de Direito

 

Fonte: DJE Ba