Concessionaria Cresauto e Fiat Automóveis, condenadas em 50 Mil por danos morais, além de restituir o valor do veículo

Publicado por: redação
26/07/2011 02:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

 

0028166-25.2003.805.0001 - INDENIZATORIA (REPARACAO DE DANOS)

Apensos: 14003006269-3

Autor(s): Adolfo Luis De Queiroz Sturaro

Advogado(s): Maria Fernanda Ribeiro Serravalle

Reu(s): Cresauto Veiculos Sa, Fiat Industria E Montadora Sa

Advogado(s): Eduardo Leandro Falcão, Jussara Iracema de Sá e Sacchi

Sentença: S E N T E N Ç A

I – RELATÓRIO

ADOLFO LUIS DE QUEIROZ STURARO, parte qualificada nos autos, propôs AÇÃO INDENIZATÓRIA com pedido de Tutela Antecipada, contra CRESAUTO VEÍCULOS S/A e FIAT INDÚSTRIA E MONTADORA S/A, juntando documentos nas fls. 12/84 dos autos, e aduzindo que em 11/08/1998 adquiriu junto à 1ª acionada o veículo Fiat Marea ELZ, modelo 1999, no valor de R$ 28.200,00 (vinte e oito mil e duzentos reais) e o veículo já saiu da concessionária apresentando diversos defeitos de fabricação, os quais foram objeto de variadas tentativas de reparo, sem êxito, tornando-o impróprio ao uso, mas a Fiat negou-se a trocar o produto defeituoso por outro.

Liminar parcial – fls. 85/86 dos autos.
As partes demandadas foram citadas. A 1ª requerida apresentou contestação às fls. 109 a 119 aduzindo preliminares. A 2ª acionada apresentou contestação às fls. 172 a 187 do feito, requerendo, também, preliminares, tendo ambas, ao final, suscitado a improcedência da ação.

A 1ª demandada apresentou quesitos ao perito às fls. 99/100 dos autos.

O laudo pericial foi juntado às fls. 148/153, concluindo o perito que o veiculo sofreu desgastes naturais, provenientes do uso, em alguns casos mau uso, pelo decurso do tempo e que inexiste culpa das Demandadas. Em virtude do laudo pericial, foi revogada às fls. 157/158 a liminar anteriormente concedida. Novo laudo pericial foi acostado às fls. 327 a 332, tendo o perito chegado à mesma conclusão do laudo anterior, quando afirmou que inexiste culpa do fabricante e das Concessionárias.

As partes apresentaram manifestações e impugnações, inclusive quanto ao laudo pericial., tendo havido a revogação da antecipação da tutela pretendida – fls. 342 dos autos.

O processo foi saneado às fls. 382/384 do processo, oportunidade em que não foi acolhida a preliminar de decadência, mas reconhecida a ilegitimidade passiva da Requerida CRESAUTO VEÍCULOS, restando, quanto a esta, extinto o processo sem julgamento do mérito.

Audiência de conciliação realizada às fls. 415/416, não sendo possível qualquer acordo.

As partes formularam quesitos para o perito às fls. 419 a 421; 423 a 426 e 505/507. Audiência de instrução às fls. 519 dos autos.

Em acordão de fls. 541 a 545 foi reformada a decisão que acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva, reintegrando a CRESAUTO VEÍCULOS no pólo passivo desta demanda. Em despacho saneador de fls. 546 foram apreciadas as preliminares aduzidas pela segunda Ré.
O laudo pericial foi acostado às fls. 563 a 580, concluindo o perito que desde quando o veículo estava em garantia alguns defeitos nunca foram definitivamente sanados.

As partes se manifestaram a respeito, fazendo os requerimentos necessários, inclusive a juntada de quesitos complementares. Audiência de instrução e julgamento às fls. 709/711 dos autos.

É o relatório. Decido.

O presente feito envolve pedido de indenização por danos materiais e morais com escopo no Código de Defesa do Consumidor, no qual a parte autora alegou vícios no veículo adquirido, de fabricação da segunda Ré, bem como falha nos serviços prestados pela mesma.

O vício redibitório é defeito oculto da coisa, que faz com que o negócio jurídico de compra e venda não produza um dos efeitos ao qual se destina, qual seja a perfeição do bem alienado.

O instituto está disciplinado nos arts. 441 a 446 do novo Código Civil, que trouxe uma série de inovações que alcançaram fenômenos processuais. Entre essas inovações – que precisam ser objeto de consideração dos processualistas para que possam vir a ser bem compreendidas em todos os seus aspectos e desdobramentos – está o disposto no art. 447 daquele diploma legal. Estabelece tal dispositivo que “nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública”.

Para tal tema, vejamos o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, o qual, em acórdão recente, afirmou que:

“(....)a natureza da arrematação, assentada pela doutrina e pela jurisprudência, afasta a natureza negocial da compra e venda, por isso que o adquirente de bem em hasta pública não tem a garantia dos vícios redibitórios nem da evicção(....)” – Recurso Adesivo ao Resp nº 12985/SP, Relator Ministro Arnaldo Esteves, 5ª Turma, DPJ de 24/04/2008.

O professor BERMUDES JUNIOR, afirmou na obra LIÇÕES DE DIREITO CIVIL, elaborada já sob a égide do Código Civil de 2002, em anotações ao art. 447 deste diploma legal, que:

“(....)o artigo consolida posição doutrinária no sentido de estender a evicção à pessoa que adquire por arrematação judicial em processo de execução(....)”.

Porém, entende-se que a pessoa que adquire um bem pode usar de ações para se defender e reclamar de eventuais defeitos ocultos, principalmente, por entender que o fundamento jurídico dos vícios redibitório tem por base o princípio da garantia, segundo o qual, o adquirente tem direito de receber a coisa por ele adquirida em perfeitas condições de uso e finalidade a que se destina.

Assim, o alienante se obriga, pelo princípio da garantia, a assegurar ao adquirente, a título oneroso, o uso da coisa por ele adquirida e para os fins a que é destinada. Desta feita, se ponderarmos numa situação fática, vislumbramos a essência do vício redibitório, do qual resiste na natureza de estar o objeto acalentado por um defeito impróprio ou imperceptível, a priori, mas que, se presente na ocasião do contrato, não possibilitaria o alienante a realizar o negocio, ao menos na forma como se prestou.
Assim, se não pode ser restringida a garantia real aos adquirentes- ora, ninguém adquire um objeto pensando no defeito pré-existente, caso contrário, sequer o negocio seria realizado, de maneira alguma espera receber objeto impróprio ao seu uso regular.

Por fim, presentes os requisitos legais, não pode furtar-se da pretensão devolutiva da contra prestação. Portanto, se o adquirente não tomou ciência do defeito, deve sim ser concedido o direito tanto quanto regresso, como subsidiaria, pautando pela segurança jurídica.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte tem decidido no sentido de que havendo o vício a situação deve retornar ao status quo ante:

O Código de Defesa do Consumidor para abranger os problemas que o consumidor possa sofrer na relação com o fornecedor estabelece uma diferença entre fato e vício, de qualidade ou quantidade, dos produtos e serviços não previstos no Código Civil.

Em seu art. 12, o Diploma do Consumidor trata da responsabilidade objetiva do fornecedor por anomalias que os produtos ou serviços vierem a apresentar, obstruindo as suas funções, e assim trazendo danos ao consumidor. Já no art. 18, o Código prescreve a responsabilidade do fornecedor por vício, no qual se refere apenas uma anomalia no produto ou serviço, sem estar presente nenhum dano externo ao consumidor.

In casu, a parte autora alegou uma série de defeitos ocultos no veículo que frustraram suas expectativas de usufruir das funções básicas do objeto, pois, os defeitos por interferirem no funcionamento mecânico deste, causaram danos, que atingiram a ordem material e moral da autora, impossibilitando que em diversos momentos exercesse as suas atividades cotidianas.
Com isso, a parte demandante responsabilizou as acionadas pelo defeito no produto, porque a impossibilitaram do uso normal do veículo, e mesmo após as sucessivas idas às oficinas das concessionárias, os defeitos não sanavam.

Em laudo pericial, o perito concluiu que desde quando o veículo estava em garantia alguns defeitos nunca foram definitivamente sanados e estranhou o fato que:

“(....) em outubro de 2002, aos 86000 Km, já fora de garantia e sem a revisão de 80000 Km realizada (haja visto que não consta nenhuma documentação sobre isto nos autos do processo) o motor bateu e foi reparado pela Concessionária Fiori, em garantia, sendo esta autorizada pela Fiat, dando a entender que este motor tinha algum problema desde a sua origem(....)” - fls. 572 dos autos.

E, disse mais ainda o perito:

“(....) de acordo com os autos, existem reclamações a itens que na quilometragem reclamada, não deveriam se deteriorar (....)” - fls. 578 dos autos.

Em acórdão, examinando situação análoga, da lavra do competente e sempre prestigiado processualista Desembargador Paulo Furtado o mesmo sustenta:

“(....)Pontue-se, por pertinente, que se hoje grande parte dos defeitos do veículo parece estar sanada, não é certo que não voltem a aparecer, como reapareceram, durante todo o processo, de forma quase que sucessiva. Demais disso, não é justo nem lícito impor à consumidora uma verdadeira via crucis para conseguir utilizar o bem que comprou, novo, diretamente de uma das autorizadas da apelante. Quem adquire carro novo quer tranqüilidade; quer garantia de que os problemas mecânicos e congêneres não serão detectados tão cedo, visto tratar-se de bem durável. (grifo nosso)
Quanto a destinação do automóvel, a sentença atacada expressamente reconheceu o direito da apelante em receber de volta, tanto na hipótese de restituição da quantia paga pelo consumidor, como na substituição do produto adquirido por outro da mesma espécie (fls.179), fundamentos alçados, alias, para indeferir o pleito da apelada de venda do carro a terceiros.” (AP. Cível 40950-6/06 – 4ª Câmara Cível – TJ-Ba)”

Ficou, portanto, claramente evidenciado para este Juízo a responsabilidade por inserção de produto no mercado com defeito de fabricação e qualidade, de difícil reparação. O fato narrado na inicial existiu e as provas existentes nos autos não deixam dúvidas quanto aos danos provocados, cuja prova testemunhal robusteceu a prova documental, principalmente pelo depoimento da testemunha Antonio Rufino de Souza, homem humilde, segurança do prédio em que o autor trabalhava, que retratou com detalhes diversas ocorrências decorrentes dos defeitos apresentados pelo veículo, demonstrando a existência deles e dos constrangimentos sofridos pelo autor – fls. 710/711.

Não houve, pelas acionadas, a apresentação de provas e argumentos convincentes que elidissem os fatos apresentados e provados pela parte autora, tudo isso em razão da ausência de rigor e cautela na execução dos serviços a que se obrigaram contratualmente. É, portanto, da responsabilidade das empresas rés, nas suas atividades em que auferem lucro, assumir as conseqüências pelos produtos defeituosos colocado no mercado de consumo, permite que um usuário sofra qualquer lesão.

Na lição de Chiovenda1, desde os primórdios do direito que duas de suas bases fundamentais norteiam a referida questão: iura novit curia – o juiz conhece o direito; da mihi factum, dabo tibi ius – dê-me os fatos que lhe darei o direito. Sergio Pinto Martins2 partilha do mesmo entendimento, quando afirma que “ao juiz não é dado desconhecer o direito que se lhe pede”. Aliás, tal não é novidade em nenhum campo do direito processual, vez que Pontes de Miranda3 advertia com ardor o postulado, ensinando que:

“se às partes compete o ônus da prova do seu respectivo direito, ao juiz existe apenas uma opção: seguir a rigidez da lei para poder distribuir o quanto devido a cada um”.

Quanto ao dano moral, é certo que o ato irregular pode repercutir, sim, nas relações inter-pessoais, dando azo a situações que podem trazer prejuízo moral e material. Acrescente-se, ainda, a respeito do dano moral, que o mesmo é evento que atinge o campo do direito pessoal, ferindo toda e qualquer reação contrária, pegando, na maioria das vezes, de surpresa aquele que é atingido, exatamente por conta do inesperado do ato.

O dano, por assim dizer, constitui-se no turbatio animi, interferindo no íntimo da pessoa, já que esta tanto pode ser lesada naquilo que possui (patrimônio), como naquilo que é (integridade física e moral).

Consiste na penosa sensação da ofensa, na humilhação perante terceiros, na dor sofrida, enfim, efeitos puramente psíquicos e sensoriais experimentados pela vítima do dano, em conseqüência deste.

Existindo a ofensa, todavia, a indenização por dano moral deve reparar os malefícios sofridos sem implicar em locupletamento do autor. Assim preleciona o professor José Raffaelli Santini no que se refere ao valor estipulado para a indenização.

“(....) o dano moral requer indenização autônoma, cujo critério será o arbitramento, este a cargo do Juiz, que, usando de seu prudente arbítrio, fixará o valor do quantum indenizatório. Para isso deverá levar em conta as condições das partes, o nível social, o grau de escolaridade, o prejuízo sofrido pela vitima, a intensidade da culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do dano(....)”

O Tribunal de Justiça de Goiás, em brilhante julgado se manifestou, dando idéia de como deve ser fixado o valor do dano.

Vejamos:

“(....) DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. FIXAÇÃO PELO MAGISTRADO. 1. O dano moral não pode ser aferido mediante cálculo matemático-econômico das repercussões na orla íntima do ofendido, mas deve ser arbitrado pelo Juiz, atendendo-se às circunstancias do caso, tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. 2. A reparação do dano moral não deve ser tão grande que se converta em fonte de enriquecimento , nem tão pequena que se torne inexpressiva, ao ponto de incentivar o ofensor a repetir o ato que denegriu a imagem da vítima. 3. Se a dor moral não tem preço , a sua atenuação tem. Remessa necessária e 2o Apelo Improvidos, 1o Apelo Provido Parcialmente, Alteração da Verba Indenizatória.(....)” (Apelação Cível no 38.118-3/188, 1a Câmara Cível, REL. Des. Arivaldo da Silva Chaves, Unânime, Tribunal de Justiça de Goiás) – grifos nossos.

E o dano, seja moral ou material, é reconhecido por norma constitucional - art. 5º, inciso X - que dispõe:

“(...) São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.(....)”

Dano moral, para o insigne Professor YUSSEF SAID CAHALI:

"É a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.), dano moral que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.), e dano moral puro (dor, tristeza, etc). O dano moral não é estimável por critérios de dinheiro. Sua indenização é esteio para a oferta de conforto ao ofendido, que não tem a honra paga, mas sim uma reparabilidade ao seu desalento."

O princípio da razoabilidade apenas recomenda que se observem certos parâmetros com fins de se evitar o enriquecimento ilícito.

Nesse sentido:
“(....)O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que a indenização a esse título deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. Ademais, deve procurar desestimular o ofensor a repetir o ato. (STJ, Quarta Turma, RESP 24727/SE, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 05/06/2000, p 174)”.

Por outro lado, o artigo 186 do Novo Código Civil prescreve que aquele que por ação ou omissão voluntária violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano e no direito brasileiro a responsabilidade objetiva dos prestadores de serviços médicos está regulada pelo Código de Defesa do Consumidor – artigo 3º parágrafo 2º e, precisamente no art. 12, ao determinar que o fornecedor de produtos e serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos a qualidade e segurança dos seus produtos.

Pelo exposto JULGO PROCEDENTE EM PARTE os pedidos formulados neste feito, para condenar as acionadas em partes iguais no dever de proceder ao pagamento do valor descrito nas alíneas A primeira parte, vez que a substituição do veículo por outro similar resta prejudicada pelo longo período transcorrido e B da vestibular, devidamente atualizados, a título de indenização pelos danos materiais; e ao pagamento do valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), referente aos danos morais – alínea C da exordial, tudo acrescidos de juros de 1% ao mês e correção monetária pelo INPC a contar do dia 06 de novembro de 2005, trinta dias após a ordem de serviço que constatou a corrosão de carroceria, conforme documento de fls. 28 e 29 dos autos.
Condeno, ainda, as demandadas a suportarem, em partes iguais, a integralidade das despesas processuais e honorários advocatícios devidos ao procurador da autora, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação atualizada.

Publique-se e registre-se nos termos da lei.

Salvador, 15 de julho de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza de Direito Titular

 

Fonte: DJE BA