Anulada a decisão da 19ª Cível de Salvador que revelou desconhecer o art. 4º da nº 1.060/1950, negando gratuidade judiciária

Publicado por: redação
19/09/2011 01:00 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0011619-29.2011.805.0000-0

COMARCA DE SALVADOR

AGRAVANTE: ALEXANDER FERREIRA DE FARIAS

ADVOGADA: CRISTIANE RAMOS DA SILVA

AGRAVADO: BANCO VOLKSWAGEN S/A

RELATORA: DESª MARIA DO SOCORRO BARRETO SANTIAGO

DECISÃO

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por ALEXANDER FERREIRA DE FARIAS contra a decisão proferida pelo Juízo da 19ª Vara dos Feitos de Relação de Consumo, Civis e Comerciais de Salvador, nos autos da Ação Revisional, movida em face do BANCOVOLKSWAGEN S/A, ora agravado.

Insurge-se o agravante contra a decisão que, apesar de mantê-lo na posse do veículo financiado e determinar que o réu se abstenha de incluir seu nome nos cadastros de proteção ao crédito, condicionou a eficácia de tais medidas ao depósito em juízo do valor contratado e não naquele considerado incontroverso e indeferiu pedido de assistência judiciária gratuita.

Inconformado, o agravante alega, em apertada síntese, que firmou contrato de financiamento para aquisição de um automóvel com o banco agravado, o qual aplicou encargos abusivos, aumentando o débito para um valor exorbitante.

Defende o direito de depositar em juízo as prestações no valor que entende devido, apurado conforme tabela de cálculos em anexo, colaciona jurisprudência acerca do tema e formula pedido de provimento com conseqüente reforma da decisão recorrida.

É o relatório.

O Agravante formula pedido de provimento com conseqüente reforma da decisão e manutenção na posse do veículo financiado mediante depósito em juízo das prestações vencidas e vincendas no valor incontroverso, de acordo com os dados constantes na planilha de cálculos de fls.19/20, e não no valor contratado. Requer ainda que lhe seja concedido o benefício da assistência judiciária gratuita.

Adoto o entendimento de que se deve admitir o depósito das prestações no valor que o devedor entende correto, enquanto perdurar a lide, a fim de viabilizar a efetiva revisão contratual, sob pena de violação ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, pois, caso não tenha condições financeiras de cumprir o pactuado, o consumidor poderá perder a posse do bem financiado e ter seu nome inscrito nos órgãos cadastrais antes que as cláusulas reputadas abusivas sejam revisadas.

Assim, mantenho a convicção de que, enquanto houver controvérsia judicial e o devedor permanecer em dia com as prestações, depositando um valor razoável, as conseqüências da mora devem ser afastadas.

Contudo, para que se vislumbre a fumaça do bom direito, é preciso que o valor incontroverso seja indicado através de uma planilha técnica detalhada, elaborada por profissional competente e que demonstre de forma clara o modo pelo qual o valor das prestações foi encontrado.

Como reconsiderei meu posicionamento acerca dos juros remuneratórios, para acompanhar a linha adotada pelo STJ na sistemática dos recursos repetitivos, não há mais sentido em acolher uma planilha de cálculos que utilize a taxa de 1% ao mês, pois é notório que ela não será mantida quando do julgamento definitivo.

É que, o STJ, recentemente, através da sistemática dos recursos repetitivos, declarou lícita a cobrança de taxas acima de 12% ao ano e consolidou o entendimento de que a taxa média de mercado é um valioso referencial para aferir se os juros contratados são abusivos, ou não. Em outras palavras, para constatar se a taxa entabulada no contrato é excessivamente onerosa, basta confrontá-la com a média de mercado, que é periodicamente publicada pelo Banco Central e pode ser acessada no site http://www.bcb.gov.br/ftp/depec/NITJ201102.xls

Como média, não se pode exigir que todos os empréstimos sejam feitos segundo essa taxa. Se isto ocorresse, a taxa média deixaria de ser o que é, para ser um valor fixo. Há, portanto, que se admitir uma faixa razoável para a variação dos juros.

A jurisprudência tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (voto proferido pelo Min. Ari Pargendler no REsp 271.214/RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 04.08.2003), ao dobro (Resp 1.036.818, Terceira Turma, minha relatoria, DJe de 20.06.2008) ou ao triplo (REsp 971.853/RS, Quarta Turma, Min. Pádua Ribeiro, DJ de 24.09.2007) da média.”

Nessa esteira, passo a entender que a autorização de depósito das prestações no valor incontroverso depende da apresentação de uma planilha que apresente cálculos idôneos, nos quais seja aplicada uma taxa de juros que esteja dentro da média utilizada no mercado. Caso o demandante não se desincumba desse ônus, os depósitos devem ser no valor previamente contratado, pois a taxa de 1% a.m. não mais se revela razoável.

Na especificidade dos autos, o agravante não comprova que aquela aplicada no contrato, que sequer foi acostado, estava acima da média de mercado, razão pela qual não é possível constatar a verossimilhança do direito reclamado, elemento essencial ao deferimento do seu pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

É oportuno salientar que todos os demais membros da 2ª Câmara, assim como a maioria dos membros deste tribunal, já firmaram entendimento no sentido de que a não inscrição do devedor nos órgãos cadastrais e sua manutenção na posse do veículo financiado devem ficar condicionadas ao depósito em juízo das prestações no valor contratado. Entendimento esse que passo a acompanhar, com a ressalva de que o valor incontroverso deve ser admitido quando forem apresentados cálculos idôneos, nos quais seja utilizada uma taxa de juros dentro da média de mercado.

A simples declaração de pobreza não pode ser desprezada no sentido da concessão da benesse constitucional, cabendo destacar que nos termos da Constituição da República e da Lei nº 1.060/1950, todo aquele que afirme não estar em condições de pagar as custas do processo e os honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família, goza dos benefícios da assistência judiciária.

Com efeito, dispõem os arts. 2°, parágrafo único, e 4° da citada Lei, que:

"Art. 2°: (...) omissis;

Parágrafo único. Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Art. 4° A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família".

Destarte, para a obtenção da gratuidade de justiça é suficiente que o interessado formule, expressamente, o pedido, de modo simples e direto, representando ônus da parte contrária à assistida comprovar tratar-se de afirmação inverídica, e não ao Juiz.

A propósito, JOSÉ ROBERTO DE CASTRO nos ensina que:

"Basta que o próprio interessado, ou o seu procurador, declare, sob as penas da lei" ("in" "Manual de Assistência Judiciária", p. 104).

O colendo Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, e a quem compete o exato cumprimento de Lei Federal, tem entendido, reiteradamente, que:

"Para que a parte obtenha o benefício da assistência judiciária, basta a simples afirmação de sua pobreza, até prova em contrário" ("in" "RSTJ" 7/414).

Citem-se, ainda, os seguintes arestos:

"Justiça gratuita. Presunção de pobreza. Até prova em contrário, presume-se pobre quem afirma essa condição nos termos da lei - art. 4°, § 1°, da Lei 7.510, de 1986. Inexistindo tal prova, tem a parte o direito de gozar dos benefícios da assistência judiciária gratuita" ("in" "ADV - Advocacia Dinâmica", 1988, nº 38.030).

"A declaração de insuficiência de recursos é documento hábil para o deferimento do benefício da assistência judiciária gratuita, mormente quando não impugnada pela parte contrária, a quem incumbe o ônus da prova capaz de desconstituir o direito postulado" ("in" "RTJ" 158/963).

Com tais considerações, dou provimento parcial ao agravo de instrumento para reformar a interlocutória fustigada no sentido de conceder ao agravante a gratuidade de justiça, mantendo-se inalterada a decisão nos demais pontos.

Publique-se. Inteme-se.

Salvador, 13 de setembro de 2011

Desª Maria do Socorro Barreto Santiago

Relatora

Fonte: DJE BA
Mais: www.direitolegal.org