Separando os brasileiros

Publicado por: redação
08/05/2012 07:56 AM
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Luiz Holanda

O Supremo Tribunal Federal-STF julgou constitucional o sistema das cotas raciais para ingresso em universidades públicas. Três ações foram propostas contestando a política de cotas adotadas por instituições de ensino superior. Uma delas foi a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental-ADPF movida pelo Partido Democratas contra a Universidade de Brasília-UNB, que reservou 20% das vagas do vestibular para estudantes negros. A outra foi um recurso proposto por um estudante gaúcho eliminado do vestibular da Universidade Federal daquele estado por ser branco, mesmo tendo obtido notas mais altas do que os cotistas. Essa universidade separa 30% das vagas para quem estudou na rede pública, sendo que metade desse percentual é destinada aos candidatos que se declararem negros na inscrição. E a terceira é uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino-CONFENEN, que questiona os critérios do PROUNI, reservando bolsas para alunos que estudaram em escola pública ou para os que estudaram em escola particular com bolsa integral.

O grande problema a respeito desse assunto é a controvérsia provocada por esse julgamento. A Constituição do Brasil, em seu artigo 22, diz que compete privativamente à União legislar sobre “diretrizes e bases da educação nacional”. O artigo 5º, do mesmo texto, diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Isso significa que nossas universidades públicas, regidas que são pelo direito público interno, subordinam-se ao ordenamento dos atos do regime administrativo público, possuindo autonomia didático-científica reguladora de seus atos, nos termos do artigo 207 de nossa Carta Magna. Essa autonomia didático-científica, que se expressa através dos programas de curso e matéria técnico-científica ofertadas, não pode ser confundida com a competência privativa da União para legislar.

A Lei de Diretrizes Educacionais (Lei nº 394/96), em seu artigo 53, declina as atribuições das universidades, sendo que em nenhum de seus itens se vê a autonomia para legislar sobre cotas. O Conselho Nacional de Educação, em parecer de nº 600/97, explicitou que a competência das universidades exercitada pelos seus órgãos colegiados se dirige para garantir a autonomia didático-científica das próprias universidades, deliberando sobre as matérias referidas no parágrafo único do artigo 53 acima declinado. Consequentemente, o objeto de portarias ou resoluções sobre sistemas de cotas padece de inconstitucionalidade formal, pois não compete às universidades legislar sobre diretriz educacional. Conforme dispõe o inciso V, do artigo 208 de nossa Lei Maior, é dever do Estado com a educação garantir o acesso a níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, “segundo a capacidade de cada um”. Como essa competência para legislar sobre esse assunto até hoje não foi exercitada pela União, não cabe às universidades fazê-lo, confundindo autonomia didático-científica com competência constitucional legislativa. Muito menos o STF.

Supondo, só para argumentar, que a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência (art. 23 da Constituição Federal), pode ser outorgada a outro órgão, essa competência suplementar para legislar teria que ser feita através de lei complementar, conforme prescrição dos parágrafos únicos dos artigos 22 e 23 da Constituição. Assim, as normas produzidas pelas universidades sobre cotas são inválidas por nulidade absoluta do meio de produção, padecendo, portanto, de vício de inconstitucionalidade formal. O STF não entendeu assim. Por decisão unânime aprovou o sistema de cotas raciais, praticamente confessando que sua decisão foi um marco civilizatório em nosso país. Na realidade - isentas as paixões -, esse tratamento para reparar injustiças baseadas na cor da pele revela apenas um paliativo para negar o dissimulado racismo que, infelizmente, ainda existe em nossa sociedade tupiniquim. A Constituição estipula que todos são iguais perante a lei. Mesmo que a afirmação contenha apenas um processo abstrato conceitual, as exceções dele advindas deverão utilizar critérios válidos para modificá-lo. O que não se pode é tentar eliminar injustiças tratando desigualmente as pessoas por causa da cor da pele. Melhor seria se essa injustiça fosse corrigida eliminando as péssimas condições econômicas e sociais que, infelizmente, limitam as possibilidades de vida de milhões de brasileiros, em vez de separá-los por meio de cotas raciais.


Luiz Holanda é professor de Ética e de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da universidade Católica do Salvador-UCSAL.

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