Justiça determina procedimentos de fertilização In Vitro pela Sul América Saúde

Publicado por: redação
14/05/2012 12:11 AM
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Inteiro teor da decisão:

ADV: FELIPE GOES LEMOS (OAB 28205/BA) - Processo 0094183-96.2010.8.05.0001 - Procedimento Ordinário - DIREITO CIVIL - AUTOR: Ana Alice Brandao Rodrigues - RÉU: Sul America Seguro Saude S A - Vistos, etc. ANA ALICE BRANDÃO RODRIGUES, devidamente qualificada na exordial, propôs a presente ação ordinária com pedido de tutela antecipada contra SUL AMÉRICA SEGURO SAÚDE S/A, alegando ser portadora de endometriose, doença que causa dor irraisante e infertilidade, necessitando de imediato tratamento em clínica especializada, onde possa fazer tratamento para engravidar, pois só assim poderá curar-se dessa patologia e ainda atender ao sonho da maternidade, pois com a gravidez o organismo feminino produz hormônio que lhe possibilita a cura. Aduz que está com 39 anos, e há 09 vem lutando para engravidar, estando aflita e com estado psicológico abalado, em razão de não conseguir engravidar e por já estar com idade bem próxima do limite recomendado para iniciar uma gravidez sadia. Juntou vários documentos - fls. 19/21 e 27. Através da decisão de fls. 23 foi postergada a apreciação da liminar para depois de estabelecido o contraditório. Às fls. 25/26 foi feito pedido de reconsideração para que lhe fosse deferida a liminar, a fim de que fosse submetida ao tratamento médico de que necessita. Vieram-me os autos conclusos. É bem verdade que, se de um lado a medicina avançou, aumentando as chances de gravidez das mulheres com problemas de infertilidade, por outro, ainda há entraves sociais, burocráticos e, principalmente, financeiros que precisam ser mais bem equacionados, tanto pela rede pública de saúde, quanto pela medicina privada. A primeira vez que surgiu a possibilidade de colocar a fertilização in vitro no Sistema Único de Saúde foi em março de 2005, quando o Ministério da Saúde publicou uma Portaria, que determinava o oferecimento da fertilização pelo SUS a pessoas com dificuldades para ter filhos. Quatro meses depois, ela foi suspensa, para avaliação dos impactos financeiros. Passados sete anos, o Ministério de Saúde novamente manifesta a intenção de colocar o procedimento na tabela do SUS, tanto que organizou um grupo de trabalho para discutir a questão. Caso concreto, está comprovado, nos autos, que a autora apresenta patologia que a impossibilita de ter uma gravidez natural, necessitando da realização do tratamento, o mais breve possível, haja vista que já conta com 40 anos de idade. Veja-se, neste sentido, relatório de fls. 27: A paciente Ana Alice Brandão Rodrigues, 40 anos, nulípara, com quadro de endrometriose pélvica com vários tratamentos realizados, porem sem nenhum êxito em relação ao quadro de dismenorreia, dispareunia, hipermenorragia e infertilidade. Indico FIU para melhora do quadro de endometriose pélvica com gravidez e resolução da infertilidade há mais ou menos 10 anos. Sabe-se que a infertilidade é considerada uma patologia que pode ter consequências psicológicas e psiquiátricas, acarretando prejuízos à saúde física e emocional. Com relação a endometriose, vários artigos existentes na internet são muito claros ao informarem que, em mulheres com endometriose e que não conseguem engravidar, a melhor alternativa é a fertilização in vitro. Não se pode privar uma pessoa de gerar um filho. A pretensão de obter o tratamento para fertilização in vitro não foge do postulado de garantia à saúde, que deve ser assegurado pelas empresas prestadoras de serviço de saúde. Ora, o contrato de saúde visa o risco de futura necessidade de assistência médica ou hospitalar por parte do segurado. O risco não decorre da incerteza quanto ao dever, mas sim quanto à época em que o serviço deve ser prestado. O contrato de prestação de seguro é de trato sucessivo e caracteriza-se pelo caráter social que lhe é inerente, tendo em vista o seu objeto, isto é, a saúde. Demonstrado nos autos que é indispensável o procedimento solicitado, a recusa por parte da demandada configura risco à saúde da segurada. Daí porque, a tão propalada autonomia da vontade defendida por Kant como consequência do princípio econômico da livre iniciativa, firmemente difundido no século XIX em função do liberalismo individualista, onde a livre concorrência era a tônica, hoje cede lugar ao modelo do Estado social intervencionista. Tal modelo visa a garantir que as partes na relação jurídica tenham igualdade real, desencadeando cada vez mais normas impositivas para interferirem nos contratos privados com o fito de garantir o equilíbrio das relações negociais, pois é notório que a monopolização da economia determina a força do poder econômico que precisa ser contido para que exerça função social, e não de exploração do menos favorecido, usando seu poderio em favor da coletividade. Portanto, o princípio do pacta sunt servanda, embora deva ser observado para garantia dos contratos, hoje é flexibilizado com a intervenção estatal e judicial, a fim de evitar os abusos do poder econômico que, em nome deste princípio, estabelece regras sem que o outro contratante tenha liberdade de escolher o tipo de contrato nem estabelecer o seu conteúdo. Por isso é que, no Brasil, a Constituição Federal de 1988 elevou a status constitucional a proteção do consumidor, estabelecendo em seu artigo 5º, inciso XXXII, artigo 170, inciso V, e no artigo 48 das suas disposições transitórias, diretrizes para este fim. Por conta disso é que a lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, trouxe inúmeras inovações que autorizam a intervenção no contrato e na autonomia da vontade quando se verificar a existência de cláusulas que se mostrem excessivamente onerosas para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. No caso em tela, é patente a existência do vínculo contratual de assistência à saúde da autora, mas segundo consta da exordial a empresa ré negou-se a autorizar o necessário procedimento. Ocorre que, a lei deve ser interpretada de acordo com os seus fins sociais, sendo valioso o conteúdo normativo do art. 47 do CDC, quando determina a interpretação das cláusulas contratuais em prol do consumidor, parte mais vulnerável, principalmente, nos contratos de adesão, como é o caso dos autos. Isto porque, sendo de adesão, as suas cláusulas são genéricas e impostas ao proponente, que não tem a liberdade de discuti-las, sujeitando-se às condições gerais já impressas. Logo, a interpretação deve ser realizada, aliás, como recomenda a própria lei consumerista, sempre em favor do consumidor. Prescreve o CDC que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere àquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como as que regulem/restrinjam a autorização para procedimentos, remoções, internamentos, dentre outras. Na técnica da antecipação, o mais relevante é a prova inequívoca, a verossimilhança da alegação e o receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Ora, na espécie, evidenciam-se tais requisitos, modo claro. Segundo CASSIO SCARPINELLA BUENO, prova inequívoca "é aquela que afirma se tratar de prova robusta, contundente, que dê a maior margem de segurança possível para o magistrado sobre a existência ou inexistência de um fato." (Tutela Antecipada, Ed. Saraiva, 2004, p.33). Para KAZUO WATANABE, "... prova inequívoca não é a mesma coisa que "fumus boni iuris" do processo cautelar. O juízo de verossimilhança, ou de probabilidade, como é sabido, tem vários graus, que vão desde o mais intenso ao mais tênue. O juízo fundado em prova inequívoca, em prova que convença bastante, que não apresente dubiedade, é seguramente mais intenso que o juízo assentado em simples fumaça, que somente permite a visualização de mera silhueta ou contorno sombreado de um direito. Está nesse requisito uma medida de salvaguarda, que se contrapõe à ampliação da tutela antecipatória para todo e qualquer processo de conhecimento." (Reforma do CPC, Ed. Saraiva, 1996, pp. 33-34). No presente caso, há prova inequívoca da existência do direito da parte autora de receber o tratamento postulado, haja vista que foram juntados receituários médicos, comprovando a necessidade da realização do tratamento. Verossímil, segundo AULETE, é o "que parece verdadeiro; que tem probabilidade de ser verdadeiro; plausível; que não repugna à verdade." TEORI ALBINO ZAVASCKI (in Antecipação da Tutela, p. 76) ensina: "O fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Em outras palavras: diferentemente do que ocorre no processo cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe a verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos. Sob este aspecto, não há como deixar de identificar os pressupostos da antecipação da tutela de mérito, do art. 273, com os da liminar em mandado de segurança: nos dois casos, além da relevância dos fundamentos (de direito), supõe-se provada nos autos a matéria fática." Ora, evidente a verossimilhança do direito alegado, conforme acima exposto. No tocante ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, LUIZ GUILHERME MARINONI e DANIEL MITIDIERO anotam que se trata de tutela antecipada "com base na urgência na prestação da tutela jurisdicional." Ainda, segundo eles "o dano que enseja a tutela antecipatória é o dano concreto (não eventual), atual (iminente ou consumado) e grave (capaz de lesar significativamente a esfera jurídica da parte). O dano é irreparável quando os seus efeitos não são reversíveis." (Código de Processo Civil comentado artigo por artigo, Ed. Revista dos Tribunais, 2008, p. 269). No caso, há possibilidade de dano de difícil reparação, pois qualquer pessoa que necessita de tratamento e não o receba, pode sofrer sérias consequências à sua saúde. Cumpre ressaltar que, na análise dos impedimentos à concessão da antecipação dos efeitos do provimento pleiteado, mormente no que toca à irreversibilidade do provimento ou no esgotamento do objeto, o juiz há de balizar-se pelo bom senso e pela cautela,ou seja, pela proporcionalidade, proporcionalidade esta que se reflete na reflexão sensata do julgador: uma interpretação mais radical levaria à não concessão, em qualquer caso, da antecipação de tutela, e não é isso o que se quer. Portanto, estando preenchidos os requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil, não há falar em impossibilidade jurídica de concessão de tutela antecipada. Assim sendo, com fulcro no inciso I do art. 273 do CPC, defiro a antecipação da tutela requerida e determino a acionada que, em 24:00, autorize o tratamento de fertilização in vitro a ser realizado na Clínica Gênese Reprodução Humana, limitado ao máximo de três tentativas. Intime-se. Cite-se, valendo-se de cópia desta decisão como mandado. Salvador(BA), 11 de maio de 2012. Maurício Lima de Oliveira Juiz de Direito

Fonte: DJE TJBA