Igreja Renascer: fim do processo criminal

Publicado por: redação
21/06/2012 01:06 AM
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LUIZ FLÁVIO GOMES ⃰ (@professorLFG)

Pensamento mágico. Nossos antepassados, nos tempos das cavernas, desenhavam alguns animais nas paredes dos seus “lares” e acreditavam, em razão de uma suposição disparatada, que tendo as imagens pintadas, possuíam o objeto representado. Isso acontecia por força do chamado pensamento mágico, que consiste em um raciocínio causal que procura estabelecer correlações entre algumas ações ou elocuções e determinados eventos. Fala-se aqui também, como sublinha Zaffaroni, em causalidade mágica (a partir de uma imagem, acredita-se na posse do objeto nela retratado).

Populismo penal midiático e suas crenças mágicas. O pensamento mágico que dominava a cabeça dos nossos ancestrais continua presente em plena pós-modernidade (século XXI). O populismo penal midiático é pródigo em difundir dezenas de crenças mágicas (de que mais leis penais significam menos crimes, mais prisões implicam mais prevenção, leis mais duras diminuem a criminalidade etc.). Não são poucas as pessoas que acreditam nessas causalidades irreais. Destaque especial merecem os legisladores.

A crença de que existiria juridicamente o crime organizado. Num determinado dia os legisladores brasileiros elaboraram uma lei para cuidar da criminalidade organizada (Lei 9.034/95), mas não a definiram. Ninguém sabe até hoje o que se entende, do ponto de vista jurídico, por organização criminosa. Pintaram uma imagem na lei (no diário oficial) e, tal como nossos antepassados, passaram a acreditar que já possuíam o objeto representado. Bastaria o desenho na parede!

Disseminação da imagem pintada. Com base em um pensamento mágico, os legisladores começaram a vincular uma série de consequências jurídicas àquela imagem vaga e porosa desenhada no diário oficial. As leis passaram a fazer referência às organizações criminosas, como se elas existissem no mundo jurídico (nesse sentido: lei de execução penal, lei da quebra de sigilo bancário, regime disciplinar diferenciado, lei de drogas etc.).

Lavagem de capitais e a imagem desenhada na lei. Dentre elas se acha a lei de lavagem de capitais (inciso VII do artigo 1º da Lei 9.613/98), que definiu como crime ocultar a origem de bens, valores ou capitais oriundos de organização criminosa. Considerando-se que as organizações criminosas, como “crime antecedente”, não existem juridicamente, resulta claro que tampouco pode se falar em lavagem de dinheiro. Sem o precedente não existe o consequente (de acordo com a estrutura da lei brasileira). Sem a causa não decorre o efeito. O pensamento mágico do legislador, que acredita - por força do populismo penal midiático - em realidades inexistentes assim como em causalidades irreais, não é suficiente para transformar em coisa material o que só existe na sua imaginação.

STF põe fim a um pensamento mágico das cavernas. O mundo das imagens e das causalidades mágicas (crenças em coisas não verdadeiras) é bem diverso do mundo real. Num determinado dia, no entanto, também o Ministério Público acreditou na imagem cavernosa das organizações criminais. Processou os donos da Igreja Renascer em Cristo por crime de lavagem de capitais. A Primeira Turma do STF, no dia 12.06.12, por unanimidade, deferiu pedido de Habeas Corpus (HC 96.007-SP) para encerrar definitivamente a ação penal promovida pelo Ministério Público contra os fundadores da Igreja Renascer em Cristo pela suposta prática do crime de lavagem de dinheiro, que seria decorrente de uma “organização criminosa”, consistente em arrecadar bens e valores dos seus fieis de forma fraudulenta.

Conclusão: não existe no Brasil, do ponto de vista jurídico, o crime de “organização criminosa”. Tudo que se tenta extrair daí (por ora) não passa de um pensamento mágico cavernoso, que deve ser extirpado do ordenamento jurídico brasileiro o mais pronto possível. O mundo mágico (oriundo das cavernas) não se coaduna com a segurança jurídica exigida pelo Estado de Direito.

*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes e co-diretor da LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me no facebook.com/professorLFG, no blogdolfg.com.br, no twitter: @professorLFG e no YouTube.com/professorLFG.

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