Juiza da 5ª Vara Cível de Salvador usou o Google como argumento para negar gratuidade judiciária, a decisão foi anulada pelo Tribunal da Bahia

Publicado por: redação
12/05/2011 01:30 AM
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Desª. Maria da Graça Osório Pimentel, do TJBA, cassa decisão da 5ª Vara Cível de Salvador

Inteiro teor da decisão:

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0004909-90.2011.805.0000-0 - SALVADOR

PROCESSO DE ORIGEM Nº 0026583-24.2011.805.0001

AGRAVANTE : VICTOR FRANÇA DE ALMEIDA

ADVOGADO : MÁRCIO LOPES FERNANDES DE BARROS

AGRAVADOS : LAGOA ALPHA EMPREENDIMENTOS

IMOBILIÁRIOS LTDA. E OUTROS

RELATORA : DESª MARIA DA GRAÇA OSÓRIO PIMENTEL

LEAL

D E C I S Ã O

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por VICTOR FRANÇA DE ALMEIDA, qualificado e representado nos autos, em face de decisão proferida na Ação Ordinária de Indenização nº 0026583-24.2011.805.0001 tramitante na 5ª Vara dos Feitos de Relação de Consumo, Cíveis e Comerciais da comarca de Salvador, que indeferiu seu pedido de Assistência Judiciária gratuita.

Entendeu a MM. a quo para assim proceder, que a parte autora reside “... em bairro de classe média alta segundo informações obtidas no GOOGLE e exerce profissão rentável”, razões pelas quais poderia arcar com as custas do processo. (decisão reproduzida à fl. 17).

O Recorrente pleiteia a concessão de efeito suspensivo ativo ao recurso, alegando, precipuamente, que não reside em bairro de classe média alta, residindo atualmente no Bairro de Nossa Senhora das Graças em Manaus/AM, e que se encontra em gozo de licença não remunerada do TRE/BA até 06/01/2014, conforme demonstram os documentos acostados às fls. 69 e 68, respectivamente.

Argumenta que a ferramenta “GOOGLE” não pode ser utilizada como fundamento para o indeferimento do pedido, observando ainda que a Lei nº 1.060/50 prevê que para a concessão dos benefícios da Assistência Judiciária Gratuita em favor de pessoa física basta a simples afirmação do interessado de que não dispõe de lastro econômico para o pagamento das custas do processo sem prejuízo de seu sustento e de sua família.

Trazendo a colação precedentes desta Corte, reclama a reforma da decisão agravada, provendo-se o recurso com a concessão do benefício vindicado (assistência judiciária gratuita) e o regular processamento do feito.

É, no que interessa, o RELATÓRIO.

De início, constata-se a inexistência de juntada de procuração dos Agravados, o que implicaria na negativa de seguimento da modalidade recursal interposta. No entanto, é certo que ao oferecer o recurso o Agravante justificou a falta de apresentação das aludidas peças obrigatórias, explicando que a angularização da relação processual em primeiro grau ainda não se perfez. Esboçou-se, assim, uma justa causa para a falta dos documentos.

“Justa causa”, conforme anotações de Nelson Nery Júnior e Rosa M. A. Nery, in Código de Processo Civil Comentado, 4ª edição. Ed. RT:

“é o impedimento eficaz por si só para fazer com que não possa ser praticado o ato processual. Este impedimento deve ser alheio à vontade da parte ou interessado e conseqüência de fato ou evento imprevisto”.

Admitindo a impossibilidade verberada pelo Agravante, supero o empeço e avanço sobre o mérito recursal.

Irresigna-se o Recorrente contra a decisão que lhe indeferiu a Assistência Judiciária Gratuita propugnada quando do ajuizamento do feito de origem.

O recurso merece provimento, conforme remansada orientação jurisprudencial.

Com efeito, assentaram os Tribunais pátrios que para concessão do benefício da Justiça Gratuita à pessoa física é suficiente a mera declaração de pobreza pelo interessado, asseverando que não se encontra em condições de suportar as despesas do processo. Isso em face de presunção legal, instituída na Lei nº 1.060/50.

Repare-se no que dispõem seu artigo 4º e §1º, verbis:

“Art.4º - ... A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.

§1º - Presume-se pobre até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos dessa lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.”

Vale frisar que o art. 5º, inciso LXXIV, da Carta Magna, não derrogou a Assistência Judiciária gratuita assegurada nos moldes da Lei nº 1.060/50, compreensão pacífica na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Neste sentido os recentes julgados daquela Corte a seguir ementados:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTROVÉRSIA ACERCA DO ART. 4º DA LEI 1.606/50. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. SIMPLES DECLARAÇÃO DA PARTE DE QUE NÃO POSSUI CONDIÇÕES DE ARCAR COM AS

CUSTAS DO PROCESSO.

1. Conforme a reiterada jurisprudência desta Corte, para a pessoa física gozar dos benefícios alusivos à assistência judiciária gratuitaprevistos na Lei 1.060/50, basta requerimento formulado na petição inicial, incumbindo à parte contrária, se assim entender, o ônus de comprovar que o requerente não se encontra em estado de miserabilidade jurídica.

2. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 1047861/RS, Min. Rel. DENISE ARRUDA, Primeira Turma do STJ, publicado no DJe em 09/02/2009)

E mais:

“AGRAVO REGIMENTAL. JUSTIÇAGRATUITA. PESSOA FÍSICA.COMPROVOÇÃO DE MISERABILIDADE. DESNECESSIDADE. ÔNUS DA PARTE EX ADVERSA PROVAR O CONTRÁRIO.

1. No que toca à concessão de gratuidade de justiça, "para a pessoa física, basta o requerimento formulado junto à exordial, ocasião em que a negativa do benefício fica condicionada à comprovação da assertiva não corresponder à verdade, mediante provocação do réu. Nesta hipótese, o ônus é da parte contrária provar que a pessoa física não se encontra em estado de miserabilidade jurídica." (ERESP 388.045/RS, Rel. Min. GILSON DIPP, Corte Especial, DJ de 22.09.2003),

2. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no Ag 945153/SP, Min. Rel. FERNANDO GONÇALVES, Quarta Turma do STJ, publicado no DJe em 17/11/2008).

A considerar, por fim, que a decisão impugnada não trouxe em seu bojo nenhum fundamento que possibilitasse afastar a presunção legal pautada na auto-declaração de hipossuficiência, restringindo-se ao indeferimento do benefício em face do autor residir “... em bairro de classe média alta segundo informações obtidas no GOOGLE” e por exercer “profissão rentável”.

Tais aspectos, induvidosamente, não constituem suficiente motivação a ensejar o indeferimento da Assistência Judiciária, mormente após confrontados com as justificativas engendradas pelo Recorrente.

Na verdade, à luz dos precedentes colacionados vê-se que a decisão impugnada contrasta a lei e a jurisprudência pacificada do STJ, pelo que DOU PROVIMENTO, liminarmente, ao presente Agravo de Instrumento, o fazendo com fulcro no art. 557-A do Código de Processo Civil, garantindo ao Agravante a admissão do feito de origem mediante os benefícios da Assistência Judiciária gratuita.

Publique-se. Intime-se

Salvador, 06 de Maio  de 2011.

 

Fonte: DJE BA