Desª. Daisy Lago Ribeiro Coelho, do TJBA, cassa decisão da Vara da Infância e Juventude de Itabuna (BA)

Publicado por: redação
30/05/2011 02:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0005861-69.2011.805.0000-0
ORIGEM DO PROCESSO: ITABUNA

AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA

PROMOTOR DE JUSTIÇA: ALLAN SANTOS GOIS

AGRAVADO: ZENILDA SOARES MACIEL

DEFENSOR PÚBLICO: WASHINGTON LUIZ PEREIRA DE ANDRADE

RELATORA: DESª DAISY LAGO RIBEIRO COELHO

DECISÃO

Cuidam os autos de Agravo de Instrumento com pedido de antecipação de tutela recursal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIAcom intuito de suspender a eficácia da decisão de primeiro grau prolatada nos autos da Ação de Guarda nº. 0017474-09.2009.805.0113, proposta por ZENILDA SOARES MACIEL, em trâmite na Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Itabuna/Ba., queconcedeu à requerente, ora agravada,a guarda provisória da criança ITAMAR GUIMARÃES SANTOS NETO, nos termos do parágrafo 1º do art. 33, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Narra a exordial que a agravada (avó paterna do menor), afirmou na ação originária que tem a guarda de fato da criança desde o seu nascimento e que tem provido todas as suas necessidades materiais; que a genitora do infante concorda com o requerimento da agravada, conforme declaração anexa e, que, o juiz a quoconcedeu a guarda antes de ouvir as partes e da manifestação do Ministério Público.

Argüi, preliminarmente, a incompetência da Vara da Infância e da Juventude para apreciação e processamento do feito, posto que somente após a constatação da situação de risco pessoal ou social envolvendo o menor, torna-se competente aquela vara e que, em caso contrário, a competência será da Vara de Família; que diante da provas contidas nos autos, não restou comprovada a situação de risco prevista no art. 98, I, II, e III e 148, § único, alíneas “a” e “b”, todos da Lei nº. 8.069/90 a ensejar a apreciação da causa pela Vara da Infância e da Juventude e, que, consoante o disposto no art. 113, caput e § 2º do Código de Ritos é de ser reconhecida, de ofício, a incompetência absoluta do Juízo a quopara o processamento e julgamento do feito.

Alega que não restaram comprovados, no primeiro grau, os requisitos autorizadores à concessão do pleito liminar, quais sejam, o fumus boni iuris, o periculum in morae a prova inequívoca da verossimilhança da alegação; que não há nos autos qualquer elemento de prova e, que, “não restou demonstrado nos autos a relevância dos motivos em se baseia o pedido liminar de guarda provisória, além do fato de que a permanência do infante sob a guarda da requerente atende ao melhor interesse deste”.

Ao final, requer a declinação da competência do feito para uma das varas de família da comarca de Itabuna. Do Colegiado, pugna pelo provimento do recurso.

É o relatório. Decido.

Antes da aferição do mérito da decisão proferida pelo MM Juízo de 1º grau, cumpre verificar que, diante da redação dos artigos 98, I, II, e III e 148, § único, alíneas “a” e “b”, da Lei nº. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente,compete à Vara da Infância e da Juventude o processamento do pedido de guarda de menor quando existirem nos autos provas de que a criança se encontra em situação de lesão e ameaça de lesão a direitos. Vejamos o teor dos referidos dispositivos legais:

“Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados os violados:

I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;

III – em razão de sua conduta

Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:

(...)

Parágrafo único. Quando se tratar de criança ou adolescente nas hipóteses do artigo 98, é também competente a Justiça da Infância e da Juventude para o fim de:

a) conhecer de pedido de guarda e tutela;

b) conhecer de ações de destituição do pátrio poder,perda ou modificação da tutela ou guarda;”

N'outro giro, a Lei de Organização Judiciária nº. 10.845/07 dispõe, no art. 73, inciso I, alínea “d” que:

“Art. 73 – Aos Juízes das Varas de Família compete:

I – processar e julgar:

d) as ações de alimentos e as de posse e guarda de filhos menores, quer entre os pais, quer entre estes e terceiros”;

Pois bem, da leitura da petição inicial da ação originária, assim como dos documentos colacionados aos autos, não se vislumbra qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito de menor.

Neste sentido, é de ver-se que a aplicação da regra de competência prevista no art. 113, do Código de Processo Civil é imediata, importando na nulidade dos atos decisórios proferidos por Juiz de Direito destituído de competência jurisdicional, razão pela qual entendo que é nula a decisão de fl. 10, devendo o processo ser remetido a uma das Varas de Família da Comarca de Itabuna.

Nesse sentido, colhem-se entendimentos dos seguintes arestos:

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE GUARDA. PRETENSÃO FORMULADA EM RELAÇÃO A MENORES QUE NÃO SE ENCONTRAM EM ESTADO DE ABANDONO. COMPETÊNCIA DA VARA CÍVEL PARA APRECIAÇÃO DO PEDIDO. JUIZ SUSCITADO. PROCEDÊNCIA DO INCIDENTE PROCESSUAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 98 E 148 AMBOS DA LEI Nº 8.069/1990 E RESOLUÇÃO Nº 227/1991 DA CORTE SUPERIOR DESTE TJMG.Se os menores não se encontram em situação de risco e abandono, a competência para seu exame é de uma das Varas Cíveis ou de Família, se houver, e não da Infância e da Juventude, razão pela qual, na espécie, é do Juiz Suscitado a competência para o processamento e julgamento da demanda em trâmite em inferior Instância.CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA N° 1.0000.08.470658-9/000. COMARCA DE ARAGUARI. SUSCITANTE: JD V CR INF JUV ACID TRAB COMARCA ARAGUARI. SUSCITADO(A): JD 4 V CV COMARCA ARAGUARI. RELATOR: EXMO. SR. DES. DORIVAL GUIMARÃES PEREIRA Relator do Acórdão: DORIVAL GUIMARÃES PEREIRAData do Julgamento: 21/08/2008 Data da Publicação: 03/09/2008

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETENCIA. AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA. JUÍZO COMPETENTE. SITUAÇÃO DE RISCO. INEXISTENCIA. VARA CÍVEL.A competência em razão da matéria definida pelo artigo 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente exclui a competência dos juízos cíveis ou de família, somente, quando osmenores se encontrarem em situação de risco, assim definido pelo artigo 98 do mesmo estatuto.CONFLITO DE COMPETÊNCIA N° 1.0000.09.499819-2/000. COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES. SUSCITANTE: JD V INF JUV PREC COMARCA GOVERNADOR VALADARES - SUSCITADO(A): JD 7 V CV COMARCA GOVERNADOR VALADARES - RELATOR: EXMO. SR. DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES Data do Julgamento: 27/08/2009 Data da Publicação: 09/09/2009.

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. GUARDA DE MENOR. SITUAÇÃO DE RISCO NÃO CONFIGURADA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE FAMÍLIA. 1. Não configurada qualquer situação de risco imputável ao menor cuja guarda foi requerida judicialmente, nos termos definidos no Artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente, já residindo o infante há mais de dez anos com a requerente, injustificável deslocar-se a competência para o Juízo da Vara da Infância e da Juventude, firmando-se a competência do Juízo suscitado (Vara de Família, Órfãos e Sucessões do Paranoá/DF) para processar e julgar a causa. 2. Conflito julgado procedente”. (TJDF-20060020140373CCP, Relator Cruz Macedo,2ª Câmara Cível, julgado em 05/03/2007, DJ22/03/2007 p. 69)

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PEDIDO DE GUARDA DEMENOR. AUSÊNCIA DE SITUAÇÃO DE RISCO PREVISTA NO ECA COMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA. Mesmo que o pedido de guarda de menor se dê fora do âmbito da família, a competência para o processamento e decisão do pedido pertence a uma das Varas de Família, se o caso não se enquadra em nenhuma das hipóteses do art. 98 do ECA, ou seja, quando haja para a criança ou adolescente uma situação de risco. Negado seguimento”. (Conflito de Competência Nº 70016996928, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em25/09/2006).

E ainda:

EMENTA: AGRAVO. DIREITO PROCESSUAL E DIREITO DA CRIANÇA DO ADOLESCENTE. COMPETÊNCIA. VARA DE FAMÍLIA E VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE. PEDIDO DE TUTELA CUMULADO COM DESTITUIÇÃO DE PÁTRIO PODER. SITUAÇÃO DE RISCO NÃO CONFIGURADA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE FAMÍLIA. De acordo com artigo 148, parágrafo único, alínea "a", do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Justiça da Infância e da Juventude é competente para conhecer de pedidos de guarda e tutela de criança ou adolescente, quando estiver caracterizada qualquer das hipóteses de ameaça ou violação aos direitos do menor, previstas no artigo 98 do mesmo diploma legal. Tendo em vista o caráter excepcional da norma em comento, não se caracterizando nos autos qualquer indício de violação ou ameaça aos direitos do infante, a competência para processamento julgamento do feito será da Vara de Família. Agravo a que se nega provimento”. (Agravo de Instrumento N° 59022-8/2008, Terceira Câmara Cível do TJ Bahia, Rel. JuizJosevando Souza Andrade substituindo o Des. Carlos Alberto Dultra Cintra, j. 20/01/2009).

Assim, entendo que a decisão vergastada contraria a Lei e a jurisprudência predominante nos Tribunais, motivo pelo qual, assistindo razão ao agravante, urge o provimento do presente agravo de instrumento para cassar a decisão objurgada, com fundamento no § 1º, do artigo 557, Código de Processo Civil, decretando sua nulidade, e determinando que o Juízo de primeiro grau remeta os autos da ação originária para que esta tenha curso em uma das Varas de Família da Comarca de Itabuna/Bahia.

Oficie-se ao Juízo singular comunicando-lhe o teor desta decisão.

Publique-se. Intimem-se.

Salvador, 23 de maio de 2011.

DESª DAISY LAGO RIBEIRO COELHO

Relatora

Fonte: DJE BA