Anulada decisão da 5ª Vara da Fazenda Pública de Salvador, confirmou o Des. Paulo Furtado, do TJBA

Publicado por: redação
08/07/2011 08:30 AM
Exibições: 76

Inteiro teor da decisão:

 

 

 

4ª CÂMARA CÍVEL
Apelação Nº: 0151710-74.2008.805.0001-0
APELANTE: GODOFREDO SANTOS SILVA
ADVOGADO: MARCOS LUIZ CARMELO BARROSO
APELADO: ESTADO DA BAHIA
PROCURADOR DO ESTADO: NACHA GUERREIRO SOUZA AVENA
RELATOR: DESEMBARGADOR PAULO ROBERTO BASTOS FURTADO

DECISÃO

Cuida-se de apelação interposta em face da sentença de fls. 29/33, que extinguiu, por prescrição da pretensão autoral, a ação ordinária ajuizada por Godofredo Santos Silva contra o Estado da Bahia, visando ao recebimento de valor pecuniário relativo a férias não gozadas.

Alega o apelante, policial militar da reserva remunerada, haver sido transferido para a inatividade em 14.10.2003, contando com 18 (dezoito) períodos de férias não gozadas, os quais, a pedido do próprio oficial, não foram computados para efeito de cálculo de seu tempo de serviço.

Diz que, nessas circunstâncias, tanto a legislação atual (Lei nº 7.990/01), como as anteriores (Lei nº 3.933/81 e 6.932/96), “estabelecem que o Policial tem direito à indenização pelas férias não gozadas e que pode requerê-lo até sua transferência para a inatividade” (fls. 37).

Afirma que, proposta a demanda em 26.09.2008, não há falar em prescrição, como equivocadamente consignado pela sentença recorrida.

Contrarrazões às fls. 46/52, pelo improvimento.

É o relatório.

DECIDO.

O § 1º-A, do artigo 557, do CPC, dispõe que:

“Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso”.

A matéria posta para acertamento, relativa ao termo a quo do prazo prescricional da pretensão à indenização pelos períodos de férias não gozados pelo servidor, encontra-se pacificada pela jurisprudência do STJ:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LICENÇA-PRÊMIO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. APOSENTADORIA.

1. 'O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o termo a quo da prescrição do direito de pleitear indenizações referentes a licenças e férias não gozadas é o ato de aposentadoria e, dessa forma, mantida a relação com a Administração, o servidor público poderá usufruir do gozo da licença-prêmio a qualquer tempo, anteriormente à aposentação.' (AgRg no Ag 1.094.291/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 24/3/09, DJe 20/4/09)...” (AgRg no REsp 810.617/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, 6ª TURMA, j. em 04.02.2010, Dje de 01.03.2010). Grifei.

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. FÉRIAS NÃO GOZADAS. INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. APOSENTADORIA. RECURSO DESPROVIDO.

I - O Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento, segundo o qual, o termo inicial da prescrição do direito de pleitear indenizações referentes a licenças e férias não gozadas, tem início com o ato de aposentadoria. Precedentes do STJ...” (AgRg no Ag 728.141/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, 5ª TURMA, j. em 07.03.2006, DJ de 27.03.2006, p. 321). Grifei.

Como visto, somente com a transferência do policial para a reserva é que se esgota a possibilidade de usufruir dos períodos de férias não gozados junto à Administração, essa a razão pela qual tal momento marca o início do prazo prescricional respectivo.

Essa, também, a correta interpretação a ser dada ao artigo 140, §§ 4º e 5º, da Lei nº 7.990/2001, ante a omissão, no diploma legal, quanto ao momento específico de pagamento da indenização:

“Art. 140 - O policial militar fará jus, anualmente, a trinta dias consecutivos de férias, que, no caso de necessidade do serviço, podem ser acumuladas, até o máximo de dois períodos, sob as condições dos parágrafos seguintes:

(...)

§ 4º - Somente em casos de interesse da segurança nacional, de grave perturbação da ordem, de calamidade pública, comoção interna, transferência para a inatividade ou como medida administrativa de cunho disciplinar, seja por afastamento preventivo ou para cumprimento de punição decorrente de transgressão disciplinar de natureza grave e em caso de internamento hospitalar, terá o policial militar interrompido ou deixará de gozar na época prevista o período de férias a que tiver direito, registrando-se o fato nos seus assentamentos.

§ 5º - Na impossibilidade de gozo de férias no momento oportuno pelos motivos previstos no parágrafo anterior, ressalvados os casos de cumprimento de punição decorrente de transgressão disciplinar de natureza grave, o período de férias não usufruído será indenizado pelo Estado.”

Diferentemente, portanto, do quanto afirmado pela sentença recorrida, o termo inicial do prazo de prescrição a ser considerado não é a data de edição da Lei nº 7.990/2001, mas sim a data em que o apelante restou transferido para a reserva remunerada, ou seja, 14.10.2003.

Assim, proposta a demanda em 26.09.2008, não há falar em prescrição da pretensão autoral.

Afastada a prescrição, passo a examinar a questão de fundo propriamente dita, por força do disposto no art. 515, do CPC.

O apelante alega e comprova, através do documento de fls. 10, emitido pela Secretaria do Departamento de Pessoal da Polícia Militar, não impugnado pelo apelado, haver deixado de gozar 18 (dezoito) períodos de férias: 1969 a 1976, 1980, 1982 a 1986, 1989 (vinte dias) e 1990 a 1991.

O mesmo documento atesta, ainda, que os referidos períodos também não foram computados para o cálculo do tempo de serviço do apelante, fato corroborado pelos documentos de fls. 13/15, não impugnados pelo Estado da Bahia.

Por sua vez, o documento de fls. 12 demonstra que referidos períodos não foram gozados por necessidade do serviço, também não impugnado pelo apelado.

Mas, ainda que assim não fosse, o Superior Tribunal de Justiça sufragou a tese de que “é desnecessária a comprovação de que as férias e a licença-prêmio não foram gozadas por necessidade do serviço, já que o não-afastamento do empregado abrindo mão de um direito, estabelece uma presunção em seu favor” (REsp 719401/SP, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, j. em 28.06.2005, DJ de 07.11.2005, p. 229).

Sobre o tema em comento, no mesmo sentido tem decidido este Tribunal:

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. POLICIAL MILITAR INATIVO. INDENIZAÇÃO POR FÉRIAS NÃO GOZADAS. INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA O PLEITO INDENIZATÓRIO: TRANSFERÊNCIA PARA RESERVA REMUNERADA. INDENIZAÇÃO DAS FÉRIAS ADMISSÍVEL, COM A CORRESPONDENTE CORREÇÃO. INAPLICABILIDADE, PORÉM, DO TERÇO CONSTITUCIONAL AOS PERÍODOS DE FÉRIAS ANTERIORES À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DEVIDA E JUROS MORATÓRIOS DE 6% AO ANO. RECURSOS VOLUNTÁRIOS IMPROVIDOS E REMESSA OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDA EM NECESSÁRIO REEXAME. O ENTENDIMENTO DO STJ É DE QUE O PRAZO PRESCRICIONAL PARA PLEITEAR INDENIZAÇAO DE FÉRIAS NÃO GOZADAS INICIA-SE NO MOMENTO DA PASSAGEM DO SERVIDOR PARA A INATIVIDADE, QUANDO NÃO PODERÁ MAIS USUFRUÍ-LAS. ADMISSÍVEL A INDENIZAÇÃO AO POLICIAL MILITAR POR FÉRIAS NÃO GOZADAS POR NECESSIDADE DO SERVIÇO E SE NÃO COMPUTADAS PARA EFEITO DE CONTAGEM DE TEMPO PARA APOSENTADORIA, COM O ACRÉSCIMO DE 1/3 CONSTITUCIONAL APENAS PARA OS PERÍODOS POSTERIORES À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. A CORREÇÃO MONETÁRIA INCIDE A PARTIR DA DATA QUE DEVERIA TER SIDO PAGA CADA PARCELA DEVIDA E OS JUROS DE MORA A PARTIR DA CITAÇAO (ART. 405 DO CÓDIGO CIVIL C/C O ART. 219 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL), À BASE DE 6% AO ANO” (Segunda Câmara Cível, AP 68213-8/2008, Rel. Desa. Maria da Graça Osório Pimentel Leal, j. em 05.05.2009).

“APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO ORDINÁRIA. ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR INATIVO. PAGAMENTO DE FÉRIAS NÃO GOZADAS POR NECESSIDADE DO SERVIÇO. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. PREJUDICIAL DE MÉRITO AFASTADA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. O PRAZO PRESCRICIONAL INICIA-SE A PARTIR DO MOMENTO EM QUE PODE O SERVIDOR EXERCER O DIREITO, O QUE OCORREU SOMENTE COM A PASSAGEM DO SERVIDOR PARA A RESERVA REMUNERADA. A APOSENTADORIA DEVE OBEDECER À LEI VIGENTE À ÉPOCA EM QUE RESTARAM PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA O ATO DE APOSENTAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS: ATENDIMENTO AO DISPOSTO NO ART. 20, DO CPC. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E EQÜIDADE. PROVIMENTO PARCIAL. SENTENÇA PARCIALMENTE CONFIRMADA.” (Primeira Câmara Cível, AP 23426-7/2007, Rel. Desa. Maria da Purificação da Silva, j. em 19.09.2007).

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. INDENIZAÇÃO POR FÉRIAS NÃO GOZADAS. PRELIMINAR: PRESCRIÇÃO. REJEIÇÃO. FLUÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL SOMENTE A PARTIR DO MOMENTO EM QUE RESTOU SUBTRAÍDO O DIREITO PLEITEADO. INDENIZAÇÃO NA FORMA SIMPLES. APLICABILIDADE DO ART. 140, §5°, DO ESTATUTO DOS POLICIAIS MILITARES- LEI ESTADUAL N°. 7.990/2001. BASE DE CÁLCULO DA INDENIZAÇÃO. VALOR DA REMUNERAÇÃO DO POSTO OU GRADUAÇÃO OCUPADA PELO MILITAR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. HONORÁRIOS PROPORCIONALMENTE REPARTIDOS E COMPENSADOS. APLICABILIDADE DO ART 21, DO CPC. A FLUÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL INICIA-SE NA DATA EM QUE O DIREITO BUSCADO PELO AUTOR RESTOU SUBTRAÍDO DE SEU PATRIMÔNIO, IN CASU, DA DATA EM QUE O POLICIAL MILITAR FOI TRANSFERIDO PARA RESERVA REMUNERADA. A LEI ESTADUAL N° . 7. 990/01, ESPECIFICAMENTE EM SEU ART. 140, §, 5°, PREVÊ QUE "NA IMPOSSIBILIDADE DE GOZO DE FÉRIAS NO MOMENTO OPORTUNO (...), O PERÍODO DE FÉRIAS NÃO USUFRUÍDO SERÁ INDENIZADO PELO ESTADO". OU SEJA, A PREVISÃO É APENAS DE INDENIZAÇÃO DOS VALORES RELATIVOS, DE FORMA SIMPLES, E NÃO EM DOBRO. AS FÉRIAS E OUTROS AFASTAMENTOS MENCIONADOS NOS ARTS. 140 E 141 SÃO CONCEDIDOS COM A REMUNERAÇÃO DO RESPECTIVO POSTO OU GRADUAÇÃO, (ART. 142, DA N°. 7.990/2001. EM CASO DE SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA, OS HONORÁRIOS DEVEM SER RECÍPROCA E PROPORCIONALMENTE DISTRIBUÍDOS E COMPENSADOS ENTRE AS PARTES. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR, PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO NECESSÁRIO E DA APELAÇÃO, E IMPROVIMENTO DO RECURSO ADESIVO” (Quarta Câmara Cível, AP 22707-9/2007, Rel. Des. José Olegário Monção Caldas, j. em 02.04.2008).

No caso em apreço, havendo o apelante comprovado os fatos constitutivos do seu direito, impõe-se seja a sua pretensão acolhida, ressalvando-se, apenas, o acréscimo de 1/3 quanto aos períodos anteriores à promulgação da Constituição de 1988, como referido na própria inicial e já decidido por este Tribunal de Justiça:

“...somente os períodos de férias posteriores à vigência da Constituição Federal de 1988 serão indenizados com o acréscimo do terço constitucional, eis que criado tal benefício com a vigente Carta Magna, consoante já decidido pela extinta Câmara Especializada deste Tribunal (AC 14501-8/2003 e AC 26611-9/2003), sendo os períodos anteriores pagos de forma simples, sem o referido acréscimo de 1/3 (um terço)” (Quinta Turma, AP 0103936-48.2008.805.0001-0, Rel. Des. Cícero Landin Neto, j. em 22.09.2010).

Ante o exposto, com amparo no artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, dou provimento ao recursoe julgo procedente a demanda para condenar o apelado ao pagamento da indenização pelos períodos de férias não gozados pelo apelante, acrescidos do terço constitucional apenas os períodos posteriores à Constituição de 1988, devendo ser considerada como base de cálculo da indenização aquela referida pelo art. 142, da Lei nº 7.990/2001. Correção monetária a partir da data que deveria ter sido paga cada parcela devida e juros de mora a partir da citação (art. 405 do Código Civil c/c o art. 219 do Código de Processo Civil), à base de 6% ao ano.

Honorários pelo apelado, ora arbitrados em 5% (cinco por cento) do valor total da condenação.

Intimem-se.

Salvador(BA), 05 de julho de 2011.

 

Fonte: DJE BA