Justiça condena Unimed Salvador

Publicado por: redação
03/08/2011 04:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

 

0078985-05.1999.805.0001 - PROCEDIMENTO ORDINARIO

Apensos: 14099709499-4

Autor(s): Carlos Guedes Gagliano, Frederico Gedeon Gagliano

Advogado(s): Patrícia Maria Teixeira da Cruz

Reu(s): Unimed De Salvador

Advogado(s): Adriana Tapioca Bastos Sousa

Sentença:  SENTENÇA

Vistos etc,
FREDERICO GEDEON GAGLIANO e CARLOS GUEDES GAGLIANO, devidamente qualificados nos autos, por advogado legalmente habilitado, ajuizaram a presente AÇÃO ORDINÁRIA contra UNIMED DE SALVADOR, também já qualificada, aduzindo em síntese o primeiro autor que celebrou contrato de seguro de saúde com a Ré em Agosto de 1997, pagando valores mensais correspondentes ao plano Uniplan-Pessoa Física, contrato sob o número 125637, tendo como beneficiários o seu pai e segundo autor e sua mãe, afirmando pagar em dias suas mensalidades, quando no dia 12 de Julho de 1999, o segundo autor foi internado em estado grave no Hospital Aliança com diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, submetendo-se a uma angioplastia coronária com caráter balão e à necessária implantação de um stent bensten artist (2,5 x 15). Contudo, a seguradora ré negou-se a custear um dos instrumentos do procedimento cirúrgico, qual seja, stent, no valor de R$ 7.136,64 (sete mil, cento e trinta e seis reais e sessenta e quatro centavos), tendo o primeiro autor assumido um termo de responsabilidade perante o hospital retromencionado pelo tratamento do segundo autor. Alega que a negativa foi ilegal e pede a declaração de nulidade da cláusula contratual que exclui a responsabilidade da empresa ré ao pagamento do implante de “stent”, condenando-a ao pagamento do valor do mencionado material ao Hospital Aliança, bem como custas e honorários advocatícios. Juntou os documentos de fls. 09 a 30.
Deferido o pedido dos benefícios da assistência judiciária gratuita às fls. 32.
Citada, a ré apresentou contestação às fls. 38 a 41, sustentando que o procedimento não foi autorizado, haja vista ser o material implantado de fabricação estrangeira, restando excluído da cobertura contratual. Aduz, ainda, que o contrato foi assinado pelo Demandante, tendo este declarado a ciência de todas as cláusulas. Pede a improcedência do pedido, com a condenação dos autores à sucumbência, juntando os documentos de fls. 42 a 53.
Os autores em réplica às fls. 59 a 63, rebatem as argumentações trazidas na contestação e reiteram os pedidos formulados na exordial.
Audiência às fls. 72, realizada no dia 16 de Fevereiro de 2004, presente as partes através de seus procuradores. A advogada dos demandantes requereu a suspensão da audiência e designação de nova data para sua realização, visto que o primeiro autor encontrava-se acometido de crise de hipertensão, informando, ainda, o falecimento do segundo autor, requerendo o prazo de 15 (quinze) dias para juntada de certidão de óbito e habilitação dos espólios e herdeiros. Pelo MM. Juiz foi deferido todo o pleito.
Juntada às fls. 78, certidão de óbito do segundo autor.
Outra audiência às fls. 83, realizada no dia 10 de Dezembro de 2009, foi proposta conciliação, porém não foi possível qualquer acordo, face a ausência do autor. O advogado da ré requereu o chamamento do feito à ordem, tendo em vista o óbito de um dos autores e a inocorrência da formalização da habilitação de espólio e de herdeiros no prazo deferido pelo MM. Juízo.
Em petição de fls. 86 a 87 dos autos, foram requeridas as habilitações no polo ativo da demanda, sendo juntados os documentos de fls. 88 a 99.
Audiência às fls. 102, realizada no dia 29 de Novembro de 2010, foi proposta a conciliação, porém a mesma não logrou êxito, tendo em vista a ausência do autor. A preposta da ré requereu o julgamento antecipado do processo no estado em que se encontra, tendo em vista a ausência da parte autora, além de que o objeto da demanda se trata de matéria unicamente de direito. Pela MM. Juíza foi dito para a parte autora se manifestar em 48 (quarenta e oito) horas.
Em petição às fls. 105, o autor informou o interesse na produção de prova oral, requerendo a designação de audiência de instrução e julgamento.
Audiência às fls.109, realizada no dia 28 de Abril de 2011. Pela MM. Juíza foi dito que o não comparecimento da parte autora, subentende-se da sua indisposição em conciliar, em razão disso determinou a sua intimação para que em 48 (quarenta e oito) horas informasse o interesse na produção de provas. A advogada da ré disse não ter interesse em produzir novas provas.
Em petição de fls. 111, o autor requereu o julgamento antecipado da lide, vez que não possui novas provas a produzir.
Relatado, decido.
O Demandante pretende ser ver reconhecido o seu direito de cobertura do procedimento solicitado para realização de cirurgia com implante de “stent” coronário, visto que o segundo autor foi diagnosticado com infarto agudo do miocardio, consoante relatório médico de fls. 21/22 dos autos. No entanto, o Plano de Saúde Demandado recusou-se a cobrir o material indicado, sob o argumento de que se tratava de procedimento excluído da cobertura contratual.
O CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como aquelas que regulem a autorização para procedimentos cirúrgicos.
Nota-se, que a empresa fornecedora, pretende, pelos argumentos insertos em sua contestação, desautorizar o médico por ela mesmo credenciado, que acompanhava e assistia o autor, ao confessar que negou autorização a realização do procedimento porque o material apontado era importado, restando excluído do manto contratual.
No entanto, nem com sua contestação, nem quando da audiência de conciliação, a seguradora trouxe aos autos qualquer documento e outro meio de prova que sustentasse a justiça da recusa por não existir justificativa clínica que viesse a demonstrar a sua efetiva necessidade de utilização no procedimento cirúrgico solicitado. Mesmo porque, é dever do fornecedor, nos termos do artigo 6º, III, da lei consumerista, transmitir as informações necessárias ao consumidor de forma clara e precisa, com base nos princípios da boa fé e da transparência e seus deveres anexos de informação, cooperação e cuidado.
Analisando a recusa da seguradora quanto à alegada pertinência do material para o procedimento cirúrgico, não havendo qualquer indício de má-fé do autor/segurado, mesmo porque, ainda que o fosse, era da seguradora o ônus de provar o fato impeditivo do direito do autor e mesmo, quando da negativa do procedimento, ter adotado todas as cautelas, podendo ter exigido outros exames médicos e elaborar laudo demonstrativo da inexistência daquele tipo de recurso para a cirurgia, o que não o fez.
Isso porque quem tem a obrigação de aferir as reais necessidades do estado do consumidor e dos recursos necessários para preservação de sua saúde é o médico responsável pela cirurgia, que inclusive responde civilmente pelos danos causados ao seu paciente em caso de erro ou negligência médica e se a seguradora tinha fontes cientificas reais para negar a cobertura técnica do procedimento deveria manter contato com o médico responsável para resolver o problema e para que fosse verificada a situação clínica e médica do consumidor, uma vez que este é a parte hipossuficiente na relação de consumo.
Em que pese seja a requerida uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que os contratos de planos de saúde é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está a integridade física e a vida do consumidor.
Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, pratica que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual, não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
Constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança, causando ao autor o conseqüente constrangimento de ter negado o seu direito ao procedimento cirúrgico de emergência, o que não ocorreria caso esta fosse mais diligente com os seus clientes.
A jurisprudência socorre a pretensão do autor:

APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO SAÚDE. EXCLUSÃO CONTRATUAL.
PRÓTESE. Marcapasso. Aparelho indispensável à vida do consumidor.
Limitação indiscriminada de cobertura de despesas médico-hospitalares,
inviabilizando o tratamento do autor. Cobertura de todo o tratamento e
cirurgias. Aplicação da Lei 8.078/90. Aplicação dos princípios da
dignidade da pessoa humana e direito à saúde. Recurso improvido.
(Apelação Cível n. 22.295/2005, em que foi relator o Desembargador
sidney Hartung).

“(...) Cláusula contratual que nega cobertura para procedimento médico
regularmente indicado por profissional médico como necessário à saúde
do segurado é abusiva e deve ser considerada como não-escrita. A
negação de cobertura caracteriza prática abusiva, porque objetiva a
transferência de seus riscos, como fornecedora, para o consumidor,
rompendo a boa fé objetiva que deveria preponderar na relação,
perdendo-se a transparência que, aparentemente, havia na relação
contratual, desrespeitando-se, também, os princípios da proteção à vida e
à saúde do consumidor, à sua dignidade aos seus interesses
econômicos, tendo em vista que deixou de receber a contrapartida que
pagou. Recurso a que se dá provimento em parte”. (Rec. 29590-6/1999.
Julgado em 02.08.2000. Rel. Juiz ESERVAL ROCHA)

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER –
FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO DENOMINADO "STENT" PARA
A REALIZAÇÃO DA CIRURGIA CORONARIANA DA AUTORA –
CLÁUSULA CONTRATUAL QUE NÃO EXCLUI O FORNECIMENTO
DESSE MATERIAL – INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO DE ADESÃO
– RELAÇÃO DE CONSUMO – OBRIGAÇÃO RECONHECIDA –
RECURSO PROVIDO – De acordo com os artigos 47 do Código de
Defesa do Consumidor e 423 do CC/02, no contrato de adesão as
cláusulas devem ser interpretadas em favor do aderente, sobretudo
quando a relação jurídica existente entre as partes está subsumida
à legislação consumerista. A partir dessa premissa, afigura-se ilegal a
conduta da requerida em se negar a fornecer o equipamento
denominado "Stent" para a cirurgia coronariana que a consumidora
teve de se submeter, quando não existe expressamente no contrato
de prestação de serviços médicos a exclusão desse material”.
(TJMS – AC 2003.009547-0/0000-00 – Campo Grande – 3ª T.Cív. – Rel.
Des. Oswaldo Rodrigues de Melo – J. 22.11.2004) JCDC.47
JNCCB.423) – grifos não originais.

Com efeito, a não cobertura dos instrumentos e materiais cirúrgicos indicados para a realização do procedimento cirúrgico tem o condão de invalidar um dos maiores objetivos do contrato, a assistência médica. O paciente não é senhor de sua saúde, portanto, à limitação de cobertura de determinados materiais e procedimentos pode causar sérios danos à saúde daquele que necessita do tratamento.

Desta forma, a utilização dos materiais descritos na inicial – face a ausência de impugnação especificada da ré – são imprescindíveis e determinantes para o sucesso do ato cirúrgico prescrito pelo médico assistente ao autor, não cuidando a ré em provar o contrário, ou seja, a desnecessidade ou ineficácia do tratamento prescrito ao demandante.
Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo procedente a ação para reconhecer a injustiça da negativa de autorização da cirurgia do autor com utilização de stent coronário e tudo mais que se fizer necessário, confirmado a tutela antecipada deferida na ação cautelar inominada apensa aos presentes autos, e determinar que a UNIMED DE SALVADOR arque com o valor do procedimento, acrescidos de juros legais e correção monetária a contar do pagamento até o efetivo reembolso.
Condeno, ainda, a ré ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.

P.R.I.

Salvador, 12 de Julho de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza Titular

 

Fonte: DJE BA