Hipercard condenada por inserir nome de cliente nos serviços de restrição ao crédito

Publicado por: redação
23/08/2011 05:00 AM
Exibições: 147

Inteiro teor da decisão:

0123201-36.2008.805.0001 - INDENIZATORIA (REPARACAO DE DANOS)

Autor(s): Sherla Morango Santos Guimaraes

Advogado(s): Adriano Ribeiro Basto Júnior, Oab/Ba 14261

Reu(s): Hipercard Administradora De Cartao De Credito Ltda

Advogado(s): Claudio Mario Santos Vilas Boas Oab/Ba 22952

Sentença:
Vistos, etc.

SHERLA MORANGO SANTOS GUIMARÃES, nos autos qualificado, ingressou com AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS e MATERIAIS, com pedido de tutela antecipada contra HIPERCARD ADM. DE CARTÕES DE CRÉDITO LTDA.., alegando, em síntese, que foi surpreendida com a informação de que seu nome encontrava-se inscrito no cadastro do SPC, por suposta dívida no valor de R$-773,59=; registro esse efetivado pelo Demandado. Ressalta que nunca firmou contrato de prestação de serviços com O Acionado, sendo, portanto, infundada a dívida e indevida a correspondente negativação no referido órgão de restrição de crédito. Destaca que esse ato ilícito do Demandado tem lhe causado transtornos de monta, atingindo a honra, por se encontrar em uma situação constrangedora e humilhante. Pugna, liminarmente, pela concessão de liminar para fins de exclusão do seu nome dos aludidos cadastros, e, a final, pela procedência da ação, condenando-se o Demandado pelo pagamento de indenização por danos morais e materiais, no importe de 50 salários mínimos, devidamente atualizado, acrescido das custas processuais e honorários advocatícios (fls. 02/10). Instruem a exordial os documentos de fls. 11/14.
Deferiu-se a assistência judiciária gratuita e tutela antecipada almejada, determinando-se a imediata exclusão do nome da Autora dos cadastros restritivos de crédito do SPC (fls. 16).
Procedida à citação (fls. 18) o Demandado não ofereceu contestação, permanecendo silente, conforme certidão de fl. 19.

É o relatório. D E C I D O.
O caso é de julgamento antecipado da lide, com base no artº. 330, I, do CPC, porquanto desnecessária a produção de prova em audiência acerca da matéria fática.
Cumpre inicialmente declarar a revelia do Acionado, reputando-se como verdadeiros os fatos narrados na peça exordial, isto porque este fora regularmente citado e não apresentara contestação, em conformidade com o art. 319 do CPC.
Com efeito, o cerne da questão, no caso sub judice, consiste em aferir se ocorreu defeito na prestação dos serviços do Demandado, decorrente de procedimento culposo de seus prepostos, capaz de ensejar indenização por danos morais padecidos pela Autora com a inscrição indevida do seu nome nos órgãos de restrição de crédito do SPC.
Urge destacar que o Demandado, por sua condição de revel, não se desincumbiu do onus probandi (artº. 333, II, do CPC), à assertiva da Autora de que não contratou os seus serviços, pois cabia à empresa Ré o ônus de provar o fato positivo em contrário, nos termos do artº. 6º, VIII, da Lei 8078/90, o que no caso vertente não ocorreu.
Competia-lhe adunar aos autos cópia do contrato de prestação de serviço, devidamente assinado pela Autora, ou, ao menos, registro comprobatório de que a mesma solicitou os seus serviços.
Merece registro que, a facilidade para aquisição de cartões de crédito é enorme, dando ensejo à pratica de fraudes, e, via de regra, o Demandado e seus congêneres não agem com o cuidado e zelo necessários para contratação dos serviços que oferecem no mercado de consumo, incidindo, no mais das vezes, em falhas na formalização do contrato, na medida em que deixam de coletar a assinatura do solicitante dos seus serviços, não conferem adequadamente os dados que lhe são apresentados, falta de cautelas essas que sem dúvidas lhes geram danos, inserindo-se no âmbito do risco da atividade empres .
Nesse diapasão a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“A falta de diligência da instituição financeira em conferir a autenticidade da assinatura do emitente do título, mesmo quando já encerrada a conta e ainda que o banco não tenha recebido aviso de furto do cheque, enseja a responsabilidade de indenizar os danos morais decorrentes do protesto indevido e da inscrição do consumidor nos cadastros de inadimplentes” (REsp 712591/RS, Min. NANCY ANDRIGHI, 3ª. Turma, 16/11/2006, DJ 04/12/2006).

O convencimento firmado nos autos é no sentido de que falsário contratou e utilizou em nome da Autora os serviços do Demandado, não podendo a mesma ser responsabilizada e punida por débitos que não contraiu.
Em verdade, o Demandado, por ser revel, nada comprovou, olvidando do seu dever de fazer prova do fato impeditivo do direito da ex adversa.
Ao tratar do onus probandi, leciona o festejado MOACYR AMARAL SANTOS, em seus Comentários ao CPC, vol. IV, Forense, 1977, pág. 36, que “são princípios fundamentais do instituto os seguintes: 1º. Compete, em regra, a cada uma das partes fornecer a prova das alegações que fizer. 2º. Compete, em regra, ao autor a prova do fato constitutivo e ao réu a prova do fato impeditivo, extintivo ou modificativo daquele”.
No mesmo diapasão a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“Seguro. Fato impeditivo do direito do Autor. Ônus da prova. Dever do Réu. Compete ao Réu a prova do fato impeditivo do direito do autor, artº. 333, II, do CPC. (AgRg no Ag. 672865/DF, Min. CASTRO FILHO, 3ª. Turma, 15/08/2006)

“Indenização.Compete ao autor a prova do fato constitutivo do seu direito e ao réu cabe a prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”(REsp 535002/RS, Min. CÉSAR ASFOR ROCHA, 4ª. Turma, 19/08/2003)

Ora, se o Demandado sequer contestou a ação e inexistindo nos autos fato impeditivo do direito da Autora, há que suportar as conseqüências inexoráveis da inclusão indevida e injusta do nome da suposta usuária dos seus serviços no órgão de restrição de crédito em destaque.
Ao exame da prova documental produzida nos autos, restou incontroverso a inclusão indevida do nome da Autora no SPC, por ordem do Demandado (fls. 14).
A Autora teve o seu nome inserido no cadastro do Serviço de Proteção ao Crédito, a partir de 12/06/2006, por suposto débito no valor de R$-773,59=, figurando o Demandado como ordenador desse registro (fls. 14), fato esse que caracteriza o denominado defeito na prestação do serviço, por procedimento culposo dos seus prepostos, na medida em que faltaram com a diligência necessária ao fazerem registro de dívida relativa a serviços não solicitados e muito menos utilizados pela Autora.
Faltou, na situação em destaque, o denominado dever de segurança por parte do prestamista dos serviços, de que trata o §1º., artº. 14, da Lei 8078/90.
Como sabido, em casos que tais o prestador de serviços responde de forma objetiva pela reparação dos danos causados aos consumidores pelos defeitos relativos aos serviços prestados, nos termos do artº. 14, caput, do CDC.
A rigor, só restaria afastada, no caso vertente, a responsabilidade do Demandado pelo fato do serviço, se este tivesse provado que o mesmo decorreu de culpa exclusiva do consumidor, no caso a Autora, ou de terceiro, a teor do artº. 14, §3º, II, do CDC.
A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça chancela o entendimento ora esposado, senão vejamos:
“O fornecedor de produtos e serviços responde objetivamente pelos eventos decorrentes do fato do produto ou do serviço que provocam danos a terceiros”(REsp 480697/RJ, Min. NANCY ANDRIGHi, 3ª. Turma, 07/12/2004, DJ 04/04/2005).

Nesse sentido também a lição da douta CLÁUDIA LIMA MARQUES, nos seus Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Ed. Rev. Tribunais, 4ª Edição, 2004, in verbis:

“Basta ser vítima de um produto ou serviço para ser privilegiado com a posição de consumidor legalmente protegido pelas normas sobre responsabilidade objetiva peo fato do produto presentes no CDC”.

Prima facie, com base nos elementos de prova constantes do caderno processual, tenho como caracterizada a responsabilidade do Demandado pelo dano moral puro infligido à Autora, decorrente de ato ilícito, suscetível de ser reparado, materializado na inclusão indevida e injusta do seu nome em cadastro restritivo de crédito.
Consagra o artº. 5º, X, da Carta Magna, a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, assegurando-lhes o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Pontifica CARLOS ALBERTO BITTAR em sua obra Reparação Civil por Danos Morais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1993, pág. 41, que tem-se “como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social)”.
No caso vertente, o dano moral resultou da inclusão indevida e injusta do nome da Autora no SPC, por ordem do Demandado.
Como já ressaltado, constitui-se em direito básico do consumidor, dentre outros, previsto no artº. 6º, VI, da Lei nº. 8078/90, a prevenção e efetiva reparação dos danos que padecer, decorrente de relação de consumo, impondo o artº. 14, caput, do CDC a responsabilidade objetiva em casos que tais, independentemente de culpa do fornecedor do serviço defeituoso, porquanto inerente ao risco da atividade que desenvolve.
O artº. 186 do Novo Código Civil reputa como ato ilícito, suscetível de ser reparado, o dano, ainda que exclusivamente moral, infligido a outrem, por negligência, imprudência ou imperícia do infrator.
Por outro lado, a inserção indevida do nome do consumidor em órgão de proteção ao crédito, para efeito de reparação do dano causado, não demanda seja demonstrado o efetivo prejuízo sofrido pela vítima, o qual é presumido, na medida em que trata-se do denominado ilícito puro.
A jurisprudência consolidada do Egrégio Superior Tribunal de Justiça agasalha o entendimento ora expendido, senão vejamos:

“Consoante jurisprudência firmada nesta Corte, o dano moral decorre do próprio ato lesivo, independentemente da prova objetiva do abalo à honra e à reputação sofrido pelo autor, que se permite, na hipótese, facilmente presumir, gerando direito a ressarcimento” (REsp 775498/PR, Min. JORGE SCARTEZZINI, 4ª. Turma, 16/03/06, DJ 10/04/06 p. 223)

“A exigência de prova de dano moral se satisfaz com a demonstração da existência de inscrição indevida nos cadastros de inadimplentes” (AgRg no Ag 979810/SP, Min. SIDNEI BENETI, 3ª. Turma, 11/03/2008, DJ 01/04/08 p. 1)

A aflição e humilhação por que passou a Autora, por conta do registro indevido do débito, mácula essa que perdurou por mais de 02 anos (fls. 14), rotulando-a como inadimplente e má pagadora, durante o tempo em que referida inserção permaneceu em aberto, situa-se no âmbito dos prejuízos de natureza puramente moral.
A fixação do valor da indenização dos danos morais, por sua vez, não é tarefa fácil, devendo contudo ser assentada nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de modo a coibir a reincidência do causador do dano sem enriquecer a vítima.
Na lição dos jovens e talentosos juristas PABLO STOLZE e PAMPLONA FILHO, no Novo Curso de Direito Civil, vol. III – Responsabilidade Civil, 4ª. Edição, 2006, Ed. Saraiva, pág. 50, “a reparação, em tais casos, reside no pagamento de uma soma pecuniária, arbitrada judicialmente, com o objetivo de possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória pelo dano sofrido, atenuando, em parte, as conseqüências da lesão”.
A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, subsidia com parâmetros justos e critérios a serem observados na fixação do quantum indenizatório em casos da espécie, in verbis:
“A revisão do ressarcimento fixado para danos morais, em recurso especial, é possível quando a condenação maltrata a razoabilidade e o artº. 159 do Código Beviláqua; A indenização por dano moral deve ser graduada de modo a coibir a reincidência e obviar o enriquecimento da vítima; É razoável a condenação em 50 (cinquenta) salários mínimos por indenização decorrente de inscrição indevida no SPC, SERASA e afins” (REsp 295130/SP, Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, 3ª. Turma, 22/02/2005, DJ 04/04/05 p. 298)

“O quantum, a título de danos morais, equivalente a até 50 (cinqüenta) salários mínimos, tem sido o parâmetro adotado para a hipótese de ressarcimento de dano moral em diversas situações assemelhadas (e.g.: inscrição ilídima em cadastros; devolução indevida de cheques; protesto incabível)” (EDcl no Ag 811523/PR, Min. MASSAMI UYEDA, 4ª. Turma, 25/03/2008, DJ 22/04/2008 p. 1)

“Considerando que a quantia indenizatória arbitrada a título de danos morais guarda proporcionalidade com a gravidade da ofensa, o grau de culpa e o porte sócio-econômico do causador do dano, não deve o valor ser alterado ao argumento de que é excessivo” (REsp 780548/MG, Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, 4ª. Turma, 25/03/2008, DJ 14/04/2008, p. 1)

Levando-se em conta as diretrizes doutrinária e jurisprudencial acima expostas, evidencia-se do in folio que a Autora é pessoa de parca situação financeira, porém presumivelmente honesta e de boa reputação; infere-se, ainda, a relevância da intensidade do seu sofrimento, abalado que foi em sua honra e reputação, pela inclusão indevida do seu nome no SPC, tornando notória a informação do suposto débito, porquanto ficou com o seu nome exposto no aludido órgão restritivo de crédito durante mais de dois anos.
Da sua qualificação inicial denota-se ter profissão de vigilante, caso em que, sem dúvida, a existência de registro em órgão restritivo de crédito afigura-se sobremodo deletéria, na medida em que inviabiliza a concessão de crédito àquele que almeje figurar como tomador, existindo ainda outros elementos que indicam fazer parte da classe social definida pelos institutos como média, fatores esses que também influenciam na fixação do valor indenizatório.
Em relação ao Demandado trata-se de poderosa operadora de cartão de crédito, que reúne condições de suportar ressarcimento proporcional ao ato ilícito praticado, e cujo caráter didático seja capaz de inibir a sua reincidência, prevenindo, assim, o universo de consumidores que integram a sua clientela de virem a padecer danos morais por falhas da mesma natureza.
Assim, por todas as razões, objetivas e subjetivas, supra analisadas, em face da inclusão indevida e injusta do nome da Autora no SPC, faço uso do arbitrium boni viri para fixar o valor indenizatório em R$-5.450,00=, correspondente a 10 (dez) salários mínimos.
Quanto ao pedido de condenação do Réu por danos materiais, insta frisar o seu completo descabimento, seja porque não há qualquer prova de que isso tenha ocorrido, seja porque, conforme já acentuado, não houve cobrança indevida de dívida, mas tão somente mantença irregular do nome da Autora no SPC, situando-se o ressarcimento exclusivamente no plano dos danos morais.
Ante o exposto, com fundamento nos dispositivos legais acima invocados e no artº. 269, I, do CPC, julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido deduzido contra o Demandado, HIPERCARD ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO LTDA., condenando-o a pagar à Autora, a título de indenização pelos danos morais que lhe causou, a importância de R$-5.450,00 (cinco mil, quatrocentos e cinquenta reais), correspondente a 10 (dez) salários mínimos, decorrente da inserção indevida e injusta do seu nome em órgão de proteção ao crédito, devidamente corrigidos a partir desta data (Súmula 362 do STJ), acrescidos de juros de mora no percentual de 12% (doze pct.) ao ano, a teor do artº. 406 do Novo Código Civil, a partir do evento danoso (23/12/2002), por se tratar de responsabilidade extracontratual (Súmula 54 do STJ). Outrossim, declaro inexistente a dívida atribuída à Autora no valor original de R$-773,59=.
Em face da sucumbência e tendo a Autora decaído de parte mínima do pedido, condeno o Demandado no pagamento integral das custas processuais e honorários (artº. 20, caput, c/c parágrafo único do artº. 21, todos do CPC).
Arrimado no artº. 20, §3º, do CPC, arbitro honorários advocatícios em 15% (quinze pct.) sobre o valor da condenação, pelo Demandado.P.R.I.