Trio condenado: Porto Seguro, Aplub Seguros e Companhia Paulista de Seguros

Publicado por: redação
18/05/2011 07:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

0016464-48.2004.805.0001 - INDENIZACAO

Autor(s): Domingos Savio Mota Carteado

Advogado(s): Abdon Antonio Abbade dos Reis

Reu(s): Porto Seguro, Clube Norte Sul De Seguros E Previdencia Privada Aplub Seguros Sa, Companhia Paulista De Seguros e outros

Advogado(s): Calina Tosta Pedreira Santos, Marcelo Brazil Ferreira, Danielli Farias Rabelo Leitão, Yuri Fiqueiredo The

Sentença: Vistos etc.,

DOMINGOS SÁVIO MOTA CARTEADO, devidamente qualificado nos autos, por advogado legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO INDENIZATÓRIA CONTRA PORTO SEGURO, COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DA BAHIA, CLUBE NORTE SUL DE SEGUROS E PREVIDÊNCIA PRIVADA-APLUB SEGUROS S/A E COMPANHIA PAULISTA DE SEGUROS, também já qualificados, aduzindo em síntese que celebrou contrato de seguro de vida com as demandadas, tendo pactuado o contrato com a segunda ré no ano de 1995, perdurando o mesmo até 31/12/1996 e, com as demais partes firmou contrato na mesma época, subsistindo até a propositura da exordial. Alega que sofreu lesões nos joelhos decorrentes de esforço repetitivo causado pelo desempenho de sua função militar, tendo se submetido a diversas cirurgias, culminando no ano de 1999 a sua aposentadoria por invalidez. Alega que, embora tenha comunicado o fato aos requeridos para fins de recebimento do benefício a que faz jus como segurado, estes até a presente data não pagaram o valor da cobertura, sob o argumento de que não há cobertura contratual para a situação ocorrida com o autor. Pediu o pagamento da indenização estipulada no contrato de seguro, referente ao sinistro. Juntou os documentos de fls. 11 a 26; 30.
Citada, a quarta ré apresentou contestação às fls. 51 a 58 arguindo em preliminar inépcia da inicial por pedido incerto e indeterminado, ilegitimidade passiva para a causa por ausência de contratação de seguro com a contestante, inépcia da inicial em decorrência da ausência de documento indispensável à propositura da ação, sustentando no mérito que a negativa ocorreu somente por falta de cobertura do contrato para o tipo de invalidez aduzida, alegando que a doença do autor seria preexistente à celebração do contrato. Pede a improcedência do pedido, juntando os documentos de fls. 59 a 62.
Citada, a segunda ré apresentou contestação às fls. 71 a 83, arguindo em preliminar a prescrição ânua, em virtude do seguro celebrado com a ré ter vigorado até 31/12/1996, ocasião em que foi cancelado por falta de pagamento, prescrevendo o direito de ação do autor em 31/12/1997, carência da ação, haja vista o cancelamento do contrato em 31/12/1996, tendo o sinistro ocorrido em julho de 1999 e, no mérito aduziu que a invalidez do segurado não decorreu de acidente pessoal e sim de doença profissional, não prevendo a apólice do seguro contratado a cobertura para a hipótese de invalidez decorrente de doença. Pede a improcedência do pedido, juntando os documentos de fls. 84 a 99.
Citada, a primeira ré apresentou contestação às fls. 101 a 129, arguindo em preliminar a impossibilidade de existência de litisconsórcio passivo na presente demanda, inépcia da inicial por formulação de pedido genérico, ilegitimidade passiva ad causam da seguradora ré em decorrência da ABESP (Associação Beneficente P. Serv. Público) e AMPARE (Assoc. Multibeneficente P. Serv. Público) figurarem como estipulantes mandatárias dos mutuários no contrato de seguro, devendo as partes litigantes ser estas e o autor, carência do direito de ação pela falta de interesse de agir, pois o autor não informou a ré acerca do sinistro, prescrição, haja vista o transcorrer do lapso temporal de mais de 1 (um) ano da ocorrência do sinistro ao intento da ação e, no mérito aduziu que a invalidez do segurado não decorreu de acidente pessoal e sim de doença profissional, não prevendo a apólice do seguro contratado a cobertura para a hipótese de invalidez decorrente de doença. Pede a improcedência do pedido, juntando os documentos de fls. 130 a 200.
O autor em réplica às fls. 210 a 224, rebate as argumentações trazidas nas contestações e reitera os pedidos formulados na exordial.
Em petição de fls. 239, o comandante-geral da Polícia Militar da Bahia informou que a terceira ré não vendeu seguros e, ou, nenhum outro tipo de produto à Polícia Militar da Bahia, limitando-se a expor e vender seus produtos, diretamente a alguns policiais militares, nas dependências internas dos Departamentos, Batalhões e Companhias, tal qual outras empresas dos mais variados ramos.
Foi deferido o pedido dos benefícios da assistência judiciária gratuita às fls. 251.
Citada, a quarta ré não se manifestou nos autos.
Audiência às fls. 256, realizada no dia 16 de setembro de 2009, presente a parte autora, ausente a terceira e a quarta ré, presente as demais requeridas, foi proposta a conciliação, porém não foi possível qualquer acordo. A parte autora disse não ter mais provas a serem produzidas. Os demandados requereram o julgamento antecipado da lide, por não possuírem outras provas a serem produzidas.

Relatado, decido.

A controvérsia gira em torno da questão se a recusa ao pagamento do seguro pela invalidez permanente do segurado foi justa.
Inicialmente é bom esclarecer que o CDC, instituído pela Lei nº 8.078/90, contém matéria de ordem pública e interesse social e passa a regular todos os contratos consumeristas e, em seu artigo 2º, estabeleceu como sendo consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Na hipótese em discussão restou caracterizada a relação de consumo, pois contratos desta natureza se enquadram no conceito previsto na legislação especial.
No tocante as preliminares arguidas pela quarta ré, quanto a inépcia da inicial por pedido incerto e indeterminado, da análise da petição inicial da ação se verifica que não existe o defeito apontado. O autor pretende o pagamento da indenização contratada no seguro por ter se aposentado por invalidez permanente, em 19/07/1999, estando claramente evidenciados na ação o pedido, a causa de pedir e os seus fundamentos. Assim, rejeito esta preliminar.
Quanto a ilegitimidade passiva da ré para a causa por ausência de contratação de seguro com a contestante, a mesma não é frutífera, vez que em documento de fls. 24 e 26 (contra-cheque) do autor, encontra-se discriminado o desconto em seu salário referente ao pagamento do seguro de vida com a seguradora ré Paulista.
No que tange a preliminar de inépcia da inicial por ausência de documento indispensável à propositura da ação, igualmente não pode prosperar, pois embora de forma sucinta a parte autora colacionou aos autos os elementos necessários a descrição dos fatos e seus fundamentos, oportunizando que o juízo e a parte ré tivessem condições de entender os limites da lide, inclusive tendo a parte ré apresentado sua contestação de forma plena, pelo que não reconheço a existência dos defeitos apontados e a rejeito.
Quanto as preliminares aduzidas pela segunda ré, preambularmente, a prescrição, não merece acolhimento, vez que o contrato de seguro foi rescindido unilateralmente pela ré, em 31/12/1996, por atraso no pagamento das parcelas, que no caso sub judice, foram 3 (três) e, o entendimento predominante na doutrina e na jurisprudência em relação a rescisão unilateral de contrato pelo fornecedor é de que é nula a cláusula que prevê o cancelamento automático do contrato de seguro, em caso de inadimplência, porque constitui obrigação da empresa, previamente, noticiar ao segurado sobre sua intenção de rescindir o contrato se continuar com parcelas em atraso, conforme artigo 51, inciso XI do Código de Defesa do Consumidor. Ademais, consoante o artigo 27 do CDC, prescreve em 5 (cinco) anos à pretensão a reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano ou da autoria que no caso ora analisado, foi declarada a invalidez permanente do autor pela PM-BA em 19 de Julho do ano de 1999, como exposto no documento de fls. 21, ingressando o demandante com a presente lide em 22 de Dezembro de 2003.
Nesse trilho, a preliminar de carência da ação, igualmente não pode prosperar, vez que é perfeitamente possível a discussão judicial de qualquer contrato firmado se a parte alegar abusividade, não se caracterizando o defeito alegado, ademais, o contrato foi cancelado por ato unilateral da seguradora ré, sendo nula a cláusula que prevê o cancelamento automático do contrato de seguro, em caso de inadimplência, conforme acima explanado, pelo que rejeito a preliminar.
No tocante as preliminares trazidas pela primeira ré, aprecio a impossibilidade de existência de litisconsórcio passivo na presente demandada para afastá-la, pois a demanda em epígrafe consubstancia litisconsórcio necessário, conforme preconizado no artigo 47 do Código de Processo Civil.
Em relação a inépcia da inicial por formulação de pedido genérico, da análise da petição inicial da ação se verifica que não existe o defeito apontado. O autor pretende o pagamento da indenização contratada no seguro por ter se aposentado por invalidez permanente, em 19/07/1999, estando claramente evidenciados na ação o pedido, a causa de pedir e os seus fundamentos. Assim, rejeito também esta preliminar.
Quanto a preliminar aduzida de ilegitimidade passiva da seguradora ré Porto Seguro, inicialmente, aprecio o pedido de reconhecimento da sua ilegitimidade passiva ad causam, para afastá-la, pois, o CDC é claro em seus artigos 25 e 34, quanto a solidariedade dos fornecedores de produtos e serviços e em relação aqueles que seus prepostos ou representantes comerciais. Assim, como a empresa ré reconhece que as empresas fazem parte do mesmo grupo econômico, a responsabilidade solidária está configurada quanto a qualquer defeito na prestação do serviço. Em vista disso, rejeito a preliminar para reconhecer a legitimidade da ré para figurar no pólo passivo desta demanda.
No que tange a carência da ação, resta superada, pois é perfeitamente possível a discussão judicial de qualquer contrato firmado se a parte alegar abusividade, não se caracterizando o defeito alegado.
Quanto a preliminar de prescrição, consoante o artigo 27 do CDC, prescreve em 5 (cinco) anos à pretensão a reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano ou da autoria que no caso ora analisado, foi declarada a invalidez permanente do autor pela PM-BA em 19 de Julho do ano de 1999, como exposto no documento de fls. 21, ingressando o demandante com a presente lide em 22 de Dezembro de 2003, pelo que rejeito esta preliminar.
Outrossim, vale destacar que o contrato de seguro devido a sua natureza de obrigação complexa e eventual, condicionada a um evento futuro incerto, via, de regra, estabelece para o segurador o recebimento do prêmio, afim de que, em ocorrendo o evento coberto pela apólice seja pago o valor da indenização contratada.
No caso em questão as seguradoras demandadas negaram a indenizar o valor correspondente a ocorrência da invalidez permanente. Dessa forma, os contratos firmados entre segurador e segurado ficam condicionados a determinadas regras para o pagamento da indenização, a qual, as requeridas alegam não ser cabível a mesma, já que agiram no seu exercício, fazendo com que a parte autora não tenha direito ao seu benefício, já que no contrato não há previsão de cobertura para invalidez do segurado proveniente de doença, aduzindo, ainda, a quarta ré que a doença do autor seria preexistente à celebração do contrato.
O CDC tem como princípios basilares e gerais a boa-fé e o equilíbrio nas relações de consumo, previstos no seu art. 4º que estabelece que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.

Tais normas promoveram verdadeira revolução nos contratos consumeristas e permitem ao Juiz a interpretação que transcende à literalidade das cláusulas contratuais, buscando uma visão interpretativa mais favorável ao consumidor contratante de boa-fé, que nem sempre é informado do real conteúdo e sentido dessas cláusulas.

A professora e estudiosa dos contratos à luz do CDC CLÁUDIA LIMA MARQUES defende:

"O primeiro instrumento para assegurar a equidade, a justiça contratual, mesmo em face dos métodos unilaterais de contratação em massa, é a interpretação judicial do contrato em seu favor. Inspirado no art. 1.370 do Código Civil Italiano de 1942, o CDC, em seu art. 47, institui como princípio geral a interpretação pró-consumidor das cláusulas contratuais.” (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., pág.283)

Essa tendência interpretativa ocorre principalmente quando o vínculo de consumo se forma através da adesão do consumidor a um contrato padrão elaborado unilateralmente pelo fornecedor, como ocorre no caso ora em análise. As novas normas que regem os contratos, que foram trazidas por concepção contida do CDC, optam por proteger não só a vontade das partes, mas principalmente os legítimos interesses e expectativas dos consumidores.
Por conta disso, a interpretação do contrato objeto do litígio deve ser feita de forma mais favorável ao acionante.
Nesse trilho, na hipótese ora em discussão, pelo princípio da inversão do ônus da prova consolidado no artigo 6º, inciso VIII do CDC, por ser o consumidor hipossuficiente, à empresa ré incumbia trazer aos autos documentos que demonstrassem fortes indícios de que a cobertura do seguro não merece acolhimento. Todavia, instados a produzirem provas em audiência de fls. 256, os demandados aduziram não possuírem mais provas a serem produzidas.
Nota-se, que a empresas fornecedoras, pretendem, pelos argumentos insertos em suas defesas, justificar a injusta negativa do seguro por falta de cobertura, uma vez que o contrato exclui expressamente a cobertura ao segurado por invalidez permanente decorrente de doença e quando subsiste preexistência da doença.
Contudo, a justificativa apresentada é pálida e desprovida de fundamento, porque a cláusula limitativa aludida pelos fornecedores para justificar a negativa de cobertura não se encaixa na situação do autor, já que a aposentadoria por invalidez do mesmo foi oriunda de acidente de trabalho, diante dos esforços físicos reiterados no exercício de sua função militar, o que por si só já demonstra que a invalidez permanente por acidente está prevista na apólice dos seguros. Nesse diapasão, restou frustrada a legítima expectativa do consumidor, que teve sua cobertura contratada negada sob o argumento de que não existia cobertura contratual para o seu tipo de invalidez, contudo, as requeridas não confeccionaram prova para refutar as alegações do demandante.
Com efeito, a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) explicita que no caso de divergências sobre a causa, natureza ou extensão de lesões, bem como avaliação da incapacidade relacionada ao segurado, a sociedade seguradora deverá propor ao segurado, por meio de correspondência escrita, dentro do prazo de 15 (quinze) dias, a contar da data da contestação, a constituição de junta médica. Entrementes, os réus não se manifestaram nesse sentido, não fazendo prova da espécie de invalidez do segurado.
Assim, constata-se, que as Empresas demandadas agiram de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança, causando a autora o conseqüente constrangimento de ter que ficar sem receber os valores efetivamente devidos pelos seguros que contratou.
Em que pese sejam as requeridas uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que o contrato de seguro de vida é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está a integridade física e a vida do consumidor.
Não se pode deixar de ressaltar, ainda, que a invalidez reclamada foi reconhecida pela Polícia Militar da Bahia às fls. 21, pelo que se torna desprovida de qualquer fundamento a resistência das Seguradoras em pagar o benefício segurado, desconsiderando a declaração da PM-BA, instituição para a qual trabalhava o segurado.
Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, prática que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual e põe em risco a vida e a saúde dos seus segurados, desnaturando o contrato de seguro saúde.
Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo PROCEDENTE a ação para reconhecer a injustiça da negativa de cobertura do sinistro ocorrido com o autor, a saber, invalidez decorrente de acidente de trabalho, e determinar que as empresas seguradoras arquem com o valor contratado no caso do sinistro ocorrido com o requerente.

Condeno, ainda, os réus nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 20% (vinte por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.

P.R.I.

Salvador, 3 de Maio de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza Titular da 29ª Vara de Relação de Consumo

 

Fonte: DJE BA