Companhia de Eletricidade da Bahia Coelba, cobrou o que não existia de padaria e foi condenada em R$ 12.430,00 Mil por danos morais

Publicado por: redação
05/09/2011 11:00 PM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

 

0063999-75.2001.805.0001 - PROCEDIMENTO ORDINARIO

Autor(s): Panificadora Eletrica Dakitari Ltda

Advogado(s): Juracy Alves Cordeiro

Reu(s): Companhia De Eletricidade Da Bahia Coelba

Advogado(s): Danielli Farias Rabelo Leitão, Milena Gila Fontes, Paulo Abbehusen Junior

Sentença: SENTENÇA

Vistos, etc.

PANIFICADORA ELETRICA DAKITARI, qualificada nos autos, vem propor Ação Declaratória, com Pedido Liminar, Tutela Antecipada, contra COELBA (COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA), já qualificada nos termos da inicial, alegando ter com a ré um contrato de fornecimento de energia de número 0004226330, e que houve a suspensão no fornecimento de energia elétrica sem nenhum aviso prévio pelo não pagamento de uma fatura que de fato a autora atrasou, requer ainda a declaração da inexistência do débito no valor de 17.479,59, em virtude de que no mesmo imóvel objeto das faturas de energia elétrica, a autora tem uma média de consumo muito inferior à cobrança referida, conforme demonstrado pelos documentos trazidos por ela.

Alega a autora, que no dia 18/06/2001 teve o seu fornecimento de energia suspenso, porém sem nenhum aviso de comunicação de suspensão de fornecimento de energia, em face do não pagamento de uma fatura que venceu no dia 28/05/2001, aduz ainda, que esta fatura foi paga em 19/06/2001, e o corte de energia ainda foi mantido por oito dias. Diz também, que em virtude do corte no fornecimento de energia ajuizou ação cautelar preparatória na qual obteve liminar que determinou que religasse a energia e deixasse de cobrar o valor obscuro. Orça em R$ 2.430,29 (dois mil quatrocentos e trinta e reais e vinte e nove centavos) as perdas em danos em decorrência dos produtos perecíveis e diz que não foi possível realizar a perícia em face de na época estar ocorrendo a greve das policias Civil e Militar. Além de prejuízos diários orçados em R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais). Pede a procedência da ação.

Com a inicial foram juntados os documentos de folhas 6 à 20.

Citada a requerida apresentou contestação, sem nenhuma preliminar a ser analisada e no mérito alega que a parte autora em face do não pagamento da fatura vencida em 08/2000 teve no dia 31/08/2000 sua energia cortada. Ocorre que quando a ré fazia uma inspeção de rotina no dia 06/11/2000 descobriu que no medidor da autora, de n° 940714630, havia um desvio de energia elétrica afim de auto-religar sua energia, a COELBA imediatamente notificou a irregularidade apontada. Em virtude do débito resultante da existência do desvio de energia a autora firmou um “plano de parcelamento”, admitindo a divida que seria dividida em 12 (doze) parcelas. Alega ainda que foi regular e tempestiva a sua notificação do corte de energia em virtude do vencimento em 28/05/2001 da sua fatura. Por fim impugna o documento de folhas 52 e 53 da ação cautelar, já que este foi expedido pela concessionária antes do parcelamento.

Com a contestação foram juntados os documento de folhas 43 à 47.

A autora em réplica rebate as argumentações trazidas na contestação, impugnando os documentos de folhas 51 a 61, visto que não foi conferida a oportunidade de contraditório.

Realizada audiência de conciliação não houve possibilidade de transação e foi saneado – fls. 60 e designada audiência de instrução e julgamento que foi por algumas vezes remarcadas concluindo a instrução na audiência folha 322, que em face da ausência das partes foi aberto prazo para a apresentação das alegações finais.

É O RELATÓRIO
POSTO ISSO. DECIDO.

O presente processo traz a lide pedido de ação declaratória de inexistência de débito e indenização por danos morais e materiais com fundamento no Código de Defesa do Consumidor, em vista da relação consumerista existente entre as partes. No qual alega a parte autora ter sido cobrada de valores aos quais não conhece e se revelam muito superiores ao seu consumo habitual. Além de indenização por danos morais e materiais em virtude do corte indevido da energia.

Ambas as partes alegam que de fato houve a suspensão no fornecimento de energia no dia 18/06/2001. Entretanto nos autos da ação principal e da ação cautelar são verificadas várias contradições no que tange ao motivo da suspensão, visto que no documento de folha 09 da ação cautelar a ré informa que a suspensão do fornecimento se deu em virtude da dívida que se refere ao débito controverso que a ré alega ser relativo a um desvio de energia que a autora havia feito para religar sua energia que fora suspensa em 31/08/2000, débito este cobrado no dia 06/04/2001. Porém no depoimento pessoal de folha 145 também da cautelar a ré admite que não emitiu nenhum aviso prévio mas efetuou o corte pois quando foi realizar a inspeção verificou desvio no medidor. Porém na sua peça contestatória de folha 31 do processo principal, diz que a suspensão se deu por falta de pagamento da fatura de energia elétrica de vencimento em 28/05/2001, como o autor havia alegado, mas que esta suspensão foi regular e tempestivamente notificada.

Entretanto em nenhum destas hipótese, se configurou os pressupostos necessários para que a suspensão do fornecimento se revestisse de legalidade.
Isso porque, se aceitarmos os argumentos de que a suspensão do fornecimento de energia eletrica foi embasada em débitos passados, sobre o tema farta jurisprudência entende que a empresa concessionária deve utilizar-se de outras formas de cobrança e não o corte. Ainda assim a notificação foi enviada apenas 2 dias antes de ter sido suspenso o fornecimento, violando a resolução da Aneel de número 456/2000. A possibilidade de interrupção dos serviços prestados em regime de concessão pública, previsto no art. 6º, § 3°, II da lei nº 8.987/95, refere-se apenas as faturas mensais ordinárias, porque a finalidade da norma é evitar o acúmulo de dívidas insolvidas, que comprometeriam a continuidade da prestação de serviço e poderiam prejudicar toda a coletividade.
Cito jurisprudência:
“ADMINISTRATIVO. ÁGUA. FORNECIMENTO. CORTE. ART. 6º, § 3º, II, DA LEI
Nº 8.987/95. LEGALIDADE. DÉBITOS ANTIGOS.
1. O princípio da continuidade do serviço público, assegurado pelo art. 22 do Código de Defesa do Consumidor, deve ser obtemperado, ante a regra do art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95, que prevê a possibilidade de interrupção do fornecimento de água quando, após aviso, permanecer inadimplente o usuário, considerado o interesse da coletividade. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público.
2. É indevido o corte do fornecimento de serviço público essencial, seja de água ou de energia elétrica, nos casos em que se trata de cobrança de débitos antigos e consolidados, os quais devem ser reivindicados pelas concessionárias pelas vias ordinárias de cobrança, sob pena de infringir o disposto no art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, de seguinte teor: "Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça".
1.Recurso especial improvido.”(T2 - SEGUNDA TURMA do STJ, no REsp 888288 / RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, j. 17/04/2007)
RESOLUÇÃO ANEEL N° 246, DE 29 DE NOVEMBRO DE 2000
"Art. 91. A concessionária poderá suspender o fornecimento, após prévia comunicação formal ao consumidor, nas seguintes:
I – atraso no pagamento da fatura relativa a prestação do serviço público de energia elétrica;...".
§ 1º. A comunicação deverá ser por escrito, específica e de acordo com a antecedência mínima a seguir fixada:
a) 15 (quinze) dias para os casos previstos nos incisos I, II, III, IV e V;..."
Se, no entanto, se aceitar a tese de que a interrupção no fornecimento ocorreu após verificação de irregularidade no medidor, sem aviso prévio, também se verifica irregularidades, uma vez que não se observou o dever legal de possibilitar a outra parte o direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório, além de não se fundamentar em nenhumas da hipóteses de suspensão previstas no artigo 91 da resolução da Agencia Reguladora de Energia (ANEEL). Neste caso a empresa ré deveria agir como prevê a resolução nº 456 de 29 de novembro de 2000 em seu artigo 71.
Ainda, na última hipótese em que o autor alega ter sido o real motivo da suspensão que é o atraso no pagamento da fatura com vencimento em 28/05/2001, não teria melhor sorte. A ré jamsi poderia ter suspenso o serviço essencial sem a devida notificação e não conseguiu fazer provas e nem trazer uma fundamentação plausível de que de fato houve a notificação enviada 15 dias antes, como é determinado em regulamento da Agencia Reguladora. Ainda não demonstra clareza quanto ao real motivo da suspensão e por fim confessa que de fato não existiu aviso prévio. Deste modo não resta outro posicionamento deste juízo que não reconhecer que houve a interrupção indevida no fornecimento de energia elétrica, que fere o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 22.
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
Desta forma em sendo considerada a interrupção, neste caso, uma atitude abusiva e ilegal, visto que descumpre o que determina a resolução da ANEEL e o Código de Defesa do Consumidor, a ré deve reparar os danos sofridos pela parte autora, especialmente por esta se tratar de uma panificadora que possui produtos perecíveis e teve que durante 8 dias suspender o seu funcionamento, gerando assim grande prejuízo, tanto na perda destes produtos, quanto no valor que deixou de ganhar em virtude do estabelecimento estar fechado pela falta de energia.
O artigo 159 do Código Civil prescreve que aquele que por ação ou omissão voluntária violar direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano e a Constituição Federal no seu artigo 5º- incisos - V e X, também amparam a pretensão da requerente.
Assim a título de danos materiais este juízo considera justo o valor estipulado na inicial de R$ 2.430,29 (dois mil quatrocentos e trinta reais e vinte e nove centavos) referentes as mercadorias que foram perdidas devido a falta energia elétrica, a existência destas mercadorias esta provada nas notas juntadas aos autos.
No entanto, não se pode aceitar o valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) de prejuízos diários referentes aos lucros cessantes, totalizando ao final R$12.000,00, sob o argumento que a interrupção de manteve por oito dias, porque não há prova que este era o faturamento da empresa e se este valor era bruto ou liquido, devendo o valor real ser apurado em liquidação de sentença.
No que tange ao dano moral, o art. 5, X da Constituição da República e o art. 6, VI da Lei 8.078/90, reconhecem com direito a indenização pelos danos morais. É certo que a indenização por danos morais não pode representar fator de enriquecimento sem causa e sim um desestimulador contra a prática de condutas ilegais e eivadas de negligência por parte das empresas fornecedoras de serviços.
Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: "O concessionário – já foi visto – gere o serviço por sua conta, risco e perigos. Daí que incumbe a ele responder perante terceiros pelas obrigações contraídas ou por danos causados. Sua responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros e ligados à prestação do serviço governa-se pelos mesmos critérios e princípios retores da responsabilidade do Estado, pois ambas estão consideradas conjuntamente no mesmo dispositivo constitucional, o art.37, § 6º, [...] Isto significa, conforme opinião absolutamente predominante no Direito brasileiro, que a responsabilidade em questão é objetiva, ou seja, para que seja instaurada, prescinde-se de dolo ou culpa da pessoa jurídica, bastando a relação causal entre a atividade e o dano" (in Curso de Direito Administrativo. 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 690.
Por fim quanto a cobrança do valor impugnado pelo suposto desvio de energia elétrica, que gerou inclusive um plano de parcelamento, a parte autora sustenta que só o assinou para ter sua energia restabelecida e que nunca houve desvio de energia em seu estabelecimento. De fato conforme documento juntado pela parte ré nas folhas 52 e 53 da ação cautelar o parcelamento foi firmado em 26 de junho de 2001, oito dias após a suspensão da energia elétrica no estabelecimento, os mesmos oito dias que a energia ficou interrompida, revelando que a interrupção foi um fator essencial para que fosse assinado o parcelamento. Os outros documentos juntados também pelo réu na ação cautelar, especialmente o de folha 51 que se refere a inspeção em que a ré alega ter detectado o desvio no medidor, não há assinatura da parte autora, pelo que não resta provado o desvio. Ainda carece nos autos de provas que apontem os meses em que ocorreu o desvio e a diferença de consumo registrada, para que servisse de base para este calculo.
Desta forma mesma que de fato houvesse existido o desvio este não restou provado para este juízo e o débito cobrado não tem parâmetros legais consistentes, já que a parte ré não se desincumbiu de trazer as provas necessárias para a configuração de débito, não existindo elementos nos autos capazes de aferir se o valor cobrado corresponde ao desvio e se este valor foi calculado com base no que determina a Aneel. Apenas se depreende da folha 216 que no mês de 15/09/2000 o valor cobrado foi muito superior ao que cobrava normalmente, indo da base de 10.000 para 100 KWh e na data de 06/04/2001 esta mesma média de 10.000 KWh passou para 94.680 KWh, nos levando a crer que se tratou de uma cobrança abusiva. Assim com base no artigo 333, II do CPC, que determina que cabe ao réu provar fato impeditivo, extintivo ou modificativo do direito do autor, não resta outra alternativa a este juízo senão o de determinar que seja cancelado o parcelamento firmado entre as partes, e o autor não seja novamente cobrado do débito objeto da presente demanda.
A jurisprudência respalda nosso entendimento:
EMENTA: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. ALEGAÇÃO DE SUPOSTA IRREGULARIDADE NA MEDIÇÃO DO CONSUMO E DE VIOLAÇÃO DE SELO QUE LACRA O MEDIDOR. INEXISTÊNCIA DE PROVAS QUANTO À SUA OCORRÊNCIA, BEM COMO DE DESVIO DE ENERGIA ELÉTRICA POR PARTE DA AUTORA. APLICAÇÃO DO ART. 333, II DO CPC. CONFIGURADOS O ILÍCITO PRATICADO PELA RÉ, O DANO MORAL SUPORTADO PELA AUTORA E O NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE AMBOS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO FORNECEDOR EVIDENCIADA. DEVER DE INDENIZAR QUE SE IMPÕE. QUANTUM INDENIZATÓRIO. ARBITRAMENTO A PARTIR DE CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTE DA CORTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.333IICPC (50779 RN 2008.005077-9, Relator: Des. Rafael Godeiro, Data de Julgamento: 05/08/2008, 2ª Câmara Cível)
Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE a ação para declarar inexistente o debito cobrado ao autor no valor de R$ 17.479,59 (dezessete mil quatrocentos e setenta e nove reais e cinqüenta e nove centavos) e nulo o contrato de parcelamento que havia sido firmado. Reconhecer que a interrupção no fornecimento de energia foi indevido e condenar a parte ré a arcar com os prejuízos reclamados pela parte autora na quantia de R$ 2.430,29 (dois mil quatrocentos e trinta e reais e vinte e nove centavos) pelos danos emergentes comprovados nos autos e pelos lucros cessantes a serem apurados em liquidação de sentença. Arbitro em R$ 10.000,00 os danos morais pleiteados. A condenação deverá ser atualizada pelo INPC e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, desde a época do fato para os danos materiais até o efetivo reembolso e os danos materiais a partir da citação valida.

Condenar, ainda, o réu ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Salvador, 18 de agosto de 2011.

MARIELZA BRANDÃO FRANCO
JUÍZA DE DIREITO

 

Fonte: DJE BA

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