Des. José Cicero Landin Neto, do TJBA, anula decisão da 29ª Vara Civel de Salvador

Publicado por: redação
09/05/2011 09:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

QUINTA CÂMARA CÍVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0003793-49.2011.805.000-0

AGRAVANTE: BANCO BV FINANCEIRA S/A CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO

ADVOGADOS: ELIZETE APARECIDA DE OLIVEIRA SCATIGNA e outros

AGRAVADO: JOSELINDA DOS SANTOS SALES

ADVOGADO: MOYSES FAROUK DA SILVA REIS

RELATOR: DES. JOSE CICERO LANDIN NETO

DECISÃO

Cuida-se Agravo de Instrumento contra decisão proferida pelo douto Juiz da 29ª Vara dos Feitos relativos às Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais desta capital que, nos autos da Ação Ordinária Revisional de Cláusulas Contratuais movida pela agravada, deferiu-lhe medida liminar no que toca aos pedidos de depósito judicial das parcelas vencidas e vincendas, referentes ao contrato de financiamento de veículo, no valor tido como incontroverso pelo autor-recorrido, para a manutenção do referido bem em sua posse, determinando ainda que o réu-agravante exclua dos cadastros restritivos de crédito o nome do autor, sob pena de multa, ficando a parte acionada autorizada a levantar mensalmente os depósitos que forem se efetivando.

Alega que “o valor que pretende o agravado consignar para pagamento das contraprestações livre e espontaneamente ajustadas no contrato, é insuficiente para tal e, a manutenção de tal decisão nesse sentido, com devida venia, apenas contribuíra para que o agravado tome mais empréstimos no mercado financeiro aumentando, ainda mais seu passivo e caminhando para a insolvência”.

Ao final requereu “seja recebido e conhecido o presente recurso e, sem prejuízo do julgamento na forma do artigo 557, § 1º-A do CPC, requer seja regurlamente processado para que, ao final, seja-lhe dado provimento, reformando a decisão agravada para que seja autorizada a inscrição do nome do devedor junto aos órgãos de proteção ao crédito, revogação da liminar de manutenção de posse, entretanto, caso assim não entenda que seja determinado o depósito do valor contratado à título de incontroverso, pois assim estará este E. Tribunal fazendo a devida Justiça!”

A matéria objeto deste recurso, isto é, a pretensão do devedor em manter-se na posse do bem financiado, mediante depósito judicial das prestações em valor inferior ao contratado, já se encontra há muito sedimentada em nosso Tribunal de Justiça, no sentido de que, embora pacífico o direito de discutir judicialmente o contrato, visando a revisão de suas cláusulas – porque o art. 51, IV do CDC assim faculta - não se pode, em caráter de cognição sumária, permitir que o devedor deposite em Juízo as prestações com base em cálculo apresentado unicamente por ele, em valor diverso do pactuado e, em certos casos, sem os encargos decorrentes da mora, ao tempo em que se mantém na posse do bem financiado. Além disso, uma decisão judicial nestes moldes implica em vedar ao banco credor a busca e apreensão do objeto do financiamento, ainda que não pagas as prestações pelo valor contratado, arcando com prejuízos de difícil reparação, face ao desgaste daquele bem no curso da lide.

Confira-se o entendimento dominante da nossa Alta Corte:

“Ação de revisão de cláusulas contratuais com pedido de tutela específica. Permanência do mutuário na posse do veículo financiado. Admissibilidade. A ação de revisão contratual submete a higidez da dívida ao crivo do judiciário, sendo viável o deferimento da tutela específica para assegurar a permanência do mutuário na posse do bem e obstar sua inscrição nos cadastros de inadimplentes, enquanto questionado judicialmente o contrato. Todavia, é indiscutível a obrigação da agravada de pagar as parcelas do financiamento no valor ajustado, sendo legítimo apenas discutir os encargos, que afirma ilegais.”(TJBA. Quarta Câmara Cível. Processo nº.28.639-3/2003. Rel: Des. PAULO FURTADO. Sem grifos no original).

“Agravo de Instrumento. Ação revisional de contrato. Possibilidade de manutenção do agravado na posse do bem. Condicionamento ao depósito das parcelas segundo o valor pactuado. Jurisprudência dominante. Agravo de instrumento parcialmente provido. Não obstante o ajuizamento da ação revisional afaste momentaneamente a mora do agravado, o entendimento jurisprudencial dominante admite a manutenção do devedor na posse do bem, desde que condicionada ao depósito das parcelas vencidas e vincendas conforme contratualmente avençado. Isso porque não se revela aceitável o pagamento das parcelas vincendas tomando-se por base o valor do principal financiado, acrescido de parcelas e índices afirmados unilateralmente pelo consumidor, mormente quando a apreciação inicial da demanda se fez em juízo perfunctório, típico das medidas liminares.”(TJBA. Agravo de Instrumento nº. 4.363-1/2008. Rel. Des. RUBEM DÁRIO PEREGRINO CUNHA. Sem grifos no original).

Logo, decidiu equivocadamente a douta Juíza de 1ª grau, ao deferir o depósito em juízo das parcelas vencidas e vincendas do contrato de financiamento nos valores que a agravada entende como devidos, bem como a manutenção da posse do bem financiado.

Pondere-se que decisões judiciais liminares que autorizam o devedor-fiduciante a efetuar o depósito judicial das prestações da dívida em valor aleatório e inferior ao efetivamente contratado e que, com isso, proíbam o credor-fiduciário de praticar quaisquer atos tendentes ao cumprimento da avença, são passíveis de causar ao referido credor, ora agravado, lesão grave e de difícil reparação, configurando, portanto, hipótese de periculum in mora inverso, mormente se se considerar que o bem objeto da alienação fiduciária em garantia se consubstancia em um veículo automotor cuja desvalorização se dá em razão da deterioração decorrente de sua própria utilização pelo devedor.

Por fim, verifica-se que no presente caso, ainda que não houvesse os citados motivos detrimentosos à decisão hostilizada, esta não poderia sobreviver, eis que nula de pleno direito por lhe faltar a imprescindível fundamentação. Seu ilustre prolator, ao deferir o quanto lhe foi requerido, não disse porque o fez, quais os motivos que levaram ao deferimento. Como é cediço, as decisões judiciais devem ser motivadas, sob pena de nulidade absoluta e que deve ser declarada ainda que ex officio.

Em outra vertente, estando a decisão recorrida em confronto com a jurisprudência dominante deste Tribunal, conforme consignado acima, cabe ao Relator pôr fim a demanda recursal apreciando, monocraticamente, o seu mérito. É o quanto dispõe o art. 557, §1-A, do CPC, que estabelece:“Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso”(grifei).

E mais, “não é necessário que a jurisprudência seja dominante do plenário de um dos tribunais indicados no art. 557 – podendo tratar-se de uma linha adotada majoritariamente [rectius: dominante] em seus órgãos fracionários sem que a propósito haja qualquer manifestação daquele”. (CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO in “A Reforma da Reforma”, Malheiros, 2002, p.188/189).

E nesta 5ª Câmara Cível deste Tribunal de Justiça, do qual sou membro integrante, o posicionamento uníssono é no sentido de que a garantia da manutenção na posse do bem financiado, a abstenção de protestos e de inscrição em órgãos restritivos só será admissível se o devedor depositar mensalmente os valores contratualmente avençados. Repugna a Colenda Câmara qualquer decisão que viabilize a modificação unilateral do contrato, tomando-se por base o valor do principal financiado, acrescido de parcelas e índices afirmados unilateralmente pelo consumidor, mormente quando a apreciação inicial da demanda se faz em Juízo perfunctório, típico das medidas liminares.

Diante do exposto e com fundamento no art. 557, §1-A, do CPC, dou provimento ao presente Agravo de Instrumento para invalidar a decisão recorrida e restabelecer em sua integralidade o contrato celebrado entre as partes, com todas as conseqüências ali previstas, até decisão final da ação revisional, como condição para que o agravado mantenha-se na posse do bem financiado e não sofra restrições de crédito.

Publique-se para efeito de intimação.

Salvador, 02 de maio de 2011.

DES. JOSÉ CÍCERO LANDIN NETO

RELATOR

 

Fonte: DJE BA