Desª. Maria do Socorro Barreto Santiago, do TJBA, cassa decisão da 30ª Vara Cível de Salvador

Publicado por: redação
06/06/2011 03:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

 

 

SEGUNDA CÂMARA CÍVEL – TJBA

APELAÇÃO CÍVEL N° 0133982-20.2008.805.0001-0 DE SALVADOR

APELANTE: LINO FRANCISCO DOS SANTOS

ADVOGADOS: LEON SOUZA VENAS E OUTROS

APELADO: BANCO FINASA S/A

ADVOGADOS: LUCIANA MASCARENHAS NUNES E OUTROS

RELATORA: DESA. MARIA DO SOCORRO BARRETO SANTIAGO



D E C I S Ã O


Trata-se de recurso de apelação interposto por Lino Francisco dos Santos, em face da sentença de fls. 77/81, proferida pelo MM juiz de direito 30ª Vara dos Feitos de Relação de Consumo, Cíveis e Comerciais da Comarca de Salvador, que nos autos da Ação Ordinária de Revisão de Contrato e Repetição de Indébito com pedido de Tutela Antecipada, aforada contra o Banco Finasa S/A, julgou improcedente a pretensão revisional deduzida pelo autor, ao fundamento de não ter ele realizado o depósito dos valores incontroversos, conforme determinação contida na decisão liminar.


Lino Francisco dos Santos ajuizou ação revisional contra o Banco Finasa S/A, alçando os seguintes argumentos: I- que entabulou contrato de financiamento bancário com cláusula de alienação fiduciária, para aquisição de um veículo automotor, ficando estabelecido no contrato o pagamento de 60 (sessenta) parcelas, cada uma no importe de R$ 709,34 (setecentos e nove reais e trinta e quatro centavos); II- que no momento da celebração do contrato, não tomou conhecimento das cláusulas contratuais, muito menos lhe foi entregue uma via do mencionado instrumento; III- que além da estipulação de juros ilegais acima de 12% ao ano, foram eles capitalizados, práticas vedadas tanto pelo Decreto 22.626/33, quanto pela Súmula 121 do STF; IV- que foi fixada multa moratória de 10% (dez por cento), quando o correto seria de no máximo de 2% (dois por cento); V- que os juros de mora não podem ser cobrados, pois eventuais atrasos ocorrem por culpa do Banco demandado; VI- que o autor vem sofrendo danos morais, em face das constantes cobranças que lhes são feitas e VII- que na hipótese dos autos é pertinente a cobrança do indébito, nos termos do art. 42 do CDC. Assim, requereu provimento liminar, para que fosse autorizado o depósito do valor apontado na inicial como correto, no importe de R$ 525,82 (quinhentos e vinte e cinco reais e oitenta e dois centavos), garantindo-lhe a posse do bem e obstando a inserção do seu nome nos mencionados cadastros restritivos. No mérito, requereu a procedência da pretensão para que fossem revisadas as cláusulas consideradas iníquas e abusivas.


Às fls. 32, a magistrada a quo deferiu a medida liminar nos termos pretendidos, sob pena de multa diária de R$ 330,00 (trezentos e trinta reais).


O Banco acionado apresentou contestação às fls. 41/61, alegando, preliminarmente, impossibilidade jurídica do pedido. No mérito argüiu o seguinte: I- ineficácia da liminar, haja vista que não houve depósito das parcelas determinadas na decisão; II- que o autor pagou a apenas uma única parcela das 60 (sessenta) contratadas; III- que não há limitações nem prefixação de juros em operações de natureza bancária; IV- todos os encargos contratuais foram licitamente pactuados, tendo o demandante tomado conhecimento prévio de todos eles V- que a capitalização foi regularmente contratada, o que é possível de acordo com o novo entendimento do STJ; VI- que é legal a estipulação de comissão de permanência posto que contratada, não havendo na hipótese dos autos cumulação com correção monetária e V- que a multa contratual cobrada tem natureza de cláusula penal e como tal é pertinente a sua estipulação para a hipótese de inadimplência contratual. Requereu, assim, a improcedência da demanda.


Após regular trâmite processual, o MM magistrado a quo julgou improcedente a pretensão, ao fundamento que o autor não obedeceu ao comando contido na decisão liminar, deixando de depositar mensalmente as parcelas incontroversas deferidas na decisão liminar.


Irresignado, o autor interpôs o presente recurso de apelação, requerendo a reforma da sentença objurgada, ressaltando que o fato de não ter pago as parcelas não implica em sua má-fé e que, na qualidade de consumidor, tem direito de equilibrar a relação contratual, marcada pela imposição de cláusulas abusivas.


Contrarrazões às fls. 90/99, pugnando pelo improvimento do recurso.


É o relatório.


Nada obstante tenha esta relatora a convicção de que a solução dada pelo STJ aos temas aqui discutidos não reflita a efetiva proteção do consumidor, nos termos proclamados pela norma constitucional, o certo é que esta relatora, com base na orientação daquela Corte Superior, passou a adotar o entendimento sufragado no julgamento do incidente de recurso repetitivo, instaurado no recurso especial representativo da controvérsia nº 1.061.530, por força da disciplina insculpida no art. 543-C, § 7º do CPC.


É preciso salientar que os temas a serem enfrentados neste apelo encontram-se pacificados no STJ, tanto em sede de recurso repetitivo, quanto em sua jurisprudência, atraindo a disciplina do art. 557 do CPC.


As razões recursais merecem provimento parcial. Vejamos.



- DOS TEMAS DECIDIDOS NO RECURSO REPETITIVO COM EFEITOS EXTERNOS, CONFORME PRECONIZA O ART. 543-C, § 7º DO CPC -


- JUROS REMUNERATÓRIOS –


Ficou decidido no incidente acima mencionado que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade (enunciado nº 382 da Súmula do STJ), assim como as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios que foi estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), como dispõe a Súmula596/STF, muito menos se lhes aplicando as taxas previstas para a mora de impostos devidos à Fazenda Pública, conforme poderia se inferir das disposições contidas no art. 591, c/c o art. 406 do CC/02.


Restou também disciplinado que a abusividade na cobrança de juros deve ser aferida com base na taxa média de mercado para as operações equivalentes e que sendo os juros do contrato superior a uma vez e meia da taxa de média de mercado, já caracterizaria abusividade, salvo se o risco do negócio a justificar.


Da análise do contrato acostado às fls. 62/67, constata-se que não há um local onde esteja estipulada de forma clara e precisa, como determina o sistema protetivo do CDC, a quantidade de juros remuneratórios pactuados. O quadro ‘8’ da simulação de arrendamento mercantil colacionada à fl. 63 prevê a aplicação de algo denominado “CET” – Custo Efetivo Total – no percentual de 28,73% ao ano. Mesmo procedendo a leitura da definição desse encargo no item 3.3 do contrato, não se sabe se nele estão embutidos os juros remuneratórios. Assim, os juros contratuais devem ser mantidos, tão somente se iguais ou inferiores à taxa média de mercado para a mesma operação e no mesmo período, que, segundo a “Tabela de Juros Para as Operações Ativas”, divulgada pelo Banco Central do Brasil no endereço http://www.bcb.gov.br/?TXCREDMES, correspondeu a 30,61% ao ano. Caso contrário, os juros remuneratórios devem ser fixados no percentual retromencionado.


- JUROS DE MORA -


Neste tópico, restou sedimentado o entendimento que, nos contratos bancários não alcançados por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês, o que é a hipótese dos autos, pois o contrato de financiamento firmado entre as partes não dispõe de uma legislação específica que o regule.


Observa-se do item 10 do contrato firmado entre as partes, que restaram estipulados juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a evidenciar a regularidade.


- INSCRIÇÃO NOS CADASTROS RETRITIVOS -


O STJ definiu que, para fins de inscrição do nome nos cadastros restritivos ao crédito e se o processo estiver na fase de decisão de mérito, é preciso verificar se restou configurada, ou não, a mora. Esta, por sua vez, somente é afastada se ficar constatado que foram exigidos encargos abusivos durante o período de normalidade contratual, período que pode ser considerado como o lapso temporal dentro do qual o contrato estava sendo cumprido. Ou seja: se dentro desse lapso temporal houve incidência de encargos abusivos, fica afastada a caracterização da mora.


Da analise dos autos, em especial do contrato no tocante à capitalização de juros, observa-se que não houve estipulação - que só pode ser expressa - dessa específica maneira de remunerar o capital. O contrato firmado entre as partes, fls. 62/67, nada estipulou nesse sentido.


Assim, o pagamento da primeira e única parcela foi realizado com incidência de juros capitalizados, o que implica que dentro do período de normalidade do contrato houve exigência de encargo abusivo, a descaracterizar a mora e, por conseguinte, tornar indevida a inscrição do nome do apelante nos cadastros restritivos ao crédito.



- DOS TEMAS PACIFICADOS PELA JURISPRUDÊNCIA DO STJ -



- DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS -


Com bem pontuou o próprio Banco, é possível a contagem se juros sobre juros. Entretanto, a jurisprudência do STJ firmou entendimento pacífico “no sentido de que a cobrança da capitalização dos juros é admitida nos contratos bancários celebrados a partir da edição da Medida Provisória nº 1.963-17/2000, reeditada sob o nº 2.170-36/2001, qual seja, 31/3/2000, desde que expressamente pactuada.”. Vide os seguintes arestos: AgRg no REsp 860.382/RJ, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), 3ª T, julgado em 09/11/2010, DJe 17/11/2010; AgRg no Ag 1043882/MG, Rel. Ministro Raul Araújo, 4ª T, julgado em 26/10/2010, DJe 08/11/2010; AgRg nos EDcl no Ag 1113229/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 3ª T, julgado em 26/10/2010, DJe 16/11/2010; AgRg no REsp 844.405/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª T, julgado em 21/09/2010, DJe 28/09/2010 e AgRg no Ag 880.897/DF, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T, julgado em 14/09/2010, DJe 22/09/2010).


Consoante acima pontuado, no contrato firmado entre as partes não houve estipulação de capitalização de juros, circunstância a evidenciar a impertinência de sua cobrança.


- DA CUMULAÇÃO DE CORREÇÃO MONETÁRIA E COMISSÃO DE PERMANÊNCIA -


Prescreve o enunciado nº 30 da Súmula do STJ, verbis:


“A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis”.


Não há contratação da comissão de permanência. O contrato não prevê este encargo para a hipótese de atraso no pagamento das prestações, não havendo como aplicá-la à operação entabulada entre as partes. Nem o contrato, nem qualquer outro meio de prova acostado aos autos evidenciam que houver cobrança de comissão de permanência, não restando, portanto, demonstrada a sobredita cumulação.


- DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO E COMPENSAÇÃO DE VALORES –


Importa destacar que o autor, ora apelante, ingressou com uma ação de revisão de cláusulas contratuais e não com uma demanda objetivando a rescisão da avença entabulada entre as partes. Isso significa que um eventual valor que o apelante possa ter direito, em virtude do pagamento indevido de encargos, deve ser compensado com o valor de eventual débito, ou então abatido do valor global do financiamento, corretamente calculado.


É razoável, também, que o Banco apelado forneça ao consumidor apelante, antes de adotar qualquer medida destinada a recuperar o seu crédito, o prazo de 30 (trinta dias), ou outro que as partes entendam por bem compor, para cumprimento das parcelas vencidas, calculada da maneira determinada neste julgado. Essa medida é necessária e adequada, oportunizando-o a manter a posse do bem e evitando a negativação do seu nome, além de trazer a ele mais benefício que prejuízo ao Banco, numa demonstração da aplicação do postulado de extração constitucional que alberga a norma de proteção ao consumidor.


Firmou o STJ o entendimento de que “a compensação de valores e a repetição de indébito são cabíveis sempre que verificado o pagamento indevido, em repúdio ao enriquecimento ilícito de quem o receber, independentemente da comprovação do erro”, consoante se pode constatar do REsp 615.012/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª T, julgado em 01/06/2010, DJe 08/06/2010. No mesmo sentido, vide os seguintes arestos: AgRg no REsp 681.615/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3º T, julgado em 16/12/2010, DJe 02/02/2011; AgRg no Ag 1028568/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, 4ª T, julgado em 27/04/2010, DJe 10/05/2010; AgRg no REsp 784.290/RS, Rel. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 4ª T, julgado em 27/10/2009, DJe 09/11/2009 e AgRg no Ag 1125621/SC, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 3ª T, julgado em 19/05/2009, DJe 03/06/2009.


Dessa forma, DOU PROVIMENTO PARCIAL À PRESENTE APELAÇÃO, para declarar a ilegalidade da incidência da capitalização de juros e, por conseguinte, da inserção do nome do apelado nos cadastros restritivos ao crédito, devendo o Banco apelado providenciar a sua retirada no prazo de 72 (setenta e duas) horas, ou, caso não o tenha inserido, assim não proceder, sob pena, em qualquer das hipóteses, de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais). Deve, ainda, o Banco providenciar o recálculo do valor financiado, excluindo, apenas, a incidência da capitalização de juros, compensando o valor da parcela paga, devidamente corrigidas a partir do respectivo pagamento e aplicando juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, apenas sobre o acréscimo oriundo da capitalização. Realizado os ajustes acima determinados, deve o Banco oportunizar o consumidor o cumprimento das prestações vencidas no prazo de 30 (trinta) dias, tudo nos termos da fundamentação supra. Após esse prazo sem qualquer pagamento ou qualquer outro ajuste firmado entre as partes, poderá o Banco apelado adotar todas as medidas necessárias e suficientes à recuperação do seu crédito. Em razão da sucumbência recíproca, condenam-se as partes ao pagamento das custas processuais na proporção de 60% pelo recorrente e de 40% pelo recorrido, e honorários advocatícios, distribuídos na mesmo proporção e fixados conforme determinação contida na sentença recorrida, devidamente compensados, conforme enunciado 306 da Súmula do STJ. Suspensa a exigibilidade, em relação ao recorrente, enquanto perdurarem os efeitos da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.


Publique-se.


Salvador, 02 de junho de 2011




DESª MARIA DO SOCORRRO BARRETO SANTIAGO

RELATORA