Unibanco condenado por cláusulas abusivas, sentenciou a juiza Licia Fragoso Modesto, da 30ª Vara Cível de Salvador

Publicado por: redação
16/06/2011 05:30 AM
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Inteiro teor da decisão:

 

0145815-40.2005.805.0001 - REVISAO CONTRATUAL

Apensos: 2594115-9/2009

Autor(s): Portal Distribuidora De Bebidas Ltda

Advogado(s): Oab/Ba 7014, Ubiracira Auxiliadora Muniz da Silva

Reu(s): Unibanco Uniao De Bancos Brasileiro S/A

Advogado(s): Luis Carlos Laurenço Oab/Ba 16.780

Sentença:  Vistos, etc...

1.Relatório

PORTAL DISTRIBUIDORA DE BEBIDAS LTDA, já qualificado nos autos, propôs neste Juízo AÇÃO REVISIONAL DE CONTA CORRENTE COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA, REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS, PEDIDO DE ANULAÇÃO DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS E ILEGAIS, REALINHAMENTO DE JUROS E PROIBIÇÃO DE RESTRIÇÕES CADASTRAIS contra BANCO UNIBANCO S/A, alegando em síntese o seguinte:
Em razão de ter pactuado com a ré contrato de conta corrente asseverando pretensão de discussão do contrato havido com a suplicada, por violação das normas consumeristas, requerendo revisão de cláusulas contratuais para adequação ao direito do consumidor.
Alega a parte autora, em apertada síntese, que celebrado o contrato de conta corrente, viu-se impossibilitado de honrar o financiamento assumido, tendo em vista os abusivos encargos a ele impostos, onde se verificou a prática de altas taxas de juros, ensejando inúmeras cobranças destes encargos acima do permissivo legal, além da cobrança de comissão de permanência cumulada com correção monetária e repetição de indébito.
Afirma, também ser necessário a revisão dos juros previstos no contrato, para que se fixe uma taxa mais proporcional à epóca da economia estável que atravessa o país.
Pediu, ainda, ao final, fosse julgado procedente o pedido de revisão de cláusulas contratuais, fixando a relação contratual entre as partes aos parâmetros constitucionais. Oportunidade em que juntou documentos fls. 20/28.
Liminar deferida, às fls.30, concedendo a tutela pretendida para determinar que a ré abstenha-se de protestar os títulos vinculados ao contrato e de lançar o nome do autor nos cadastros restritivos de crédito.
Citado, o réu ofereceu contestação às fls. 34/48 aduzindo preliminar da Carência de Ação. No mérito, aduz que o pleito da parte autora não pode prosperar, pois, buscando inquinar de nulidades cláusulas contratuais absolutamente válidas, não apenas porque foram livremente pactuadas, mas, sobretudo, por estarem de acordo com o disposto nas normas legais pertinentes.
Sustenta, ainda, que o acionante assinou um contrato de conta corrente, cujas cláusulas e condições ela tomou conhecimento, anuiu com todas elas, que estão em consonância com a legislação pátria, sendo, pois, absolutamente legais, sem vícios, agora depois de usufruir do financiamento quer esquivar-se de cumprir a sua contraprestação, com alegações inverídicas, sem respaldo legal.
Aduziu, ainda, que a revisão contratual pleiteada pela autora desrespeita, além do artigo 5°, XXXVI, da Constituição Federal, outros princípios consagrados no direito, como o da Força Obrigatória dos Contratos, e que ao longo do contrato, não se verificou qualquer circunstância extraordinária ou acontecimento imprevisível que ensejassem o não atendimento desses princípios.
Declara, ainda, a ré, que os juros, demais encargos cobrados por ela, são comuns a toda e qualquer instituição financeira nacional, que o Banco Central fiscaliza as atividades bancárias, com assiduidade, respeito às normas de direito positivo nacional, que a ré tem respeitado todas as suas determinações. Ao final, requereu que fosse o pedido formulado pela parte autora, julgado improcedente, que a mesma fosse condenada ao pagamento de custas processuais, honorários advocatícios, a serem arbitrados pelo MM. Juízo.
O autor ofereceu réplica às fls. 71/87, ratificando os pedidos da exordial.
Audiência de Conciliação, realizada às fls. 89, ausentes as partes e seus advogados. Não houve conciliação, face a ausência das partes.

Audiência de Conciliação, realizada às fls. 99, ausente a parte autora e presente o seu advogado. Não houve conciliação. Requereram ambos os advogados o julgamento antecipado da lide.
Assim vieram-me os autos.

É o Relatório essencial.

Posto isso. Decido.

2.Discussão.

Uma vez que a matéria ventilada é eminentemente de direito, comporta o julgamento antecipado da lide. Ressalte-se, ainda, que sendo necessária a elaboração de cálculos, serão estes determinados em liquidação de sentença, após este juízo fixar os parâmetros para a sua elaboração através de sentença. Tal entendimento não pode ser caracterizado como cerceamento de defesa, até mesmo por conta de que a prova objetiva munir o julgador de elementos necessários à formação de seu convencimento. Assim, dispensando o Magistrado a produção de novas provas, sinaliza o mesmo que as provas já constantes dos autos são suficientes ao seu convencimento.

Quanto a PRELIMINAR levantada de carência da ação, também não pode prosperar. É que é perfeitamente possível a discussão judicial de qualquer contrato firmado se a parte alegar abusividade, não se caracterizando o defeito alegado, pelo que rejeito a preliminar.
A preliminar não procede vez que a súmula vinculante invocada não se aplica a hipótese em discussão, porque a nova concepção do contrato admite a revisão da avença existindo onerosidade excessiva que cause desequilíbrio contratual, também é perfeitamente possível a discussão judicial de qualquer contrato firmado se a parte alegar abusividade e o fundamento da demanda não se limita a taxa de juros aplicada ao contrato, pelo que a rejeito.

No MÉRITO a controvérsia se refere ao pedido de revisão de cláusulas contratuais, ao fundamento de violação das normas do Código de Defesa do Consumidor, diante da alegação de excessiva onerosidade dos encargos impostos unilateralmente pela instituição financeira, em relação à taxa de juros, a prática de anatocismo e a cumulação de correção monetária com comissão de permanência, bem como questiona o índice de correção monetária e postulando a repetição do indébito.
Assim sendo, a presente demanda deve ser analisada sob a égide do CDC, instituído pela Lei nº 8.078/90, que define como consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Isso pelo fato de que, no caso presente restou caracterizada a relação de consumo travada entre os litigantes.
Em que pese o quanto sustentado pela autora, a posição dominante em nossos Tribunais é a de que as instituições financeiras públicas e privadas não estão sujeitas à limitação dos juros a 12% ao ano.
Registre-se que o STJ e o STF já haviam consolidado posicionamento no sentido de que o parágrafo 3º do art. 192 da Constituição Federal era norma de eficácia limitada, a reclamar, em caráter necessário, a edição de norma complementar para a integração de seu comando, não sendo, portanto, auto-aplicável, para que os juros praticados pelas entidades bancárias, que integram o sistema Financeiro Nacional, ficassem restringidos a 12% ao ano. Com a EC 40/2003, foram extirpados os parágrafos do art. 192 da CF/88, pondo-se fim à controvérsia.
Nos contratos bancários, o fato das taxas de juros excederem o limite de 12% ao ano não implica abusividade, podendo esta ser apurada apenas à vista de provas.

Nesse sentido:

“Nos termos dos precedentes desta Corte, conquanto certa a subsunção dos contratos bancários ao CDC, a abusividade da pactuação dos juros remuneratórios deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos, sendo insuficiente o só fato de a estipulação ultrapassar 12% ao ano ou de haver estabilidade inflacionária do período.” (AgRG no RESP 656263, Rel. Min. César Asfor Rocha. J. 21/10/04, publicado no DJ 01/02/2005).

Não é demais ressaltar que a abusividade somente poderia ser reconhecida se evidenciado que a instituição financeira estivesse obtendo vantagem absolutamente excessiva e em descompasso com o mercado, na época da contratação do empréstimo sob apreciação.
Nesse sentido, é pacífico o entendimento do STJ:“No que se refere á taxa de juros, prepondera a legislação específica, Lei n. 4595/64, da qual resulta não mais existir, para as instituições financeira, a restrição constante da Lei de Usura, devendo prevalecer o entendimento consagrado na Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal, desde que não se ultrapasse, abusivamente, a taxa média de mercado” (REsp n. 337.031/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJU 30/06/2003).
Desta forma, não há dúvida de que não se aplica a limitação de juros de 12% ao ano prevista na Lei de Usura aos contratos bancários não previstos em leis especiais, não se considerando excessivamente onerosa a taxa média do mercado.
Imperioso ratificar que o STJ entende que, com o advento da Lei n. 4.595/64, restou afastada a incidência do Decreto n. 22.626/33 (Lei de Usura) nas operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, ficando delegado a este Órgão o poder normativo para regulamentar taxas e eventuais encargos bancários. Corrobora tal entendimento o enunciado da Súmula 596/STF, in verbis: “As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.
Para frisar a questão em tela, veio a súmula 382 do STJ e prescreveu: “a estipulação dos juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.

Aliado à este fato deve-se observar nos contratos de relações de consumo a boa fé dos contratantes e lealdade, o que passamos à analisar abaixo:

A boa-fé objetiva, se traduz no dever do fornecedor prestar informações claras e precisas para garantir o equilíbrio entre as partes, deve permear todos os contratos consumeristas, de modo que, a sua ausência no âmbito de uma relação de tal natureza, acaba por viciar todo o conteúdo das obrigações estabelecidas, impondo a necessidade da intervenção estatal.

Analisando o contrato sob a égide do Princípio da Boa Fé, tem-se que, no mesmo, as partes ocupam posição de cooperação e não antagônicas. Na medida em que uma das partes cumpre a sua obrigação, o crédito do outro é satisfeito e, para que não ocorra a frustração das expectativas exige-se, aí, a presença da ética, da lealdade e da confiança recíprocas, tudo isso em torno do objetivo comum convencionado.
Mas, não podemos esquecer de observar que é necessária a presença da lealdade contratual das partes, que se materializa na delimitação de obrigações justas e proporcionais entre os contratantes que compõem uma determinada relação contratual, e se caracteriza como requisito indispensável para a legitimidade da mesma, vinculando, de igual forma, todos os seus sujeitos.
Portanto, a lealdade processual também é um dever que se impõe ao consumidor e no caso que ora analisamos, nesse ponto verificamos que reside a impossibilidade de se prover as pretensões buscadas pela autora, pela ausência deste requisito basilar.
E esta interpretação não contraria o Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor pois, ainda assim, nas relações de consumo há o caráter bilateral que obriga ambas as partes a cumprir suas obrigações.
A respeito do assunto diz o mestre Rizzato Nunes in CURSO DE DIREITO DO CONSUMIDOR, 4ª Edição, p. 605: Desse modo, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal. Na atuação da cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra. É um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão a niguém, cooperando sempre para atingir o fim colimado no contrato, realizando os interesses das partes.
Isso porque o acionante demonstrou ser portador dos princípios norteadores das premissas indispensáveis ao cumprimento legítimo de um contrato.
Ressalta-se que após ter obtido a tutela antecipada que lhe garantia a manutenção da posse do veículo e de não ser colocado em órgãos de proteção ao crédito, o autor realizou os depósitos ao quais ficou condicionada a eficácia da liminar que lhes foi concedida.
No direito de revisar as cláusulas contratuais e pelo revelado nos autos, resta provada a boa-fé do autor.
Por último, pretende o autor a REPETIÇÃO DO INDÉBITO. É justo e legal, em se apurando a existência de valores cobrados indevidamente, quando da liquidação de sentença, nos limites aqui delineados, seja restituído, mas na forma simples, ao autor, o saldo favorável, nos termos do parágrafo único do art. 42 do CDC, vez que não caracterizada a má fé do réu que estava respaldado por contrato celebrado entre as partes, antes de ser declaradas nulas as cláusulas contratuais questionadas.

3.Conclusão.

Nestas condições em face do exposto, julgo PROCEDENTE a ação, declaro como abusivas as cláusulas contratuais que estabelecem a taxa de juros superior a 12%, a prática de anatocismo e a cumulação de correção monetária com comissão de permanência, bem como o índice de correção monetária pelo IGP-M e determinar a Revisão do Contrato, para que seja observada a incidência de juros remuneratórios no percentual de 12% ao ano e o IGP-M como índice de correção monetária, bem como declaro a nulidade da cláusula que estabelece a comissão de permanência cumulada com juros de mora e multa contratual, determinando, ainda, que a multa moratória deverá ser cobrada no percentual de 2% sobre o saldo devedor corretamente calculado e excluída qualquer outra taxa, inclusive taxa de cobrança administrativa ou honorários advocatícios extrajudiciais, recalculando-se as prestações avençadas pelos indicativos aqui determinados, admitindo-se a compensação e apurando-se o quantum debeatur.
Condeno, ainda, o réu ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.P.R.I.

DRª. LICIA PINTO FRAGOSO MODESTO

 

Fonte: DJE BA